Aplicação CDC aos contratos de plano de saúde

Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão. STJ. 2ª Seção. Aprovada em 11/04/2018, DJe 17/04/2018 (grifou-se).

Processo: 5005630-45.2021.8.24.0139 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Álvaro Luiz Pereira de Andrade
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Sétima Câmara de Direito Civil
Julgado em: 14/12/2023
Classe: Apelação Citações – Art. 927, CPC: Súmulas STJ:608

Apelação Nº 5005630-45.2021.8.24.0139/SC

RELATOR: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE

APELANTE: UNIMED LITORAL COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO LTDA (RÉU) APELADO: PRISCILA EHLERS RIBEIRO SCHERER (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível da sentença de parcial procedência proferida na “ação ordinária de obrigação de fazer com pedido liminar c/c danos” proposta por Priscila Ehlers Ribeiro Scherer contra Unimed Litoral Cooperativa de Trabalho Medico Ltda..
Adota-se o relatório da decisão recorrida (Evento 44, SENT1, Eproc1G):
Trata-se de “ação ordinária de obrigação de fazer com pedido liminar c/c danos”, proposta por PRISCILA EHLERS RIBEIRO SCHERER, em face de UNIMED LITORAL COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO LTDA.
Infere-se do relato contido na exordial que a parte autora é segurada do plano de assistência médica fornecido pela ré, na qualidade de dependente, e que necessitou de procedimento cirúrgico de explante mamário bilateral, a fim de cessar as complicações oriundas de próteses, anteriormente, implantadas.
Em suma, aduziu a autora que teve seu requerimento administrativo negado, sob o fundamento de que a referida cirurgia não se enquadra nas diretrizes contratuais, pois não consta no rol da ANS.
Desse modo, ingressou com a presente demanda, requerendo, inclusive, a concessão de medida liminar para que a ré autorize e arque com o custeio da realização do procedimento supracitado, inclusas as despesas dele decorrentes. Requereu, ainda, a condenação da requerida em danos morais. 
A tutela de urgência foi deferida no Evento 4, determinando-se que a ré proceda à autorização e custeio da cirurgia.
No Evento 10, a parte autora informou que já havia realizado a cirurgia, de forma particular, na data 15/12/2021, pleiteando o reembolso das despesas.
Citada, a requerida ofereceu contestação, arguindo, em sede de preliminar, a indevida concessão da gratuidade da justiça. No mérito, sustentou que o procedimento de explante mamário é eletivo, não possuindo caráter de urgência, bem como não está contemplado no rol da ANS, inexistindo obrigação de custeio. Requereu, ainda, a improcedência do pedido de danos morais, e impugnou a documentação apresentada pela autora (Evento 17).
Houve réplica (Evento 20).
Intimadas para especificação de provas, as partes requereram o julgamento antecipado da lide (Eventos 32 e 33).
Após, os autos vieram conclusos.
Acrescenta-se que a sentença, publicada em 19.06.2023, apresenta a seguinte parte dispositiva:
Ante o exposto, resolvo o mérito e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por PRISCILA EHLERS RIBEIRO SCHERER, em face de UNIMED LITORAL COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO LTDA., o que faço com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e, por conseguinte:
RATIFICO a tutela de urgência concedida no Evento 4;
DETERMINO que à requerida que restitua à autora a quantia de R$ 16.640,00 (dezesseis mil seiscentos e quarenta reais), referente ao montante despendido com o procedimento de explante, a ser atualizada monetariamente pelo INPC desde a data do efetivo pagamento, e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação.
Outrossim, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, na forma do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil. 
Registrada e publicada no sistema. Intimem-se.
Transitada em julgado, arquivem-se os autos.
Irresignada, a parte demandada interpôs recurso de apelação (Evento 52, APELAÇÃO1, Eproc1G), insurgindo-se em busca da improcedência da ação.
Alegou, em linhas gerais, a irretroatividade da Lei n. 14.454/22, a ausência de previsão de cobertura do procedimento no rol taxativo da ANS e o caráter eletivo da cirurgia.
Contrarrazões apresentadas pela autora (Evento 57, CONTRAZAP1, Eproc1G), aplaudindo a sentença.
É o suficiente relatório.

VOTO

Presentes os respectivos pressupostos de admissibilidade, o recurso há de ser conhecido, pelo que passo à análise das razões recursais.
A parte ré sustenta, inicialmente, que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável à relação contratual mantida entre as partes.
No entanto, a temática não comporta maiores digressões, haja vista que o entendimento esposado na sentença já foi em tal sentido.
A questão, inclusive, encontra-se pacificada na jurisprudência, incidindo, no caso, a segunda parte da Súmula n. 608 do STJ, por se tratar de plano de saúde administrado sob sistema de autogestão:
Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão. STJ. 2ª Seção. Aprovada em 11/04/2018, DJe 17/04/2018 (grifou-se).
No que tange ao mérito, a parte ré defende a licitude da negativa, em decorrência da ausência de previsão no rol da agência nacional de saúde – ANS (RN n. 465/2021).
De fato, à época da negativa administrativa ao pedido da autora, em 22.11.2021 (Evento 1, DOCUMENTACAO13, Eproc1G), o procedimento em questão – explante mamário – não constava no rol da ANS.
Assim, na hipótese, a discussão sobre a licitude (ou não) da negativa teria que enveredar à minuciosa análise acerca da imprescindibilidade do específico procedimento pedido pela autora à salvaguarda da sua vida. 
Isso porque, à época, o entendimento jurisprudencial predominante era no sentido de que o rol da ANS era taxativo, de modo que, em regra, a negativa em casos desse jaez seria lícita. Porém, quando comprovado de modo incontestável que o procedimento era indispensável à garantia da vida do paciente, a taxatividade do rol era minimizada.
No caso, a apelada obteve diversos laudos atestando o quadro clínico que enfrentava até o diagnóstico de contratura capsular em próteses mamárias, e síndrome de ASIA, sendo recomendada a realização de explante mamário bilateral para sua melhor qualidade de vida (Evento 1, DOCUMENTACAO9-11, Eproc1G):

Sabe-se que “A Sociedade Brasileira de Reumatologia e a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica se uniram em uma campanha para compartilhar com o público geral informações seguras e esclarecimentos acerca de mitos sobre a Síndrome ASIA (Autoimmune  Syndrome Induced by Adjuvants),  comumente chamada de ‘síndrome do silicone’.
“ASIA é uma síndrome autoimune/inflamatória induzida por adjuvante. Adjuvantes são diferentes substâncias que podem estimular a resposta imunológica. Algumas substâncias, como o silicone, podem atuar como um adjuvante. Assim, embora muito raramente, o silicone das próteses mamárias pode ser o gatilho para o desenvolvimento de resposta inflamatória ou autoimune em pessoas com predisposição genética.” (https://www.reumatologia.org.br/noticias/sociedades-brasileiras-de-reumatologia-sbr-e-de-cirurgia-plastica-sbcp-promovem-campanha-contra-desinformacao-acerca-da-sindrome-do-silicone-asia/). 
Aliás, realizada a cirurgia para explante mamário, foi realizado o anatomopatológico na prótese, com diversos achados clínicos (Evento 20, DOCUMENTACAO3, Eproc1G):

Nesse contexto, a tutela de urgência foi corretamente deferida – initio litis – pelo Juízo de origem (Evento 4, DESPADEC1, Eproc1G). Em seguida, diante da demora da apelante em autorizar o procedimento cirúrgico e o avanço no quadro inflamatório das mamas (Evento 20, DOCUMENTACAO6, Eproc1G), a autora realizou o explante de forma particular e requereu o reembolso (Evento 20, DOCUMENTACAO4, Eproc1G), de modo que não há como se apartar do entendimento esposado na sentença.
Logo, a insurgência da parte ré não comporta guarida.
Por fim, considerando o não provimento do apelo da demandada, que já restou vencida em primeiro grau, majoram-se os honorários advocatícios a serem pagos ao Procurador da parte autora de 10% para 15% sobre o valor da condenação, nos termos do disposto no artigo 85, § 2º e 11, do CPC.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento, arbitrando-se honorários recursais.

Documento eletrônico assinado por ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4299232v13 e do código CRC 6e7fd8c2.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADEData e Hora: 31/12/2023, às 20:57:3

Apelação Nº 5005630-45.2021.8.24.0139/SC

RELATOR: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE

APELANTE: UNIMED LITORAL COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO LTDA (RÉU) APELADO: PRISCILA EHLERS RIBEIRO SCHERER (AUTOR)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXPLANTE MAMÁRIO. NEGATIVA DO PLANO DE SAÚDE, SOB O ARGUMENTO DE AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DA ANS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ.
TESE DE LICITUDE DA NEGATIVA POR AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE – ANS (RN N. 428/2017). INSUBSISTÊNCIA. PACIENTE ACOMETIDA POR SÍNDROME ASIA (AUTOIMMUNE  SYNDROME INDUCED BY ADJUVANTS), SÍNDROME AUTOIMUNE/INFLAMATÓRIA INDUZIDA POR ADJUVANTE. COMUMENTE CHAMADA DE’SÍNDROME DO SILICONE’1 E CONTRATURA CAPSULAR DO IMPLANTE. NECESSIDADE DE RETIRADA DA PRÓTESE MAMÁRIA ATESTADA POR DOIS MÉDICOS.  PROVA SUFICIENTE DA IMPRESCINDIBILIDADE DO PROCEDIMENTO. TAXATIVIDADE DO ROL QUE NÃO PODE SER APLICADA DE MANEIRA DESPROPORCIONAL E INDISCRIMINADA.
MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS (ART. 85, § 11, DO CPC). 
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 7ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, arbitrando-se honorários recursais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 14 de dezembro de 2023.

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1. https://www.reumatologia.org.br/noticias/sociedades-brasileiras-de-reumatologia-sbr-e-de-cirurgia-plastica-sbcp-promovem-campanha-contra-desinformacao-acerca-da-sindrome-do-silicone-asia/



EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/12/2023

Apelação Nº 5005630-45.2021.8.24.0139/SC

RELATOR: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE

PRESIDENTE: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR

PROCURADOR(A): ANDREAS EISELE
APELANTE: UNIMED LITORAL COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO LTDA (RÉU) ADVOGADO(A): AUGUSTO GARCEZ DUARTE (OAB SC020589) ADVOGADO(A): Heverton Rossato Rossdeutscher (OAB SC021475) ADVOGADO(A): KATIA LODDER DE MOURA (OAB SC020611) ADVOGADO(A): GUSTAVO BECKER KRUMMENAUER (OAB SC022012) ADVOGADO(A): AUGUSTO GARCEZ DUARTE APELADO: PRISCILA EHLERS RIBEIRO SCHERER (AUTOR) ADVOGADO(A): ALINE DE OLIVEIRA (OAB SC039840)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 14/12/2023, na sequência 88, disponibilizada no DJe de 27/11/2023.
Certifico que a 7ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 7ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, ARBITRANDO-SE HONORÁRIOS RECURSAIS.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE
Votante: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADEVotante: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRINVotante: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
TIAGO PINHEIROSecretário

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

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