Concessionária de serviço público e consumidor por equiparação

Concessionária de serviço público e consumidor por equiparação. Trata-se de agravo de instrumento em face de decisão que, na origem, determinou a inversão do ônus da prova em desfavor da agravante, concessionária de serviço público que ocupa o polo passivo da ação de indenização por danos causados em acidente de trânsito ajuizada pelo agravado.

Processo: 5020916-24.2023.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Saul Steil
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil
Julgado em: 20/06/2023
Classe: Agravo de Instrumento Citações – Art. 927, CPC: Súmulas STF:492

Agravo de Instrumento Nº 5020916-24.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador SAUL STEIL

AGRAVANTE: AUTOPISTA PLANALTO SUL S.A. AGRAVADO: VALMIR DA LUZ

RELATÓRIO

AUTOPISTA PLANALTO SUL S/A  interpôs agravo de instrumento em face de decisão interlocutória proferida pelo Juízo de Direito da Vara Única da comarca de Santa Cecilia, o qual, nos autos da ação de indenização por danos causados em acidente de trânsito n. 0301057-70.2017.8.24.0056, ajuizada por VALMIR DA LUZ, dentre outras providências, inverteu o ônus da prova.
Alegou, em suma, que: (a) a decisão causa prejuízo à agravante na medida em que o agravado ajuizou a ação sem nenhuma prova de algum ato ilícito praticado pela concessionária; (b) seria muito mais fácil ao agravado comprovar eventual negligência ou omissão da concessionária; e (c) não há hipossuficiência técnica do agravado a justificar a medida.
Nesses termos, requereu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e, ao final, o seu provimento (Evento 1 – 2G).
A medida almejada foi indeferida (Evento 14 – 2G).
Não foram oferecidas contrarrazões (Evento 19 – 2G).
É o relatório.

VOTO

O recurso atende aos requisitos de admissibilidade e dele conheço.
Trata-se de agravo de instrumento em face de decisão que, na origem, determinou a inversão do ônus da prova em desfavor da agravante, concessionária de serviço público que ocupa o polo passivo da ação de indenização por danos causados em acidente de trânsito ajuizada pelo agravado.
Destaco que, mesmo após um exame mais acurado das alegações vertidas no recurso, não encontro razões que permitam concluir de forma diversa daquela consignada na decisão unipessoal do Evento 14 (2G), que indeferiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso. Assim, para evitar tautologia, reporto-me aos fundamentos alinhavados na ocasião para subsidiar o voto que segue.
Antecipo, nesse passo, que o recurso não comporta acolhimento.
A recorrente figura no polo passivo da ação de origem porque, segundo consta da petição inicial, o veículo que estava a seu serviço, de propriedade da corré LOCALIZA RENT A CAR S/A, teria sido o responsável pelo acidente que lesionou o recorrido e ocasionou o falecimento de sua mãe (Evento 1, Anexo 1 – 1G).
Na decisão agravada, o magistrado compreendeu que o agravado deve ser considerado consumidor por equiparação (art. 17 do CDC) e, por isso, aplicou o Código de Defesa ao Consumidor à espécie, atraindo a responsabilidade objetiva da agravante por força na suposta falha na prestação do serviço (Evento 66 – 1G).
Assim, diferentemente do que alega a recorrente, a inversão do ônus probatório não decorreu de aplicação do art. 6.º, inc. VIII, do CDC, antes sim dos arts. 12 e 14 do CDC, conforme expressamente indicado pelo magistrado de origem.
Diga-se que a aplicação da figura do consumidor bystander, para além de não ter sido impugnada no reclamo, é plenamente assegurada in casu, pois que as fotos do acidente mostram que o veículo FIAT STRADA envolvido contava com um adesivo “A SERVIÇO DA AUTOPISTA PLANALTO SUL” (Evento 1, Anexo 5, p. 14 – 1G). E, embora a recorrente tenha defendido em contestação que o automóvel, na verdade, era guiado por um preposto da empresa CIVIL MASTER PROJETOS E CONSTRUÇÕES LTDA. (Evento 11, Anexo 19, p. 3 – 1G), tem-se que esta era, em realidade, uma empresa contratada pela agravante para executar obras na rodovia (cf. Evento 11, Anexo 27 – 1G).
Por outro lado, recordo que os arts. 12 e 14 do CDC encerram previsão normativa que doutrina e jurisprudência convencionaram chamar de “inversão ope legis do ônus da prova”, à medida que a sua incidência decorre unicamente do contido em seu § 3.º, pois que os fabricantes ou os fornecedores de serviço apenas serão isentados de responsabilidade se comprovarem as excludentes mencionadas em seus incs. I, II e III.
Nesse cenário, são irrelevantes as considerações tecidas no reclamo em relação à presença da hipossuficiência do agravado, já que esses requisitos não são exigidos nos casos dos artigos supramencionados.
Em situação semelhante, já decidi:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS CAUSADOS EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE APLICOU A LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA, DETERMINOU A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E INDEFERIU A DENUNCIAÇÃO DA LIDE PLEITEADA PELA AGRAVANTE. RECURSO DA RÉ. ALEGAÇÃO DE QUE O AGRAVADO NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE DESTINATÁRIO FINAL DO PRODUTO, E NEM SE ENCONTRA  EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE TÉCNICA E ECONÔMICA EM RELAÇÃO À AGRAVANTE. INSUBSISTÊNCIA. APLICAÇÃO DO CDC. AUTOR CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. ART. 17 DA LEI N. 8.078/1990. RESPONSABILIDADE OBJETIVA POR FATO DO SERVIÇO. NORMAS CONSUMERISTAS APLICÁVEIS AO CASO CONCRETO. ADEMAIS, INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA QUE SE MOSTRA POSSÍVEL NOS TERMOS DO ART. 14, §3º, DO CDC. FATO DO SERVIÇO. INCIDÊNCIA OPE LEGIS. PROVIDÊNCIA QUE NÃO AFASTA O ÔNUS DA PARTE AUTORA DE DEMONSTRAR, AINDA QUE MINIMAMENTE, OS FATOS CONSTITUTIVOS DO SEU DIREITO E NEM IMPLICA PRODUÇÃO DE PROVA DIABÓLICA PELA AGRAVANTE. INVIABILIDADE DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE PRETENDIDA À LUZ DO ART. 88 DO CDC. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO QUE IRREMEDIAVELMENTE IMPLICA MAIOR LENTIDÃO NO JULGAMENTO DA LIDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA LOCADORA COM O LOCATÁRIO PELOS DANOS CAUSADOS A TERCEIROS NO USO DO VEÍCULO LOCADO. SÚMULA 492 DO STF. RECURSO DESPROVIDO.” (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5005500-50.2022.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 07-06-2022).
Ressalte-se que, por evidente, a inversão do ônus probatório não afasta a obrigação de o consumidor produzir prova mínima do direito pleiteado, sem o que, a rigor, não se desincumbirá de seu próprio ônus processual, previsto no art. 313, inc. I, do CPC.
Quanto à alegação de que a inversão do onus probandi, causa prejuízos à agravante e  torna inviável sua defesa, já que teria que produzir provas negativas, a tese não convence.
Afinal, a hipótese dos autos versa sobre acidente de trânsito, não sendo crível que as provas relativas ao contexto do acidente, à culpa pelo evento e os danos resultantes do ocorrido possam ser consideradas provas negativas. Diga-se que o fato de ter de comprovar que “não houve culpa” não torna a prova negativa; em verdade, a chamada “prova diabólica” é aquela respeitante a fatos de natureza negativa (p. ex., o inadimplemento de determinada obrigação), circunstância inteiramente distinta do caso em tela.
Dessarte, porque distribuído de forma acertada o ônus probatório, não há reparos a fazer na decisão agravada.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

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Agravo de Instrumento Nº 5020916-24.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador SAUL STEIL

AGRAVANTE: AUTOPISTA PLANALTO SUL S.A. AGRAVADO: VALMIR DA LUZ

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. DECISÃO QUE APLICA O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR À HIPÓTESE E DETERMINA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. RECURSO DA RÉ. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. VEÍCULO ENVOLVIDO NO ACIDENTE, E APONTADO PELO AUTOR COMO RESPONSÁVEL PELOS FATOS, QUE SE ENCONTRAVA A SERVIÇO DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. HIPÓTESE QUE CARACTERIZA ACIDENTE DE CONSUMO E AUTORIZA A APLICAÇÃO DA NORMA CONSUMERISTA EM FAVOR DO CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO (ART. 17 DO CDC). INVERSÃO DO ONUS PROBANDI QUE, NESSE CENÁRIO, DECORRE OPE LEGIS (ART. 14 DO CDC). DECISÃO ACERTADA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 20 de junho de 2023.

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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/06/2023

Agravo de Instrumento Nº 5020916-24.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador SAUL STEIL

PRESIDENTE: Desembargadora MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA

PROCURADOR(A): GLADYS AFONSO
AGRAVANTE: AUTOPISTA PLANALTO SUL S.A. ADVOGADO(A): JULIO CHRISTIAN LAURE (OAB SP155277) ADVOGADO(A): GUSTAVO PEREIRA DEFINA (OAB SP168557) AGRAVADO: VALMIR DA LUZ ADVOGADO(A): WELINGTA ALBINO WOLINGER (OAB SC052285) ADVOGADO(A): REINALDO GRANEMANN DE MELLO (OAB SC030441)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 20/06/2023, na sequência 129, disponibilizada no DJe de 05/06/2023.
Certifico que a 3ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 3ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador SAUL STEIL
Votante: Desembargador SAUL STEILVotante: Desembargador ANDRÉ CARVALHOVotante: Desembargadora MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA
DANIELA FAGHERAZZISecretária

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

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