Edificações privadas devem garantir acessibilidade

Com a promulgação da Lei n. 13.146/2015, as edificações públicas e privadas de uso coletivo já existentes devem garantir acessibilidade à pessoa com deficiência em todas as suas dependências e serviços, tendo como referência as normas de acessibilidade vigentes.

Processo: 0900141-70.2019.8.24.0038 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Sandro Jose Neis
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público
Julgado em: 10/10/2023
Classe: Apelação

Apelação Nº 0900141-70.2019.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador SANDRO JOSE NEIS

APELANTE: CONDOMINIO DO EDIFICIO MANCHESTER (Representado) (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público de Santa Catarina contra o Condomínio do Edifício Manchester, objetivando compelir o Demandado a promover adequações estruturais relacionadas às normas de acessibilidade na edificação. 
Após o regular processamento do feito, o Magistrado singular julgou procedente o pedido da exordial, nos seguintes termos (Evento 69 – Eproc/PG):
À vista do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido veiculado nesta AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA contra CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO MANCHESTER para determinar ao réu que, em até 18 meses, a contar do trânsito em julgado desta sentença, comprove documentalmente a adequação dos espaços públicos do Edifício Manchester às normas de acessibilidade vigentes, inclusive a implementação do piso tátil.
Inconformado, o Condomínio do Edifício Manchester interpôs Apelação Cível, na qual sustenta que qualquer ordem de adequação deveria ser acompanhada de prova técnica, a fim de averiguar a possibilidade, ou não, das obras, uma vez que o edifício foi inaugurado no ano de 1970 e apresenta impossibilidades estruturais de alteração.
Alega que, em se tratando de obra concluída, as normas de acessibilidade somente podem ser exigidas em caso de alteração/reforma e, ainda assim, apenas se não houver impossibilidade técnica. Acrescenta não ser parte legítima para efetuar as adequações relacionadas aos banheiros existentes nas unidades privadas do condomínio, assim como as relacionadas às rampas dos lojistas. Insurge-se, ainda, quanto à condenação de adequar as garagens, sob o fundamento de que o edifício não apresenta vagas destinadas ao público.
Houve contrarrazões (Evento 98 – Eproc/PG).
A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Procurador de Justiça Alexandre Herculano Abreu, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do Recurso (Evento 9 – Eproc/SG).
É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da Apelação Cível interposta.
Inicialmente, registra-se que o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual foi incorporada ao ordenamento pátrio com status de emenda constitucional pelo Decreto n. 6949/2009, que prevê a acessibilidade como um dos pilares dos direitos fundamentais, sob os seguintes ditames:
Artigo 9Acessibilidade1. A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Secretaria de Direitos Humanos os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias dainformação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a:a) Edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, residências, instalações médicas e local de trabalho;b) Informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e serviços de emergência.
Nesse viés, “o Brasil assumiu no plano internacional compromissos destinados à concretização do convívio social de forma independente da pessoa portadora de deficiência, sobretudo por meio da garantia da acessibilidade, imprescindível à autodeterminação do indivíduo com dificuldade de locomoção” (REsp 1611915/RS, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 06/12/2018, DJe de 04/02/2019).
A Lei Brasileira de Inclusão, instituída pela Lei n. 13.146/2015, estabeleceu em seu artigo 8º que: 
Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.
E mais:
Art. 57. As edificações públicas e privadas de uso coletivo já existentes devem garantir acessibilidade à pessoa com deficiência em todas as suas dependências e serviços, tendo como referência as normas de acessibilidade vigentes.
Não se ignora, aliás, que antes da promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, vigorava a Lei n. 10.098/2000, a qual inseriu no ordenamento pátrio normas à promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência, mediante supressão de barreiras e obstáculos em prédios públicos ou privados de acesso ao público.
Do mesmo modo, sabe-se que a referida legislação foi regulamentada pelo Decreto n. 5.296/2004, o qual, em seu art. 19, assim prevê:
Art. 19.  A construção, ampliação ou reforma de edificações de uso público deve garantir, pelo menos, um dos acessos ao seu interior, com comunicação com todas as suas dependências e serviços, livre de barreiras e de obstáculos que impeçam ou dificultem a sua acessibilidade.
§ 1o  No caso das edificações de uso público já existentes, terão elas prazo de trinta meses a contar da data de publicação deste Decreto para garantir acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.
Assim, muito embora o Apelante sustente que por se tratar de prédio de uso coletivo, e não de uso público, não teria razão para ser compelido a promover as adequações de acessibilidade, contudo, tem-se que com a promulgação da Lei n. 13.146/2015, deixou de haver essa diferenciação, de modo que “as edificações públicas e privadas de uso coletivo já existentes devem garantir acessibilidade à pessoa com deficiência em todas as suas dependências e serviços, tendo como referência as normas de acessibilidade vigentes”.
As medidas a serem implementadas, com as especificações e padronizações necessárias, estão previstas nas normas técnicas da ABNT (NBR 9050/2015).
Desse modo, em que pese a construção do edifício seja datada da década de 70, as normativas existentes acerca dos direitos das pessoas portadoras de deficiência abrangem as edificações já existentes quando da sua promulgação, não comportando acolhimento, portanto, a tese de que as exigências somente são pertinentes em caso de construção, amplicação ou reforma.
Ademais, apesar de o Apelante alegar que o edifício não apresenta condições estruturais de receber as adequações de acessibilidade, a tese veio desacompanhada de qualquer laudo técnico acerca do assunto.
Além disso, destaca-se que, no decorrer da instrução processual, o Apelante foi intimado a informar as provas que pretendia produzir, ocasião na qual se limitou a postular a produção de prova testemunhal, sem apontar a necessidade de prova técnica que agora entende ser indispensável (Evento 21 – Eproc/PG).
Ademais, ao contrário do que faz crer o Apelante, a sentença reconheceu as adequações parciais promovidas pelo Condomínio, assim como ponderou que tal situação não obsta o reconhecimento da obrigação de fazer, ao afirmar que “Ainda que constatada a implementação parcial do que se deverá realizar, juridicamente razoável, inclusive para que se dê efetividade a comandos legais voltados ao prestigiamento da diginidade humana, em seu mais amplificado espectro, a condenação na realização de obras necessárias a viabilizar, tanto quanto possível, mobilidade e acessibilidade” (Evento 69 – Eproc/PG).
Da mesma forma, conforme bem argumentado em contrarrazões, “não se está exigindo a adequação dos espaços privativos do condomínio, mas única e exclusivamente ‘a adequação dos espaços públicos do Edifício Manchester às normas de acessibilidade vigentes, inclusive a implementação do piso tátil’, restando afastada, assim, a tese de que o condomínio requerido não tem ingerência sobre os proprietários das áreas particulares” (Evento 98 – Eproc/PG).
Por fim, esclarece-se que eventuais obras que já tenham sido realizadas pelo condomínio poderão ser apresentadas em sede de execução de sentença, de modo que a sentença de procedência prescinde reparos, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do Recurso e negar-lhe provimento.

Documento eletrônico assinado por SANDRO JOSE NEIS, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3985183v25 e do código CRC 3bbbb681.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SANDRO JOSE NEISData e Hora: 10/10/2023, às 19:12:36

Apelação Nº 0900141-70.2019.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador SANDRO JOSE NEIS

APELANTE: CONDOMINIO DO EDIFICIO MANCHESTER (Representado) (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRAS DE ACESSIBILIDADE EM CONDOMÍNIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO DEMANDADO. DIREITO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA OU MOBILIDADE REDUZIDA. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, DA QUAL O BRASIL É SIGNATÁRIO, INCORPORADA AO ORDENAMENTO PÁTRIO COM STATUS DE EMENDA CONSTITUCIONAL (DECRETO N. 6949/2009). LEI N. 10.098/2000 (QUE ESTABELECE NORMAS GERAIS E CRITÉRIOS BÁSICOS PARA A PROMOÇÃO DA ACESSIBILIDADE DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA OU COM MOBILIDADE REDUZIDA) E LEI N. 13.146/2015 (QUE INSTITUI A LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO OU ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA). SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 10 de outubro de 2023.

Documento eletrônico assinado por SANDRO JOSE NEIS, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3985184v5 e do código CRC 666193a2.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SANDRO JOSE NEISData e Hora: 10/10/2023, às 19:12:36

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 10/10/2023

Apelação Nº 0900141-70.2019.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador SANDRO JOSE NEIS

PRESIDENTE: Desembargador SANDRO JOSE NEIS

PROCURADOR(A): NEWTON HENRIQUE TRENNEPOHL
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: FERNANDO PEREIRA TONIATO por CONDOMINIO DO EDIFICIO MANCHESTER
APELANTE: CONDOMINIO DO EDIFICIO MANCHESTER (Representado) (RÉU) ADVOGADO(A): FERNANDO PEREIRA TONIATO (OAB SC028311) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 10/10/2023, na sequência 157, disponibilizada no DJe de 25/09/2023.
Certifico que a 3ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 3ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador SANDRO JOSE NEIS
Votante: Desembargador SANDRO JOSE NEISVotante: Desembargador JAIME RAMOSVotante: Desembargador JÚLIO CÉSAR KNOLL
PAULO ROBERTO SOUZA DE CASTROSecretário

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

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