Conta de água: responsabilidade locatário

Conta de água: responsabilidade locatário. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a obrigação de pagar pelo serviço prestado pela agravante – fornecimento de água – é destituída da natureza jurídica de obrigação propter rem, pois não se vincula à titularidade do bem, mas ao sujeito que manifesta vontade de receber os serviços.

Processo: 5034093-65.2022.8.24.0008 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Jorge Luiz de Borba
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público
Julgado em: 19/12/2023
Classe: Remessa Necessária Cível Citações – Art. 927, CPC: Súmulas STJ:105
Súmulas STF:512

Remessa Necessária Cível Nº 5034093-65.2022.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador JORGE LUIZ DE BORBA

PARTE AUTORA: OSMAR SCHREIBER (IMPETRANTE) PARTE RÉ: SAMAE-SERVIÇO AUTÔNOMO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTO DE BLUMENAU-SC (IMPETRADO) PARTE RÉ: DIRETOR-PRESIDENTE – SAMAE – SERVIÇO MUNICIPAL DE AGUA E ESGOTO DE BLUMENAU – BLUMENAU

RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário da sentença que concedeu a ordem no mandado de segurança impetrado por Osmar Schreiber contra ato dito coator do Diretor Presidente do Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto de Blumenau – Samae, nos seguintes termos (28.1):
Ante o exposto, reitero os fundamentos já expostos quando da análise do pedido liminar e, na forma do artigo 487, I, do CPC, CONCEDO A SEGURANÇA requerida pela impetrante, a fim de tornar definitiva a decisão liminar que determinou a troca da titularidade da unidade consumidora e o restabelecimento do serviço público pleiteado, independentemente do pagamento dos débitos pretéritos.
Sem custas.
Sem condenação em honorários advocatícios, consoante art. 25 da Lei 12.016/2009 e enunciados sumulares 512 do STF e 105 do STJ.
A decisão está sujeita ao reexame necessário (art. 14, §1º da Lei 12.016/09).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Sem recurso voluntário, o feito ascendeu a esta Corte e a douta Procuradoria-Geral de Justiça emitiu apenas parecer formal, sem opinar sobre o mérito (13.1).
Vieram os autos à conclusão para julgamento.

VOTO

Osmar Schreiber impetrou o presente mandado de segurança objetivando impedir que a autoridade impetrada, o Diretor Presidente do Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto de Blumenau – Samae, vincule ao seu nome o lançamento dos débitos contraídos pelo consumidor Cleomenes Bauer, quando este era inquilino de um imóvel de sua propriedade.
Nos autos, é incontroverso que o impetrante é proprietário do imóvel matriculado sob o n. R-2-236 perante o 1º Ofício de Registro de Imóveis de Blumenau/SC, no qual há prestação de serviços de água e esgoto na unidade consumidora n. 3522 (1.7). É certo também que foi celebrado contrato de aluguel com Cleomenes Bauer, pelo período entre 1º-5-2019 e 7-7-2022, e que este, nesta qualidade, deixou débitos compostos por faturas em atraso, que somam R$ 394,25 (trezentos e noventa e quatro reais e vinte e cinco centavos).
Segundo narrou na inicial, o impetrante requereu extrajudicialmente a desvinculação dos débitos do seu nome, o que foi indeferido pela autoridade impetrada (1.9).
Na sentença se concedeu a ordem, confirmando-se a liminar deferida para determinar “a troca da titularidade da unidade consumidora e o restabelecimento do serviço público pleiteado, independentemente do pagamento dos débitos pretéritos” (28.1).
De fato, todas as pendências financeiras atreladas ao imóvel estão em nome do antigo inquilino, Cleomenes Bauer.
Muito embora a recusa administrativa tenha se apoiado no entendimento equivocado de que haveria corresponsabilidade entre locador e locatário, a responsabilidade pelo pagamento da dívida é daquele que efetivamente consumiu o serviço oferecido, ou seja, o usuário cujo nome estava cadastrado na autarquia.
Colhe-se da sentença (28.1):
Com efeito, o impetrante comprovou que seu pedido de troca de titularidade foi negado pela autoridade coatora em razão da existência de débitos pretéritos em nome de terceiro, antigo locatário do imóvel (evento 1, informação 9):

Os citados débitos são referentes aos anos de 2021/2022, período no qual perdurou o contrato de locação firmado com Cleomenes Bauer e Franciele de Oliveira Ribas, em face dos quais foi movida a ação de despejo n. 5014146-25.2022.8.24.0008, por descumprimento das obrigações locatícias (evento 1, documento 12, e evento 1, contrato 3 da ação de despejo):

De acordo com a jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça, “o débito, tanto de água como de energia elétrica, é de natureza pessoal, não se caracterizando como obrigação de natureza propter rem” (AgRg no REsp 1256305/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/09/2011, DJe 19/09/2011 in TJSC, Apelação Cível n. 0301441-62.2015.8.24.0166, de Forquilhinha, rel. Rosane Portella Wolff, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 12-09-2019).
Ainda, “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a obrigação de pagar pelo serviço prestado pela agravante – fornecimento de água – é destituída da natureza jurídica de obrigação propter rem, pois não se vincula à titularidade do bem, mas ao sujeito que manifesta vontade de receber os serviços.” (AgRg no REsp 1280864/SP, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 06.03.2012) (RN em MS n. 2012.012557-4, Des. Nelson Schaefer Martins).
Assim, tem-se que a recusa em efetuar a troca da titularidade em razão de débitos de antigo usuário constitui ato coator passível de combate por meio de mandado de segurança:
“APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIAS DE AMBAS AS PARTES.   RESPONSABILIDADE DA RÉ, ENQUANTO CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE ÁGUA, QUE É REGIDA PELO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E PELO ART. 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE QUE DEPENDE DA COMPROVAÇÃO DE QUAISQUER DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 14, § 3º, DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. LOCAÇÃO DE IMÓVEL PELO AUTOR. NEGATIVA DA RÉ EM EFETUAR A TROCA DA TITULARIDADE DA UNIDADE CONSUMIDORA EM RAZÃO DE DÉBITOS PRETÉRITOS, CONTRAÍDOS PELO ANTIGO USUÁRIO. POSTERIOR CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. DÉBITO DE NATUREZA PESSOAL, NÃO SE CARACTERIZANDO COMO OBRIGAÇÃO PROPTER REM. NEGATIVA DE TRANSFERÊNCIA E CORTE NO FORNECIMENTO DO SERVIÇO QUE CONSTITUEM ATO ILÍCITO. INCIDÊNCIA DOS ARTS. 186 E 927, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL. LESÃO EXTRAPATRIMONIAL PRESUMIDA (IN RE IPSA). DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. INSURGÊNCIA COMUM. VALOR FIXADO NA ORIGEM QUE SE MOSTRA ADEQUADO AO CASO CONCRETO. MANUTENÇÃO IMPERATIVA. ADITAMENTOS JÁ BALIZADOS NA SENTENÇA. PLEITO DA RÉ DE PREQUESTIONAMENTO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS INVOCADOS. DESNECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DO JULGADOR ACERCA DE TODOS OS DISPOSITIVOS APONTADOS PELA INSURGENTE.   PEDIDO DO AUTOR DE REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. DEMANDANTE QUE DECAIU DE PARTE MÍNIMA DO PEDIDO. CONDENAÇÃO DA RÉ AO PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DAS DESPESAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXEGESE DO ART. 86, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.  HONORÁRIOS RECURSAIS. CABIMENTO. ESTIPULAÇÃO AO PATRONO DO AUTOR, NOS TERMOS DO ART. 85, §§ 1º E 11 DA LEI N. 13.105/2015.  RECURSO DE APELAÇÃO DA RÉ CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO DO AUTOR CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO” (TJSC, Apelação Cível n. 0301441-62.2015.8.24.0166, de Forquilhinha, rel. Rosane Portella Wolff, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 12-09-2019, grifou-se).
Ante o exposto, diante da presença da fumaça de bom direito e do perigo da demora, defiro o pedido liminar para determinar que a autoridade impetrada troque a titularidade da unidade consumidora e restabeleça o serviço público pleiteado, independentemente do pagamento dos débitos pretéritos, no prazo de 05 (cinco) dias, contados a partir da intimação desta decisão, que poderá ocorrer por e-mail ou telefone, para agilizar o procedimento.
A segurança deve ser concedida porque, em se tratando de débitos decorrentes do fornecimento de água, a obrigação é pessoal (“propter personam”), vinculando-se ao sujeito que recebe a prestação do serviço (TJSC, Apelação n. 0302510-79.2019.8.24.0008, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Cid Goulart, Segunda Câmara de Direito Público, j. 07-02-2023) (grifos do original).
Assim, não há reparos a se fazer no decidido.
Ante o exposto, voto por conhecer da remessa e negar-lhe provimento.

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Remessa Necessária Cível Nº 5034093-65.2022.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador JORGE LUIZ DE BORBA

PARTE AUTORA: OSMAR SCHREIBER (IMPETRANTE) PARTE RÉ: SAMAE-SERVIÇO AUTÔNOMO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTO DE BLUMENAU-SC (IMPETRADO) PARTE RÉ: DIRETOR-PRESIDENTE – SAMAE – SERVIÇO MUNICIPAL DE AGUA E ESGOTO DE BLUMENAU – BLUMENAU

EMENTA

MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE ÁGUA E COLETA DE ESGOTO. SAMAE DE BLUMENAU. CONTRATO DE ALUGUEL. DÉBITO DE LOCATÁRIO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL. OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO PELO CONSUMO QUE DEVE SER VINCULADA AO SUJEITO QUE RECEBEU OS SERVIÇOS, E NÃO AO TITULAR DO BEM. RECUSA ADMINISTRATIVA QUE VIOLA DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CONCESSÃO DA ORDEM MANTIDA. REMESSA DESPROVIDA. 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer da remessa e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 19 de dezembro de 2023.

Documento eletrônico assinado por JORGE LUIZ DE BORBA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4227646v5 e do código CRC 20b8c7dc.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): JORGE LUIZ DE BORBAData e Hora: 19/12/2023, às 17:32:46

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/12/2023

Remessa Necessária Cível Nº 5034093-65.2022.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador JORGE LUIZ DE BORBA

PRESIDENTE: Desembargador JORGE LUIZ DE BORBA

PROCURADOR(A): ANDREAS EISELE
PARTE AUTORA: OSMAR SCHREIBER (IMPETRANTE) ADVOGADO(A): ARTURO EDUARDO POERNER BROERING (OAB SC021245) PARTE RÉ: SAMAE-SERVIÇO AUTÔNOMO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTO DE BLUMENAU-SC (IMPETRADO) ADVOGADO(A): MAURICIO BAPTISTA VIEIRA (OAB MG184431) PARTE RÉ: DIRETOR-PRESIDENTE – SAMAE – SERVIÇO MUNICIPAL DE AGUA E ESGOTO DE BLUMENAU – BLUMENAU MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 19/12/2023, na sequência 48, disponibilizada no DJe de 01/12/2023.
Certifico que a 1ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 1ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DA REMESSA E NEGAR-LHE PROVIMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador JORGE LUIZ DE BORBA
Votante: Desembargador JORGE LUIZ DE BORBAVotante: Desembargador LUIZ FERNANDO BOLLERVotante: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA
PRISCILA LEONEL VIEIRASecretária

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

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