Acessibilidade: Dano moral por ser carregado no colo para ingresso em avião

REQUERENTE QUE É CADEIRANTE E, PORTANTO, NECESSITA DE ASSISTÊNCIA ESPECIAL PARA EMBARQUE E DESEMBARQUE DA AERONAVE. SERVIÇO QUE, TODAVIA, NÃO FOI DISPONIBILIZADO PELA RECORRENTE, EM CONFORMIDADE COM A DETERMINAÇÃO CONSTANTE NA RESOLUÇÃO N. 280/2013 DA ANAC. AUTOR QUE FOI CARREGADO NO COLO PARA INGRESSO NO AVIÃO. VIOLAÇÃO À LEGISLAÇÃO DA ANAC E TAMBÉM AO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA.  APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO QUE, NA ESPÉCIE, EXTRAPOLA OS LIMITES DO MERO DISSABOR.

Processo: 5000510-28.2020.8.24.0051 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Cláudia Lambert de Faria
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Quinta Câmara de Direito Civil
Julgado em: 16/08/2022
Classe: Apelação

Apelação Nº 5000510-28.2020.8.24.0051/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000510-28.2020.8.24.0051/SC

RELATORA: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA

APELANTE: AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. (RÉU) ADVOGADO: FERNANDO FRANCESCHETTI (OAB SC059901) APELADO: FELIPE FACHINELLO (AUTOR) ADVOGADO: FELIPE FACHINELLO (OAB SC042269)

RELATÓRIO

Trata-se de ação de indenização por danos morais ajuizada por FELIPE FACHINELLO em face de AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS S.A. perante o juízo da Vara Única da comarca de Ponte Serrada. 
Adoto o relatório da sentença, por refletir com fidelidade os atos processuais (evento 52): 
Trata-se de ação indenizatória por dano moral ajuizada por Felipe Fachinello em face de Azul Linhas Aéreas Brasileiras S/A.
O autor afirma, em síntese, ser portador de necessidades especiais, fazendo uso de cadeira de rodas em tempo integral. Informa ter adquirido da requerida pacote de viagens por meio do site eletrônico da segunda requerida para saída da cidade de Chapecó/SC com destino a Cidade de Campinas – SP. Assevera que ao realizar a compra realizou todos os comunicados sobre as suas necessidades. Todavia, no momento de embarque na aeronave na Cidade de Chapecó (XAP), o Requerente se deparou com a ausência de qualquer equipamento específico (item 5.4 – NBR 14273) e necessário para conseguir acessar o avião com segurança, sendo apenas “carregado” em sua própria cadeira escada acima, pratica vedada pela ANAC. Informa que, diante dos fatos, realizou denúncia formal perante ANAC. Assim, busca através da presente demanda, a reparação do dano moral causado durante o trajeto. Juntou documentos (Evento 1).
Recebida a inicial, determinou-se a inversão do ônus da prova, em seguida, designou-se audiência de conciliação (Evento 7).
A audiência restou inexitosa (Evento 20).
A parte ré apresentou contestação no evento 24. No mérito, impugnou a inversão do ônus da prova. Em seguida, tratou acerca da excludente de responsabilidade por culpa exclusiva do Autor, da inexistência de dano moral e quantum indenizatório. Por fim, pugnou pela improcedência da demanda. 
Houve réplica (Evento 29). Na qual o autor requereu a fixação da multa por ato atentatório a dignidade da justiça, ante não comparecimento do réu na audiência de conciliação, bem a decretação de sua revelia, pela apresentação de contestação intempestiva. 
O réu se manifestou no evento 39.
A decisão de Evento 44 decretou a revelia da ré, saneou o feito e, ainda, determinou a intimação das partes para indicarem as provas que pretendem produzir. 
A parte autora pugnou pelo julgamento antecipado da lide (Evento 48). 
Os autos vieram conclusos.
É o necessário. 
Sobreveio sentença de procedência dos pedidos exordiais, constando em seu dispositivo: 
Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pelo autor Felipe Fachinello em face de Azul Linhas Aéreas Brasileiras S/A, a fim de condenar a requerida Azul Linhas Aéreas Brasileiras S/A, a título de danos morais, no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos monetariamente (INPC) a partir da data da publicação desta sentença e com incidência de juros moratórios contados a partir da data da citação (14/04/2020);
Em consequência, condeno a parte ré Azul Linhas Aéreas Brasileiras S/A, ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor do proveito econômico obtido pela parte autora (art. 85, § 2º, do CPC).
Confirme a condenação da requerida ao pagamento no montante de 1% sobre o valor da causa, por ato atentatório a dignidade da justiça, em virtude de sua ausência na audiência de conciliação, em favor do Estado de Santa Catarina, conforme já determinado na decisão de Evento 44.
Publique-se, registre-se e intimem-se.
Transitada em julgado, arquivem-se os autos.
A requerida interpôs recurso de apelação (evento 60), alegando que: a) o recorrido jamais solicitou a sua assistência para o embarque e para a locomoção durante os voos; b) no sítio virtual da companhia há alguns itens com dedicação exclusiva para prestar orientação aos passageiros portadores de assistência especial; c) os serviços são oferecidos gratuitamente aos passageiros, bastando a solicitação da assistência na ocasião da compra da passagem aérea e no momento do check-in, se houver a necessidade de utilizar a cadeira de rodas; d) é obrigação do passageiro informar a sua condição, o que não foi feito pelo autor; e) a sua responsabilidade deve ser afastada pela excludente da culpa exclusiva da vítima; f) embora não tenha sido postulado o serviço, foi dado o auxílio devido ao requerente; g) foi necessário transportar o autor manualmente, por meio de sua cadeira de rodas, pois não havia equipamento de ascenso e descenso disponível, tampouco rampa para o deslocamento do passageiro, o que era de responsabilidade do operador aeroportuário; h) não foram demonstrados os prejuízos ao demandante, não havendo que se falar em indenização por danos morais. Alternativamente, postulou a minoração da indenização fixada. 
Com as contrarrazões (evento 66), os autos vieram conclusos para julgamento. 

VOTO

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido. 
De início, cumpre salientar que, por ser incontroversa a relação de consumo que envolve as partes, incidem as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, destacando-se, para o caso concreto, o art. 14 do referido diploma legal: 
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[…]
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
[…]
II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Portanto, a responsabilidade da requerida pelos serviços prestados é objetiva, necessitando, para a sua configuração, apenas a prova do dano e do nexo de causalidade entre os serviços prestados (falha na prestação do serviço) e o prejuízo suportado pelo consumidor. No entanto, demonstrada a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, não haverá qualquer responsabilização da prestadora. 
Consoante consta no relatório, o demandante adquiriu passagens aéreas da requerida com saída de Chapecó/SC e destino a Campinas/SC para o dia 14/11/2018 e volta de Campinas/SP para a cidade de Chapecó/SC no dia 17/11/2018. No entanto, na ocasião do embarque e desembarque foi submetido a situação vexatória, uma vez que é portador de paraplegia dos membros inferiores e necessita da disponibilização de equipamentos adequados para ingressar na aeronave, o que não foi cumprido pela requerida, motivo pelo qual ajuizou a presente demanda. 
A requerida, em suas razões recursais,  alegou que os fatos ocorreram por culpa exclusiva do autor, tendo em vista que este jamais solicitou a sua assistência para o embarque e para a locomoção durante os voos, o que deveria ter sido feito na ocasião da compra da passagem aérea ou no momento do check-in, caso haja a necessidade de utilização de uma cadeira de rodas. Sustentou, também, que, embora não tenha sido postulado o serviço, foi dado o auxílio devido ao requerente, devendo ser afastada a indenização por danos morais, mesmo porque estes nem mesmo restaram comprovados, e, alternativamente, postulou a sua minoração.
Pois bem.
Primeiramente, cumpre destacar que a Agência Nacional de Aviação Civil prevê na resolução n. 280/2013 que o embarque e o desembarque de passageiros com necessidade de assistência especial (PNAE) deve acontecer, preferencialmente, por pontes de embarque ou por equipamento de ascenso ou descenso ou rampa, sendo vedado carregar manualmente o passageiro. In verbis: 
Art. 20. O embarque e o desembarque do PNAE que dependa de assistência do tipo STCR, WCHS ou WCHC devem ser realizados preferencialmente por pontes de embarque, podendo também ser realizados por equipamento de ascenso e descenso ou rampa. 
§ 1º O equipamento de ascenso e descenso ou rampa previstos no caput devem ser disponibilizados e operados pelo operador aeroportuário, podendo ser cobrado preço específico dos operadores aéreos. 
§ 2º É facultado ao operador aéreo disponibilizar e operar seu próprio equipamento de ascenso e descenso ou rampa. 
§ 3º Os operadores aéreo e aeroportuário estão autorizados a celebrar contratos, acordos ou outros instrumentos jurídicos com outros operadores ou com empresas de serviços auxiliares ao transporte aéreo para disponibilização e operação dos equipamentos de ascenso e descenso ou rampa previstos nos §§ 1º e 2º deste artigo. 
§ 4º Excetua-se do previsto no caput o embarque ou desembarque de PNAE em aeronaves cuja altura máxima da parte inferior do vão da porta de acesso à cabine de passageiros em relação ao solo não exceda 1,60 m (um metro e sessenta centímetros). 
§ 5º Nos casos especificados no § 4º deste artigo, o embarque ou desembarque do PNAE podem ser realizados por outros meios, desde que garantidas suas segurança e dignidade, sendo vedado carregar manualmente o passageiro, exceto nas situações que exijam a evacuação de emergência da aeronave.
§ 6º Para fins do disposto no § 5º deste artigo, carregar manualmente o passageiro significa sustentá-lo, segurando diretamente em partes de seu corpo, com o efeito de elevá-lo ou abaixá-lo da aeronave ao nível necessário para embarcar ou desembarcar. 
§ 7º Cabe ao operador aéreo prover os meios para o embarque ou desembarque do PNAE nos casos especificados nos §§ 4º e 5º deste artigo. (grifou-se)
Além disso, o art. 14 da mesma resolução elenca uma série de atividades que devem ser prestadas pelo operador aéreo ao PNAE, dentre elas o embarque o desembarque da aeronave:
Art. 14. O operador aéreo deve prestar assistência ao PNAE nas seguintes atividades: 
I – check-in e despacho de bagagem; 
II – deslocamento do balcão de check-in até a aeronave, passando pelos controles de fronteira e de segurança; 
III – embarque e desembarque da aeronave; 
IV – acomodação no assento, incluindo o deslocamento dentro da aeronave; 
V – acomodação da bagagem de mão na aeronave; 
VI – deslocamento desde a aeronave até a área de restituição de bagagem; 
VII – recolhimento da bagagem despachada e acompanhamento nos controles de fronteira; 
VIII – saída da área de desembarque e acesso à área pública; 
IX – condução às instalações sanitárias; 
X – prestação de assistência a PNAE usuário de cão-guia ou cão-guia de acompanhamento; 
XI – transferência ou conexão entre voos; e 
XII – realização de demonstração individual ao PNAE dos procedimentos de emergência, quando solicitado. 
Parágrafo único. Cabe ao operador aéreo o provimento das ajudas técnicas necessárias para a execução da assistência prevista neste artigo, com exceção do previsto no § 1º do art. 20 desta Resolução.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência também dispõe que é direito da pessoa com deficiência o acesso “à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”, devendo ser observadas as normas de acessibilidade para tanto (art. 42, §2º). 
Todavia, na situação narrada nos autos, o requerente afirmou que, não obstante tenha realizado todos os comunicados necessários, de que possui imobilidade total, fazendo o uso de cadeira de rodas, na ocasião do embarque, na cidade de Chapecó, não havia qualquer equipamento específico para o seu ingresso na aeronave, sendo que foi carregado em sua própria cadeira de rodas escada acima, o que é vedado, como previsto na Resolução da Anac supramencionada. 
A demandada se restringiu a sustentar que prestou o auxílio devido ao demandante, no entanto não acostou qualquer prova de que havia equipamentos adequados para a realização do embarque e desembarque do autor. 
Além disso, também não demonstrou que o recorrido não postulou a assistência na ocasião da compra da passagem. Por oportuno, salienta-se que, ainda que não tenha sido informada a condição do autor como pessoa com deficiência, tal fato não elide a ilicitude de seu ato, vez que a recorrente violou as normas da ANAC e também o Estatuto da Pessoa com Deficiência. 
Para corroborar, destacam-se julgados desta Corte de Justiça: 
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE AÉREO. VOO DOMÉSTICO. PASSAGEIRA PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS, A QUEM NÃO FOI DESPENDIDO ATENDIMENTO ADEQUADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBOS OS CONTENDORES. ADMISSIBILIDADE. PEDIDO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO APELO MANEJADO PELA DEMANDANTE. PRETENSÃO PREJUDICADA PELO JULGAMENTO DEFINITIVO DA INSURGÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO  NÃO CONHECIDA NO PONTO. PRELIMINAR EM CONTRARRAZÕES DA AUTORA. ALEGADA INOVAÇÃO RECURSAL. INSUBSISTÊNCIA. RAZÕES TRAZIDAS A ESTE GRAU DE JURISDIÇÃO QUE COINCIDEM COM AQUELAS SUSCITADAS PELA REQUERIDA EM SUA PEÇA DE DEFESA. RECURSO DA RÉ. PROPALADA A INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO E A CULPA EXCLUSIVA DA CONSUMIDORA. TESES RECHAÇADAS. OPERADORA QUE NÃO DISPONIBILIZOU ASSENTO ESPECIAL À PASSAGEIRA, TAMPOUCO O SEU TRANSPORTE ADEQUADO ATÉ A ÁREA DE EMBARQUE, ACARRETANDO, INCLUSIVE A PERDA DE CONEXÃO E O ATRASO NA CHEGADA AO DESTINO FINAL. VIOLAÇÃO AO CONTIDO NO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E NA RESOLUÇÃO 280 DA ANAC. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO FOI COMUNICADA QUANDO DA COMPRA DO BILHETE AÉREO QUE NÃO AFASTA A ILICITUDE. AVENTADA A INOCORRÊNCIA DE DANOS MORAIS PASSÍVEIS DE COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA. TESE RECHAÇADA. EFETIVA LESÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DA REQUERENTE. PONTO DE IRRESIGNAÇÃO COMUM. QUANTUM INDENITÁRIO. MONTANTE FIXADO NA ORIGEM QUE NÃO ATENDE AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE, ALÉM DE NÃO SUBLINHAR O CARÁTER PEDAGÓGICO DA CONDENAÇÃO. REDIMENSIONAMENTO. IMPORTE QUE, MESMO ELEVADO, NÃO ATINGE O PATAMAR PRETENDIDO PELA CONSUMIDORA. INSURGÊNCIA DA AUTORA. VERBA HONORÁRIA. DESIDERATO DE MAJORAÇÃO. PATAMAR FIXADO NA INSTÂNCIA A QUO QUE NÃO É CONDIZENTE COM OS ELEMENTOS DOS AUTOS. PRETENSÃO ACOLHIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS. INSURGÊNCIA DA RÉ CONHECIDA E DESPROVIDA. APELO DA AUTORA PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PORÇÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.  (TJSC, Apelação n. 5003104-10.2019.8.24.0064, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. André Carvalho, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 11-05-2021). (grifou-se)
   APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL. TRANSPORTE AÉREO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA (USO DE CADEIRA DE RODAS). RELAÇÃO DE CONSUMO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.    RECURSO DO AUTOR. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. SOLIDARIEDADE NA CADEIA DE FORNECEDORES. ART. 7º, PAR. ÚN., DO CDC. LEGITIMIDADE PASSIVA DA EMPRESA QUE COMERCIALIZOU AS PASSAGENS AÉREAS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE AMBAS AS RÉS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.   RECURSO DA COMPANHIA AÉREA. AUSÊNCIA DE EQUIPAMENTO PARA O EMBARQUE E DESEMBARQUE DE PASSAGEIROS QUE FAZEM USO DE CADEIRA DE RODAS. RESPONSABILIDADE PELA INFRAESTRUTURA QUE, AINDA QUE TRANSFERIDA AO OPERADOR, NÃO EXIME A COMPANHIA AÉREA DE GARANTIR EMBARQUE E DESEMBARQUE SEGURO E DIGNO DO PASSAGEIRO. AUSÊNCIA DE BANHEIROS ACESSÍVEIS E NEGATIVA DE UTILIZAÇÃO DE ASSENTO ACESSÍVEL NO INTERIOR DAS AERONAVES. AUTOR SUBMETIDO A TRATAMENTO INDIGNO. EXPOSIÇÃO DO PASSAGEIRO A QUADRO DE HUMILHAÇÃO, IMPOTÊNCIA E FALTA DE AUTONOMIA. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR INDENIZATÓRIO BEM DOSADO NA ORIGEM (R$ 30.000,00). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.  (TJSC, Apelação Cível n. 0300811-55.2018.8.24.0051, de Ponte Serrada, rel. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 05-11-2019).
Quanto aos danos morais, de início, salienta-se que a tese da recorrente, de que o apelado não teria comprovado o suposto dano sofrido, não merece prosperar.
Como é sabido, a Constituição da República prevê a compensação por danos morais no título referente aos direitos e garantias fundamentais, mais precisamente nos incisos V e X do art. 5º, in verbis:
    Art. 5º […]
    V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem;
    […]
    X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
O Código Civil aborda a matéria no âmbito da responsabilidade e da obrigação de indenizar, consoante artigo 927:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Sobre o assunto, leciona Sérgio Cavalieri Filho:
[…] só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. (Programa de responsabilidade civil, 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 93).
Portanto, para a caracterização dos danos morais, é necessária a demonstração da inequívoca ofensa anormal que atinge a dignidade ou os direitos da personalidade do indivíduo, como a honra, a intimidade e a vida privada.
Na espécie, tem-se por incontroverso que os fatos ocorridos geraram diversos transtornos e aborrecimentos para o apelado, que ultrapassam a esfera de mero dissabor.
Isso porque, não obstante fosse obrigação da companhia aérea ré fornecer os equipamentos adequados para prestar a assistência necessária para o embarque, o autor foi submetido a situação constrangedora e humilhante, vez que precisou ser deslocado no colo no embarque e desembarque das aeronaves. 
Deve, assim, ser compensado pelos prejuízos morais sofridos.
Quanto ao valor da indenização, sabe-se que o julgador deve fixá-lo de acordo com o seu arbítrio motivado, respeitando os critérios da proporcionalidade e razoabilidade, de modo a não causar o enriquecimento ilícito da parte beneficiada e nem levar a bancarrota o ofensor.
Nesse passo, cita-se a lição do Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino:
No arbitramento da indenização por danos extrapatrimoniais, as principais circunstâncias valoradas pelas decisões judiciais, nessa operação de concreção individualizadora, têm sido a gravidade do fato em si, a intensidade do sofrimento da vítima, a culpabilidade do agente responsável, a eventual culpa concorrente da vítima, a condição econômica, social e política das partes envolvidas.
(…)
Outro critério bastante utilizado na prática judicial é a valorização do bem ou interesse jurídico lesado pelo evento danoso (vida, integridade física, liberdade, honra), consistindo em fixar as indenizações por danos extrapatrimoniais em conformidade com os precedentes que apreciaram casos semelhantes.
    (…)
A vantagem desse método é a preservação da igualdade e da coerência nos julgamentos pelo juiz ou tribunal, assegurando isonomia, porque demandas semelhantes recebem decisões similares, e coerência, pois a sentenças variam na medida em que os casos se diferenciam.
    Outra vantagem desse critério é permitir a valorização do interesse jurídico lesado (v.g. direito de personalidade atacado), ensejando que a reparação do dano extrapatrimonial guarde uma razoável relação de conformidade com o bem jurídico efetivamente ofendido. (in O arbitramento da indenização por dano moral e a jurisprudência do STJ. Revista Justiça e Cidadania. Edição n. 188. p. 15-16).
Continua o Ministro, mais a frente, destacando que o arbitramento deve se dar em duas fases:
Na primeira fase, arbitra-se o valor básico da indenização, considerando-se o interesse jurídico atingido, em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (técnica do grupo de casos). Assegura-se, com isso, uma razoável igualdade de tratamento para casos semelhantes, assim como que situações distintas sejam tratadas desigualmente na medida em que se diferenciam.
Na segunda fase, procede-se à fixação definitiva da indenização, ajustando-se o seu montante às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias. Partindo-se da indenização básica, esse valor deve ser elevado ou reduzido de acordo com as circunstâncias particulares do caso (gravidade do fato em si, culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica das partes) até se alcançar o montante definitivo.
Com a utilização desse método bifásico, procede-se a um arbitramento efetivamente equitativo, respeitando-se as circunstâncias e as peculiaridades de cada caso concreto.
Chega-se, desse modo, a um ponto de equilíbrio em que as vantagens dos dois critérios estarão presentes. Alcança-se, de um lado, uma razoável correspondência entre o valor da indenização e o interesse jurídico lesado, enquanto, de outro lado, obtém-se um montante correspondente às circunstâncias do caso. Finalmente, a decisão judicial apresenta a devida fundamentação acerca da forma como arbitrou o valor da indenização pelos danos extrapatrimoniais. (in O arbitramento da indenização por dano moral e a jurisprudência do STJ. Revista Justiça e Cidadania. Edição n. 188. p. 17).
A respeito, destaca-se julgado desta Corte de Justiça ao analisar caso semelhante:  
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE. DEFICIENTE FÍSICO. ACESSIBILIDADE. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.RECURSO DA RÉ.INSURGÊNCIA LIMITADA AO PLEITO DE REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. VERBA ARBITRADA EM R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). INVIABILIDADE. AUTOR, QUE ANTE A AUSÊNCIA DE CADEIRA DE TRANSBORDO ADEQUADA, PRECISOU SER LEVADO NO COLO POR TERCEIROS, TANTO NO EMBARQUE QUANTO NO DESEMBARQUE, LHE CAUSANDO EVIDENTE CONSTRANGIMENTO, ALÉM DE DORES FÍSICAS E PERTURBAÇÕES PSIQUICAS.  VALOR FIXADO EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA MANTIDA.ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. INTELIGÊNCIA DO ART. 85, §11, DO CPC.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0311586-19.2018.8.24.0023, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Haidée Denise Grin, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 29-04-2021). (grifou-se)
Em vista do exposto, diante do quadro fático delineado nos autos e considerando os transtornos ocasionados no embarque e desembarque do demandante nos voos adquiridos junto à ré, tem-se que o valor fixado na sentença a título de danos morais – R$ 10.000,00 (dez mil reais) – mostra-se adequado à reparação dos prejuízos acarretados ao requerente e à punição da ré, motivo pelo qual deve ser mantido, com a incidência dos consectários legais, conforme consignado na sentença.
Ademais, aplicável ao caso o princípio da confiança no juiz da causa, por estar este apto a melhor valorar as provas produzidas, diante da maior proximidade aos fatos e aos litigantes, o que autoriza a manutenção da sentença nos seus termos.
Destaca-se que, a partir da publicação da presente decisão, deve ser observada somente a Taxa Selic, que compreende juros e correção monetária, consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 196.158/CE e Súmula 362). 
 Em relação aos honorários recursais, considerando que a sentença foi publicada já na vigência do novo Código de Processo Civil, estes são devidos em favor do apelado em 2% sobre o valor do proveito econômico, cumulativamente, perfazendo um total de 12%, nos termos do art. 85, §§ 2º e 11 do CPC/2015.
Em decorrência, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento, majorando os honorários advocatícios, em favor do recorrido, que advoga em causa própria, nos termos acima.

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Apelação Nº 5000510-28.2020.8.24.0051/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000510-28.2020.8.24.0051/SC

RELATORA: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA

APELANTE: AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. (RÉU) ADVOGADO: FERNANDO FRANCESCHETTI (OAB SC059901) APELADO: FELIPE FACHINELLO (AUTOR) ADVOGADO: FELIPE FACHINELLO (OAB SC042269)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.
INSURGÊNCIA DA COMPANHIA AÉREA RÉ
ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO QUE NÃO PROSPERA. REQUERENTE QUE É CADEIRANTE E, PORTANTO, NECESSITA DE ASSISTÊNCIA ESPECIAL PARA EMBARQUE E DESEMBARQUE DA AERONAVE. SERVIÇO QUE, TODAVIA, NÃO FOI DISPONIBILIZADO PELA RECORRENTE, EM CONFORMIDADE COM A DETERMINAÇÃO CONSTANTE NA RESOLUÇÃO N. 280/2013 DA ANAC. AUTOR QUE FOI CARREGADO NO COLO PARA INGRESSO NO AVIÃO. VIOLAÇÃO À LEGISLAÇÃO DA ANAC E TAMBÉM AO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA.  APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO QUE, NA ESPÉCIE, EXTRAPOLA OS LIMITES DO MERO DISSABOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA CONFIGURADA, CONSOANTE ART. 14 DO CDC. DEVER DE INDENIZAR INCONTESTE.
QUANTUM INDENIZATÓRIO. PEDIDO DE MINORAÇÃO DO VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA QUANTIA FIXADA NA SENTENÇA. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE, BEM COMO DOS PARÂMETROS ADOTADOS POR ESTA CORTE E PELOS TRIBUNAIS PÁTRIOS.
HONORÁRIOS RECURSAIS.  PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS. CABIMENTO.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, majorando os honorários advocatícios, em favor do recorrido, que advoga em causa própria, nos termos acima, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 16 de agosto de 2022.

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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/08/2022

Apelação Nº 5000510-28.2020.8.24.0051/SC

RELATORA: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA

PRESIDENTE: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS

PROCURADOR(A): MONIKA PABST
APELANTE: AZUL LINHAS AEREAS BRASILEIRAS S.A. (RÉU) ADVOGADO: FERNANDO FRANCESCHETTI (OAB SC059901) APELADO: FELIPE FACHINELLO (AUTOR) ADVOGADO: FELIPE FACHINELLO (OAB SC042269)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 16/08/2022, na sequência 156, disponibilizada no DJe de 28/07/2022.
Certifico que a 5ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 5ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, MAJORANDO OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, EM FAVOR DO RECORRIDO, QUE ADVOGA EM CAUSA PRÓPRIA, NOS TERMOS ACIMA.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA
Votante: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIAVotante: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROSVotante: Desembargador RICARDO FONTES
ROMILDA ROCHA MANSURSecretária

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

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