Hotel tem que pagar direito autoral de TV por assinatura no interior de quarto?

Em recurso especial repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça firmou tese no sentido de que inexiste bis in idem na cobrança de direitos autorais pelo ECAD, quando contratados serviços de televisão por assinatura por empreendimento hoteleiro [Tema 1066].

Processo: 5012838-11.2019.8.24.0023 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Alexandre Morais da Rosa
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Civil
Julgado em: 03/08/2023
Classe: Apelação

Apelação Nº 5012838-11.2019.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador SELSO DE OLIVEIRA

APELANTE: JCDF EMPREENDIMENTOS LTDA (RÉU) APELADO: ESCRITORIO CENTRAL DE ARRECADACAO E DISTRIBUICAO ECAD (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação em que figuram como apelante JCDF EMPREENDIMENTOS LTDA e apelado ESCRITORIO CENTRAL DE ARRECADACAO E DISTRIBUICAO – ECAD, interposto contra sentença proferida pelo juízo de origem nos autos n. 50128381120198240023.
Em atenção aos princípios da celeridade e economia processual [CR, art. 5º, inciso LXXVIII], adoto o relatório da sentença como parte integrante deste acórdão, por refletir com fidelidade o trâmite processual na origem:
Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD ajuizou “Ação Declaratória Condenatória”, com pedido de tutela específica, em face de JCDF Empreendimentos Ltda. (Palace Praia Hotel), ambos devidamente qualificados, alegando que o réu, embora cadastrado junto ao ECAD, jamais recolheu os direitos autorais decorrentes de sua atividade, do que utilizaria de forma habitual e continuada a execução de obras musicais por meio de aparelhos de televisão.
Indicou os fundamentos jurídicos do pedido, valorou a causa e, ao final, requereu, a citação do réu, a produção de provas, e, em sede de liminar: (a) a ordem de suspensão ou interrupção de qualquer comunicação ao público de obras musicais, líteromusicais audiovisuais e fonogramas pelo réu por meio da utilização de aparelhos de Rádio e TV, enquanto não providenciar a prévia e expressa autorização do autor, sem prejuízo da multa diária a ser fixada (requerida em R$ 10.000,00) ou (b) se ordene à Ré o imediato recolhimento ao ECAD (para não haver solução de continuidade na distribuição dos direitos autorais aos titulares), no prazo de 48 horas, da importância mensal de R$ 782,93 (valor vigente, referente à sonorização por aposento), ou valor outro levado a efeito a taxa de ocupação declarada com cópia aos institutos oficiais de turismo, TUDO, sob pena de imediata suspensão das execuções musicais e consequente apreensão e lacre da aparelhagem fonomecânica, como forma de fazer valer seu cumprimento e vigência. No mérito, requereu a procedência dos pedidos para procedente o pedido de condenação em perdas e danos, a condenação do réu ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios. Juntou procuração e documentos (Evento 1).
Citado, o réu apresentou contestação (Evento 13), arguindo, no mérito, que possui contratação de programa de TV por assinatura, do que estaria isento de retribuição autoral, tendo em vista, que a empresa fornecedora ao emitir o sinal dos programas, já tenha efetuado os  respectivos pagamentos autorais, por isso indevida a cobrança em duplicidade; e que a multa moratória de 10% ao mês prevista no regulamento de arrecadação do ECAD seria abusiva, por não derivar de previsão legal nem contratual. Por fim, requereu a improcedência dos pedidos. Juntou procuração e documentos (pp. 205/218).
Houve réplica (Evento 17).
Sentença [ev. 21.1/origem]: julgou procedentes os pedidos para condenar o réu ao pagamento mensal pela utilização de obras musicais, literomusicais, audiovisuais e fonogramas e sonorização por sinais televisivos nos seus quartos, do período de dezembro de 2016 até a data do julgamento – e, inclusive, as parcelas vencidas e que se vencerem no curso da demanda, enquanto durar a obrigação, conforme previsão do art. 323 do CPC – corrigido monetariamente pelo INPC/IBGE e acrescido de multa de 10% em razão de atraso e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação, a ser apurado por simples cálculo aritmético.
Razões recursais [ev. 27.1/origem]: o apelante pleiteia, em síntese, a improcedência dos pedidos iniciais porque “havendo contratação com operadora de TV a cabo que expressamente dispõe acerca do pagamento da taxa ao ECAD no tocante aos direitos autorais, a dupla cobrança configura bis in idem”.
Contrarrazões [ev. 34.1/origem]: o apelado, por sua vez, requer o desprovimento do recurso, com a manutenção da sentença em seus exatos termos.
O recurso foi recebido no duplo efeito [ev. 7.1].
É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por JCDF EMPREENDIMENTOS LTDA contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na ação de cobrança ajuizada por ESCRITORIO CENTRAL DE ARRECADACAO E DISTRIBUICAO – ECAD.
1. ADMISSIBILIDADE
Por meio da decisão de evento 7.1 já se reconheceu o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade recursal, razão pela qual ratifico o conhecimento do reclamo.
2. MÉRITO
2.1. DOS DIREITOS AUTORAIS
O apelante é empresa do ramo hoteleiro e utiliza-se de obras musicais, por meio da disponibilização de televisores com serviço de televisão por assinatura no interior dos quartos [ev. 13.3/origem]. 
A controvérsia restringe-se à viabilidade de cobrança de direitos autorais do apelante, considerando que a empresa prestadora de serviços de televisão por assinatura já efetua o pagamento da retribuição.

A Lei n. 9.610/1998 diferencia os responsáveis por “radiodifusão sonora ou televisiva” e por “captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva”:
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:VIII – a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:d) radiodifusão sonora ou televisiva;e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva;
Como se vê, fica evidente que a própria legislação sobre direitos autorais reconhece a existência de fatos geradores distintos nessa situação.
Além disso, em recurso especial repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça firmou tese no sentido de que inexiste bis in idem na cobrança de direitos autorais pelo ECAD, quando contratados serviços de televisão por assinatura por empreendimento hoteleiro [Tema 1066].
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE PRECEITO LEGAL E DE REPARAÇÃO DE DANOS. ECAD. DIREITOS AUTORAIS. APARELHOS (RÁDIO E TELEVISÃO) EM QUARTOS DE HOTEL, MOTEL E AFINS. TRANSMISSÃO DE OBRAS MUSICAIS, LITEROMUSICAIS E AUDIOVISUAIS. LEIS N. 9.610/1998 E 11.771/2008. COMPATIBILIDADE. TV POR ASSINATURA. BIS IN IDEM NÃO CONFIGURADO. PEDIDOS PROCEDENTES. OMISSÕES INEXISTENTES. PRESCRIÇÃO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. TABELA DE VALORES FIXADOS PELO ECAD. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. MULTA DE 10% INDEVIDA. TUTELA INIBITÓRIA. 1. Delimitação da controvérsia Possibilidade de cobrança pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD de direitos autorais por transmissão de obras musicais e audiovisuais em quarto de hotel, de motel e afins.2. Tese definida para os fins do art. 1.036 do CPC/2015 a) “A disponibilização de equipamentos em quarto de hotel, motel ou afins para a transmissão de obras musicais, literomusicais e audiovisuais permite a cobrança de direitos autorais pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD.” b) “A contratação por empreendimento hoteleiro de serviços de TV por assinatura não impede a cobrança de direitos autorais pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD, inexistindo bis in idem.” […] 4. Recurso especial a que se dá parcial provimento para julgar procedente, em parte, os pedidos deduzidos na inicial. [REsp n. 1.873.611/SP. Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira. Segunda Seção. Julgado em 24.03.2021].
Cabe ao apelante, se assim por bem entender, buscar ressarcimento pela operadora de TV por assinatura, já que afirma que o pagamento dos direitos autorais encontra-se inserido na mensalidade do contrato.
Logo, mantenho a sentença no ponto.
2.2. DA MULTA MORATÓRIA DE 10%
Em contrapartida, a multa moratória de 10% estabelecida no regulamento do apelado não encontra respaldo em disposições legais ou contratuais, tornando-a inaplicável.
A propósito:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. SUPRIMENTO. CARÁTER INFRINGENTE. POSSIBILIDADE. EXCEPCIONALIDADE. DIREITOS AUTORAIS. QUARTO DE HOTEL. APARELHOS TELEVISORES. TV POR ASSINATURA. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.610/1998. CAPTAÇÃO E TRANSMISSÃO DE RADIODIFUSÃO. FATOS GERADORES DISTINTOS. BIS IN IDEM. INEXISTÊNCIA. COBRANÇA. PRESCRIÇÃO TRIENAL. MULTA MORATÓRIA. INAPLICABILIDADE. […] 5. Por ausência de previsão legal e ante a inexistência de relação contratual, é descabida a cobrança de multa moratória estabelecida unilateralmente em Regulamento de Arrecadação do ECAD. Precedentes. 6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes. [EDcl no AgRg no REsp n. 1.562.837/RS. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Terceira Turma. Julgados em 14.10.2019].
Ainda, desta Câmara:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO (ECAD). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA, SOB FUNDAMENTO DE QUE NÃO RESTOU DEVIDAMENTE COMPROVADO O FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DO AUTOR. RECURSO DO DEMANDANTE. […] MÉRITO. ALEGAÇÃO DE QUE A RÉ CONFESSA A UTILIZAÇÃO DE MÚSICA EM SEU AMBIENTE COMERCIAL A LEGITIMAR A COBRANÇA. ACOLHIMENTO. […] INCIDÊNCIA DA MULTA MORATÓRIA DE 10% PREVISTA NO REGULAMENTO DE ARRECADAÇÃO DO ECAD. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE AS PARTES. […] RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. [TJSC. Apelação Cível n. 0301834-67.2015.8.24.0010. Relator: Des. José Agenor de Aragão. Quarta Câmara de Direito Civil. Julgada em 05.11.2020].
Necessário, portanto, afastar a aplicação da referida multa sobre o montante condenatório.
3. HONORÁRIOS RECURSAIS
Em consonância com interpretação conferida pelo Superior Tribunal de Justiça [EDcl no AgInt no REsp 1.573.573/RJ], é descabida a fixação de honorários advocatícios ao causídico da parte apelada, haja vista o parcial provimento do recurso.
4. DISPOSITIVO
Por tais razões, voto por conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para afastar a aplicação da multa moratória de 10% sobre o montante condenatório.

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Apelação Nº 5012838-11.2019.8.24.0023/SC

RELATOR: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

APELANTE: JCDF EMPREENDIMENTOS LTDA (RÉU) APELADO: ESCRITORIO CENTRAL DE ARRECADACAO E DISTRIBUICAO ECAD (AUTOR)

EMENTA

COBRANÇA. ECAD. DIREITOS AUTORAIS. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DO RÉU. EMPRESA DO RAMO HOTELEIRO. UTILIZAÇÃO DE OBRAS MUSICAIS POR MEIO DA DISPONIBILIZAÇÃO DE TELEVISORES NO INTERIOR DOS QUARTOS. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE TELEVISÃO POR ASSINATURA. OPERADORA QUE JÁ REALIZA O PAGAMENTO DE DIREITOS AUTORAIS. IRRELEVÂNCIA. FATOS GERADORES DISTINTOS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STJ EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO [TEMA 1066]. MULTA MORATÓRIA DE 10%. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE RESPALDO EM DISPOSIÇÕES LEGAIS OU CONTRATUAIS. APLICAÇÃO AFASTADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para afastar a aplicação da multa moratória de 10% sobre o montante condenatório, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 03 de agosto de 2023.

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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/08/2023

Apelação Nº 5012838-11.2019.8.24.0023/SC

RELATOR: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

PRESIDENTE: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH

PROCURADOR(A): JOAO FERNANDO QUAGLIARELLI BORRELLI
APELANTE: JCDF EMPREENDIMENTOS LTDA (RÉU) ADVOGADO(A): MARCELO GUSTAVO DAUER (OAB SC009196) APELADO: ESCRITORIO CENTRAL DE ARRECADACAO E DISTRIBUICAO ECAD (AUTOR) ADVOGADO(A): JOSE SERGIO DA SILVA CRISTOVAM (OAB SC016298)
Certifico que a 4ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 4ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO PARA AFASTAR A APLICAÇÃO DA MULTA MORATÓRIA DE 10% SOBRE O MONTANTE CONDENATÓRIO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
Votante: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSAVotante: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃOVotante: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH
JOANA DE SOUZA SANTOS BERBERSecretária

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