Direito de arrependimento: compra em estabelecimento comercial

Direito de arrependimento: compra em estabelecimento comercial. Inexiste o direito de arrependimento para compras realizadas no estabelecimento comercial.

Processo: 5028690-86.2020.8.24.0008 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Osmar Nunes Júnior
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Sétima Câmara de Direito Civil
Julgado em: 31/08/2023
Classe: Apelação Citações – Art. 927, CPC: Súmulas STJ:3, 359

Apelação Nº 5028690-86.2020.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR

APELANTE: MARLI GRIPA (AUTOR) APELADO: EUGENIO RAULINO KOERICH SA COMERCIO E INDUSTRIA (RÉU)

RELATÓRIO

Trato de apelação cível interposta por Marli Gripa contra a sentença proferida nos autos da ação de rescisão contratual c/c indenização por danos morais e pedido de tutela de urgência movida pela autora em face de Eugenio Raulino Koerich SA Comercio e Industria.
Ao proferir a sentença, o juízo de origem julgou improcedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos (evento 52, SENT1):
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na inicial desta ação, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
REVOGO a tutela antecipada concedida no ev. 3. 
Como consequência, condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa, a teor do art. 85, § 2º, do CPC, suspensa a exigibilidade pelo prazo de 5 anos, nos termos do art. 98, § 3º, também do CPC. 
Irresignada com o provimento jurisdicional, a parte autora interpôs o recurso de apelação (evento 66, APELAÇÃO1), no qual pleiteou a rescisão do contrato de compra, arguindo a exceptio non adimpleti contractus, uma vez que a requerida exige o pagamento do produto sem ter realizado a sua entrega. No mais, pugnou pela condenação da parte ré pelo abalo moral sofrido.
As contrarrazões foram apresentadas (evento 70, CONTRAZ1).
Os autos ascenderam a esta Corte de Justiça e vieram conclusos para julgamento.
É o relatório.

VOTO

1. ADMISSIBILIDADE
O prazo para a interposição da apelação foi respeitado e a recorrente está dispensada do recolhimento do preparo, pois é beneficiária da justiça  gratuita. 
Ainda, os interesses recursais são manifestos e suas razões desafiam os fundamentos da sentença, encontrando-se satisfeitos, pois, os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.
2. RESCISÃO DO CONTRATO
Afirma a recorrente o seu direito de arrependimento da compra do produto e pleiteia a rescisão do contrato, bem como a condenação da parte requerida em danos morais, asseverando que está sendo cobrada sem ter recebido a mercadoria.
 Razão não lhe assiste. 

+ Direito de arrependimento e boleto


Inicialmente, destaco que o presente caso deve ser analisado sob as premissas da responsabilidade civil objetiva, pois as partes envolvidas na lide se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor, descritos nos arts. 2º e 3º, da Lei n. 8.078/90. 
O art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, exige, para a responsabilização civil, a comprovação da prática de conduta comissiva ou omissiva, causadora de prejuízo à esfera patrimonial de outrem, independentemente de culpa, decorrendo dessas situações, os pressupostos: ato ilícito, dano e nexo de causalidade.
A norma consumerista definiu em seu art. 49 o direito de arrependimento, nos seguintes termos:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
Na hipótese, em 02.03.2020, a autora se dirigiu ao estabelecimento da parte requerida, localizada em Blumenau-SC, onde adquiriu uma geladeira da marca Brastemp, no valor de R$ 3.390,00 (três mil, trezentos e noventa reais), em 15 (quinze) parcelas de R$ 226,00 (duzentos e vinte e seis reais). 
Contudo, afirma que se arrependeu da aquisição ao chegar em casa, em razão do excessivo valor das parcelas avençadas, procurando o réu no dia seguinte para a rescisão do contrato, o que foi por ele negado. Ainda, ao deixar de adimplir com o pagamento, a autora teve o débito inscrito nos órgãos de proteção ao crédito.
Com efeito, inexiste o direito de arrependimento para compras realizadas no estabelecimento comercial. Além disso, o contrato de compra e venda de mercadoria em prestação, assinado pela autora, dispõe expressamente (evento 13, CONTR3):
13- O COMPRADOR declara, também, que recebeu o “Guia de Informações Úteis”, com as políticas de pós-venda adotadas, orientações sobre uso, conservação, especificações técnicas do produto, e que firmado este contrato, não poderá o COMPRADOR desistir do negócio, por ter sido firmado presencialmente.
A parte requerida comprovou que tentou efetuar a entrega do produto nos dias seguintes à compra (evento 17, DOCUMENTACAO2), que restou inexistosa tão somente pela recusa da autora em receber a mercadoria.
A seu turno, a parte autora não impugnou o documento e não apresentou motivo razoável para a rejeição da entrega, tendo a feito como forma de exercer o seu alegado direito de arrependimento e cancelar a compra que não mais desejava.
Neste sentido, já decidiu esta Corte de Justiça:
 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.    RECURSO DO AUTOR.    TESE DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DEDUZIDA NA CONTESTAÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE IMPUTADA QUE NÃO DIZ RESPEITO APENAS À AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA, MAS TAMBÉM À SUPOSTA INEXISTÊNCIA DE ENTREGA DO PRODUTO E DA CONSEQUENTE ILEGALIDADE DA INCLUSÃO DO NOME DO AUTOR NO CADASTRO DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. PERTINÊNCIA SUBJETIVA VERIFICADA. PRELIMINAR AFASTADA.    MÉRITO. ALEGADA IRREGULARIDADE DA NEGATIVAÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. CONTEXTO PROBATÓRIO QUE AUTORIZA CONCLUIR PELA RECUSA NO RECEBIMENTO DA MERCADORIA. ARREPENDIMENTO INJUSTIFICADO. COMPRA REALIZADA NO INTERIOR DO ESTABELECIMENTO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS DE QUALIDADE/QUANTIDADE. CONTRATAÇÃO HÍGIDA. NEGATIVAÇÃO PERPETRADA EM EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. ART. 188, I, DO CÓDIGO CIVIL. INADIMPLÊNCIA DO AUTOR E INCONTROVERSA PERMANÊNCIA DO PRODUTO COM A RÉ QUE AUTORIZA A RESTITUIÇÃO DO STATUS QUO ANTE, INCLUSIVE DO CONTRATO ACESSÓRIO. EVENTUAL CLÁUSULA PENAL E PERDAS E DANOS QUE DEVEM SER DISCUTIDOS EM AÇÃO PRÓPRIA. SÚMULA. N. 359 DO STJ QUE, POR SI SÓ, FULMINA QUALQUER ASSERTIVA ACERCA DA AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. SENTENÇA MANTIDA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.    RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0303226-36.2018.8.24.0075, de Tubarão, rel. André Luiz Dacol, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 20-10-2020).
No ponto, não pode a autora se beneficiar da sua recusa imotivada em receber o produto para alegar que este não foi entregue.
Tal conduta, inclusive, configura o chamado “venire contra factum proprium”, e infringe os princípios contratuais da boa-fé e confiança recíproca entre as partes.
Sobre o tema, elucida a doutrina:
A expressão venire contra factum proprium poderia ser vertida para o vernáculo em tradução que se apresentaria em algo do tipo “vir contra seus próprios atos” ou “comportar-se contra seus próprios atos”, pode ser apontada, em uma primeira aproximação, como sendo abrangente das hipóteses nas quais uma mesma pessoa, em momentos distintos, adota dois comportamentos, sendo que o segundo deles surpreende o outro sujeito, por ser completamente diferente daquilo que se poderia razoavelmente esperar, em virtude do primeiro. (Aldemiro Rezende Dantas Júnior apud PRETEL, Mariana Pretel e. O princípio constitucional da vedação do comportamento contraditório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, 2009).
Tal ato contraditório é também entendido pela jurisprudência como um abuso de direito, consoante destaco do julgado do STJ:
12. Deveras, o princípio da confiança decorre da cláusula geral de boa-fé objetiva, dever geral de lealdade e confiança recíproca entre as partes, sendo certo que o ordenamento jurídico prevê, implicitamente, deveres de conduta a serem obrigatoriamente observados por ambas as partes da relação obrigacional, os quais se traduzem na ordem genérica de cooperação, proteção e informação mútuos, tutelando-se a dignidade do devedor e o crédito do titular ativo, sem prejuízo da solidariedade que deve existir entre ambos. 13. Assim é que o titular do direito subjetivo que se desvia do sentido teleológico (finalidade ou função social) da norma que lhe ampara (excedendo aos limites do razoável) e, após ter produzido em outrem uma determinada expectativa, contradiz seu próprio comportamento, incorre em abuso de direito encartado na máxima nemo potest venire contra factum proprium. […] (REsp 1143216 RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/03/2010, DJe 09/04/2010) (grifei)
Deste modo, descabe a rescisão contratual, uma vez que inexiste o direito de arrependimento invocado pela autora, assim como não pode beneficiar-se da ausência da entrega do produto por ela causada para recusar-se ao pagamento do preço acordado na aquisição do produto.
Assim, nego provimento ao recurso.
3. HONORÁRIOS RECURSAIS
O art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, determina que “o tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento”.
O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu os seguintes critérios para o arbitramento da verba:
Para fins de arbitramento de honorários advocatícios recursais, previstos no § 11 do art. 85 do CPC de 2015, é necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ: “Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC”; o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente; a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso; não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido; não terem sido atingidos na origem os limites previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015, para cada fase do processo; não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba (AgInt nos EDcl no REsp 1357561/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. em 4/4/2017, DJe 19/4/2017).
Assim, preenchidos os requisitos para tanto, majoro a verba honorária devida pela parte autora em 15% sobre o valor atualizado da causa, considerando o trabalho adicional e o nível de zelo do causídico em segundo grau. A exigibilidade do montante, contudo, fica suspensa, tendo em vista que a recorrente é beneficiária da justiça gratuita (art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil).
RESULTADO
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Elevo os honorários advocatícios na forma da fundamentação.

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Apelação Nº 5028690-86.2020.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR

APELANTE: MARLI GRIPA (AUTOR) APELADO: EUGENIO RAULINO KOERICH SA COMERCIO E INDUSTRIA (RÉU)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
RECURSO DA AUTORA.
RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE MERCADORIA. DIREITO DE ARREPENDIMENTO (ART. 49 DO CDC). INOCORRÊNCIA. AQUISIÇÃO DE PRODUTO REALIZADA NO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. AUTORA QUE SE ARREPENDEU DA COMPRA EM RAZÃO DO VALOR DAS PARCELAS LIVREMENTE PACTUADAS. ALEGADA A AUSÊNCIA DE ENTREGA DO PRODUTO. INVIABILIDADE. TENTATIVAS DEMONSTRADAS. DEMANDANTE QUE RECUSOU DE FORMA IMOTIVADA A ENTREGA DA MERCADORIA. SENTENÇA MANTIDA.
HONORÁRIOS RECURSAIS DEVIDOS.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

+ Direito de arrependimento e boleto

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 7ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Elevo os honorários advocatícios na forma da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 31 de agosto de 2023.

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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 31/08/2023

Apelação Nº 5028690-86.2020.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR

PRESIDENTE: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA

PROCURADOR(A): ANDREAS EISELE
APELANTE: MARLI GRIPA (AUTOR) ADVOGADO(A): TANIA MARTA GRIPA (OAB SC044402) APELADO: EUGENIO RAULINO KOERICH SA COMERCIO E INDUSTRIA (RÉU) ADVOGADO(A): NAYARA PRISCILLA ALVES DE OLIVEIRA PINTO (OAB SC037340) ADVOGADO(A): BRUNO CÉSAR ORLANDI (OAB SC018948)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 31/08/2023, na sequência 434, disponibilizada no DJe de 14/08/2023.
Certifico que a 7ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 7ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO. ELEVO OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA FORMA DA FUNDAMENTAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR
Votante: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIORVotante: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADEVotante: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN
TIAGO PINHEIROSecretário

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

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