É inválida a assinatura de pessoa analfabeta

Como é inválida a assinatura de pessoa analfabeta sem os requisitos das assinatura a rogo, impõe-se a declaração de nulidade do contrato firmado entre as partes.

Processo: 0300814-97.2017.8.24.0001 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Monteiro Rocha
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil
Julgado em: 14/12/2023
Classe: Apelação Citações – Art. 927, CPC: Súmulas STJ:297

Apelação Nº 0300814-97.2017.8.24.0001/SC

RELATOR: Desembargador MONTEIRO ROCHA

APELANTE: LUCINDA BELINO APELANTE: AGIBANK FINANCEIRA S.A. – CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Na comarca de Abelardo Luz, LUCINDA BELINO moveu ação declaratória de inexistência de débito c/c repetição de indébito e indenização por danos por danos morais contra AGIBANK FINANCEIRA S.A. – CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, sob o argumento de que é indevido o desconto realizado em sua conta bancária, uma vez que o respectivo contrato padece de nulidade por ter sido firmado por pessoa incapaz e analfabeta.
Afirmou que “contratou junto ao AGIPLAM, empréstimo consignado no valor de R$ 1.412,04, no dia 25 de abril de 2014, no qual começaria no dia 05 de junho de 2014 o desconto diretamente na conta poupança da requente como discriminado no Contrato de n. 0344125001”.
Disse que “Até a data de hoje a requerente já pagou o valor de R$11.222,31”, sendo que “do valor emprestado, que era R$ 1.412,04, a autora já pagou 9.810,27 a mais”.
Apontou que “a nulidade dos negócios jurídicos praticados por pessoa incapaz é absoluta, não podendo existir nem ser convalidada, ratificada ou corrigida”, ressaltando que “faz jus a um beneficio 87 do amparo social para pessoa portadora de deficiência (folha do benefício em anexo) [e] a autora é portadora de deficiência (exames em anexo), motivo este que foi decretada sua interdição na data de 14 de junho de 2007, autos nº 001.07.000214-3 (termo de curador em anexo)”, além do que “a autora, ainda, é analfabeta, não sabendo ler nem escrever seu próprio nome”.
Bradou que os descontos ultrapassam o limite legal de 30% da remuneração.
Assim discorrendo, requereu a procedência dos pedidos para declarar a inexistência de débito, repetir em dobro o indébito e condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais, custas e honorários. Postulou a concessão de justiça gratuita, a inversão do ônus da prova com aplicação do CDC e o deferimento de tutela antecipada para suspensão dos descontos.
Restaram deferidas a justiça gratuita, a inversão do ônus probatório e a tutela antecipa para suspensão dos descontos (evento 4).
Citada, a instituição financeira ré ofereceu contestação (evento 16), defendendo a regularidade do contrato e do débito, afirmando que “quando a autora procurou a ré, apresentou seu documento de identificação, sendo que o documento não apontava qualquer restrição do portador em relação à prática de todos os atos da vida civil”.
Aduziu que “a autora em 25 de abril de 2014, realizou um empréstimo no valor líquido de R$ 1.412,04, a ser pago em 12 (doze) parcelas de R$ 340,07 cada, com desconto da primeira parcela previsto para o dia 05 de junho de 2014, e o da última, dia 05 de maio de 2015”.
Apontou que “no instrumento contratual, a autora optou por efetuar o pagamento das parcelas devidas à ré por meio de débito em conta bancária”.
Asseverou que por 16 meses houve insuficiência de saldo, acarretando no vencimento antecipado da dívida, com inclusão de encargos moratórios, sendo que a partir de 08/12/2015 foi verificado saldo positivo na conta, quando foram efetuados descontos no valor de duas parcelas devidas, o que foi autorizado pela própria autora no contrato de financiamento.
Ao final, alegou a inocorrência de abalo moral e pugnou pela improcedência da demanda.
No evento 19, restou certificada a tempestividade da contestação.
Houve réplica (evento 23), em que a autora salientou que “a ré afirma que a autora procurou a instituição financeira para a contratação do empréstimo, todavia não é a verdade dos fatos, já que a autora juntamente com vários outros índios foram procurados na aldeia Sede-Xapeco pelos representantes da instituição financeira para a realização dos empréstimos”.
Sobreveio sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos, para declarar a inexistência de débito em relação ao contrato litigioso e condenar a ré à devolução na forma simples dos valores indevidamente descontados. A sentença inacolheu os pleitos de indenização por danos morais e de repetição na forma dobrada, reconhecendo a ocorrência de sucumbência recíproca na proporção de 50% a cargo da autora e 50% a cargo da ré.
Irresignadas com a resposta judicial, ambas as partes interpuseram recurso.
A autora interpôs apelação (evento 31), postulando a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais.
A instituição financeira ré também interpôs apelação (evento 32), alegando o seguinte: a) que a contratação é regular, pois “o banco recorrente não poderia ser punido por autorizar empréstimo sem saber que a parte recorrida estava interditada desde 2007, isso porque o curador ainda não havia feito registro da interdição em cartório – como exige a Lei dos Registros Públicos (6.015/1973), em seu artigo 97”, sendo que “concedeu o empréstimo, acreditando nas informações de que dispunha, pois não podia exigir um documento que sequer existia, tornando, assim, legal e regular a negócio, já que a boa-fé é presumida, conforme o Código Civil”;  b) que “por se tratar de pessoa analfabeta, o banco teve o cuidado de tomar a assinatura na presença de duas testemunhas, inclusive, uma das testemunhas é aquele que alega ser curador da parte recorrida”;  c) que é indevida a repetição dos valores descontados, pois a contratação é regular, devendo haver no máximo repetição na forma simples em razão da falta de má-fé.
Houve contrarrazões por ambas as partes (eventos 41 e 42).
É o relatório.

VOTO

Conheço dos recursos, porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade.
Versam os autos sobre desconto, em conta bancária, de alegado empréstimo pessoal com 12 parcelas mensais de R$ 340,07 (evento 1 – doc  11).
As súplicas recursais das partes (autora e instituição financeira ré) são dirigidas contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos, para declarar a inexistência de débito em relação ao contrato litigioso e condenar a ré à devolução na forma simples dos valores indevidamente descontados. A sentença inacolheu os pleitos de indenização por danos morais e de repetição na forma dobrada, reconhecendo a ocorrência de sucumbência recíproca na proporção de 50% a cargo da autora e 50% a cargo da ré.
1. Exigibilidade dos descontos – pleito de afastamento da declaração de inexistência de débito e da consequente repetição do indébito (Apelação da instituição financeira ré)
Alega a instituição financeira ré, em síntese, que os descontos realizados na conta bancária da autora são legítimos, posto que expressamente contratou o empréstimo e beneficiou-se com ele, inocorrendo má-fé para ensejar repetição dobrada.
Argumenta que a contratação é regular, pois “o banco recorrente não poderia ser punido por autorizar empréstimo sem saber que a parte recorrida estava interditada desde 2007, isso porque o curador ainda não havia feito registro da interdição em cartório – como exige a Lei dos Registros Públicos (6.015/1973), em seu artigo 97”, sendo que “concedeu o empréstimo, acreditando nas informações de que dispunha, pois não podia exigir um documento que sequer existia, tornando, assim, legal e regular a negócio, já que a boa-fé é presumida, conforme o Código Civil”.
Aduz que “por se tratar de pessoa analfabeta, o banco teve o cuidado de tomar a assinatura na presença de duas testemunhas, inclusive, uma das testemunhas é aquele que alega ser curador da parte recorrida”.
Sem razão a recorrente.
Muito bem salientou a sentença que “o documento de identidade da autora a descreve como ‘não alfabetizada’ e o contrato sequer foi assinado, sendo firmado apenas por sua digital (fls. 74/76) [evento 16 – doc 30]”.
Com efeito, o contrato de empréstimo pessoal não teve assinatura a rogo, tornando nulo o negócio jurídico celebrado entre as partes, sendo fato incontroverso que a autora é analfabeta e ‘assinou’ mediante aposição de seu polegar.
A assinatura a rogo é formalidade essencial à contratação de pessoa analfabeta, porque permite o conhecimento dos termos contratos mediante aposição de assinatura de terceiro identificável e de sua confiança. Trata-se de requisito para validade de negócio jurídico e que encontra amparo na norma do art. 595 do Código Civil:
“Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas”.
Explicando sobre assinatura a rogo, é entendimento doutrinário de Orlando Gomes, citado pelo eminente Desembargador José Carlos Carstens Köhler:
“Ordinariamente, os contratos celebram-se por instrumento particular. Para valer, é preciso que seja assinado por pessoa que esteja na disposição e administração livre de seus bens, sendo necessário, ainda, que seja subscrito por duas testemunhas. A assinatura pode ser autógrafa ou hológrafa. No primeiro caso, é do próprio punho. Quando o contratante não sabe ou não pode assinar seu nome, a outrem, a seu rogo, é permitido fazê-lo. Diz-se, então, que a assinatura é hológrafa, ou, vulgarmente, a rogo. Se, porém, o contratante é analfabeto, a assinatura a rogo deve ser aposta em instrumento público, substituise em alguns contratos, como o de trabalho, pela impressão digital (Contratos, 26ª edição, Editora Forense, 2008, p. 62 e 63)” (TJSC, Quarta Câmara de Direito Comercial, Relator Desembargador José Carlos Carstens Köhler, Apelação Cível n. 0500185-58.2013.8.24.0235, j. 05-02-2019).
Então, havendo impossibilidade de o contratante assinar – seja por não saber, seja por não poder – é permitido que um terceiro assine em seu lugar, mas a pedido do titular impossibilitado de exprimir sua vontade. Daí, o termo a rogo, ou seja, a pedido.
No caso sub judice, verifica-se que os documentos do evento 16 – doc 30 não contêm assinatura a rogo pela autora, mas apenas contém sua digital e a assinatura de duas testemunhas.
De fato, a assinatura de pessoa alfabetizada e de confiança da autora era imprescindível para formalização de contrato. Daí, o reconhecimento de nulidade do contrato, carecendo de manifestação de vontade da aderente/autora.
Em relação à alegação da ré de que uma das testemunhas (Sr. Jandir Francisco Fernandes) é, na verdade, seu curador, trata-se de inovação recursal, descabendo seu exame, sob pena de supressão de instância.
De qualquer modo, ainda que fosse viável tomar em consideração essa alegação, ainda assim desmereceria acolhimento, pois a validade da assinatura a rogo exige a assinatura de pessoa de confiança e mais duas testemunhas, sendo que ou faltaria a assinatura daquela e de uma das testemunhas.
Como o contrato não contemplou os requisitos da dita assinatura a rogo, a ratificação do pacto por duas testemunhas – ainda assim – não o torna válido, nem mesmo o fato de a autora reconhecer ter contraído o empréstimo.
Sobre o tema, é assente a jurisprudência deste Tribunal de Justiça:
– “Quando a parte contratante for pessoa analfabeta, é necessário que seja assinado a rogo, com identificação da pessoa que assim assina, para conferir validade ao negócio. A assinatura a rogo será conferida por pessoa de confiança do analfabeto, pois subscreverá o documento na presença de duas testemunhas. Ausentes tais formalidades, há de se reconhecer a nulidade do contrato. […] RECURSOS NÃO PROVIDOS. (TJSC, Apelação Cível n. 2016.014079-8, de Joaçaba, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 03-05-2016).
– “Em se tratando de contrato escrito em que uma das partes é analfabeto, necessário que seja assinado a rogo e realizado por instrumento público. Ausentes tais formalidades, há de se reconhecer a nulidade do contrato e consequentemente a ausência de interesse da Autora que pretende rescindi-lo” (TJSC, Apelação Cível n. 2010.076777-8, de Maravilha, rel. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo, j. 20-07-2015)
– “APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. TERMO DE ADESÃO A CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL EM CARTÃO DE CRÉDITO. DESCONTO MENSAL NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO AUTOR. NULIDADE DO CONTRATO. MUTUÁRIO QUE É INDÍGENA E ANALFABETO. NECESSIDADE DE ASSINATURA A ROGO E POR 2 (DUAS) TESTEMUNHAS. ARTIGO 595 DO CÓDIGO CIVIL. VULNERABILIDADE DO DIREITO À INFORMAÇÃO IMPOSTA NOS ARTIGOS 6º, INCISO III E 46 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REQUISITO ESSENCIAL DE VALIDADE. NULIDADE QUE SE IMPÕE, RETORNANDO AS PARTES AO ESTADO ANTERIOR. ARTIGO 182 DO CÓDIGO CIVIL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DEVER DE INDENIZAR BEM EVIDENCIADO. DANO MORAL CARACTERIZADO. MONTANTE INDENIZATÓRIO. ARBITRAMENTO QUE OBSERVOU OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, NADA JUSTIFICANDO A INTERFERÊNCIA DA CÂMARA EM ATIVIDADE QUE É MARCADA PELO PODER DISCRICIONÁRIO ATRIBUÍDO PELO LEGISLADOR AO JUIZ DA CAUSA. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM RAZÃO DO TRABALHO REALIZADO EM GRAU DE RECURSO PELO ADVOGADO DO AUTOR. ARTIGO 85, § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. RECURSOS DESPROVIDOS. (TJSC, Apelação Cível n. 0301801-02.2018.8.24.0001, de Abelardo Luz, rel. Des. Jânio Machado, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 07-11-2019).
Como a ré não observou os requisitos essenciais para validade dos contratos de empréstimo pessoal, em específico pelo desatendimento de forma especial para colheita de declaração de vontade da autora analfabeta (art. 595 do CC/2002), a nulidade do contrato é medida imperativa, nos termos do art. 166, IV e V, do CC/2002, verbis:
    “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
    IV – não revestir a forma prescrita em lei;
    V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade”.
Não bastasse isso, a título de reforço argumentativo, conforme salientou a Procuradoria-Geral de Justiça, “a capacidade do agente [art. 104, I, do CC] é requisito de validade inafastável de qualquer negócio jurídico, não sendo, no caso, a parte contratante capaz de celebrar o empréstimo ora sob exame. Nesse contexto, a incapacidade aventada torna possível a propositura de eventual ação para a anulação do negócio jurídico celebrado, conforme previsão do artigo 171, do Código Civil1, não se observando motivos para a modificação da sentença ora recorrida”.
De fato, a incontroversa anterior decretação de interdição da autora invalida o negócio, desmerecendo considerações as alegações de boa-fé da ré e falta de registro em cartório, o que não supre a nulidade.
Outrossim, ainda que fosse viável tomar em consideração a alegação de que o curador da autora assinou o contrato – aqui há inovação recursal -, ainda assim desmereceria acolhimento, pois não se vislumbra que o curador tenha poderes para firmar empréstimo.
Nesse norte, mutatis mutandis:
 In casu, ante a interdição total da matriarca, era vedado ao curador, sem prévia autorização, a prática dos seguintes atos: emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, atos que não sejam de mera administração, nos termos dos arts. 427 do Código Civil de 1916.   (TJSC, Apelação Cível n. 2012.006203-8, de Criciúma, rel. Altamiro de Oliveira, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 23-06-2015).
Assim, como é inválida a assinatura de pessoa analfabeta sem os requisitos das assinatura a rogo, impõe-se a declaração de nulidade do contrato firmado entre as partes.
Em relação à consequente reparação dos prejuízos materiais causados à autora, estes devem ser ressarcidos, como mero consectário lógico do desfazimento do pacto.
Assim, demonstrada a invalidade do contrato de empréstimo pessoal, nego provimento ao recurso da ré nesse tópico, mantendo-se a parte da sentença que julgou procedentes os pedidos de declaração de inexistência de débito e de restituição simples dos valores indevidamente descontados.
2. Dever de indenizar abalo moral (Apelação da autora)
Alega a autora que sofreu abalo moral decorrente de indevidos descontos em sua contacorrente.
As razões desmerecem acolhimento.
Apesar de restarem demonstrados os requisitos da responsabilidade civil atinentes ao ato ilícito e ao nexo causal, não restou demonstrado o dano relacionado ao abalo moral da autora.
O caso dos autos não preenche condições de procedência indenizatória a título de danos morais, porquanto deturpa acontecimentos cotidianos, com o fim de possibilitar uma reparação econômica de acontecimentos a que todos os indivíduos estão sujeitos na vida cotidiana. 
Não se nega que a situação vivenciada pela autora lhe tenha trazido incômodos, mas nada que tenha ultrapassado os aborrecimentos naturais da vida, típicos do cotidiano da maioria das pessoas.
Não se vislumbra situação excepcional para configurar o seu abalo moral, até porque não houve devolução de cheques, negativação ou demonstração de outras consequências financeiras.
Da doutrina colho o seguinte entendimento que reputo aplicável ao caso sub judice:
“Infelizmente o ser humano tende a abusar daquilo que é bom, máxime quando tem sabor de novidade. Podem ser encontradas atualmente no Judiciário verdadeiras ‘aventuras jurídicas’ e ‘vítimas profissionais’ de danos morais, que procuram valer-se da evolução do instituto para fins escusos e inconfessáveis, na busca do lucro desmedido. Por esta razão, o maior desafio da doutrina e da jurisprudência hoje não mais é a aceitação por dano moral, já garantida constitucionalmente, mas, paradoxalmente, estabelecer seus limites e verificar em que situação não é cabível. O uso despropositado do instituto poderá conduzi-lo ao descrédito e provocar lamentável retrocesso, em prejuízo daqueles que dele realmente merecem seus benefícios”(MOTTA, Carlos Dias. Dano Moral por abalo indevido de crédito. Revista dos tribunais, São Paulo: RT, n° 760, p. 92, fev. 1999).
Por ocasião do julgamento da Apelação Cível n. 2004.014953-0, de Lages, o eminente Des. Luiz Carlos Freyesleben consignou em seu acórdão excerto doutrinário de Antônio Jeová dos Santos, também aplicável ao caso:
“O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subsequente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimento ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu o dano moral passível de ressarcimento”.
É entendimento dos integrantes desta Segunda Câmara de Direito Civil que, regra geral, o desconto indevido em conta corrente não gera danos morais:
“DIREITO CIVIL – OBRIGAÇÕES – RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL C/C DANO MATERIAL – DESCONTO BANCÁRIO NÃO AUTORIZADO – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO MORAL – SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE – RECURSO DA AUTORA – OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR – INADIMPLEMENTO CONTRATUAL DE ESTABELECIMENTO BANCÁRIO – REFLEXOS CREDITÍCIOS INEXISTENTES – MERO DISSABOR – RECURSO DESPROVIDO – SENTENÇA MANTIDA.    Desconto em conta poupança não autorizado pelo correntista, sem nenhum outro reflexo, configura mero inadimplemento contratual, inexistindo dano indenizável, mormente porque a tolerância é um dos esteios do ordenamento jurídico” (TJSC, Apelação Cível n. 2007.064827-2, de Chapecó, deste relator, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 14-08-2008).
Em casos semelhantes, esta Segunda Câmara de Direito Civil também entende que, mesmo demonstrada a divergência de assinatura na contratação, inocorre situação capaz de gerar abalo anímico de ordem moral:
– “DIREITO CIVIL – OBRIGAÇÕES – RESPONSABILIDADE CIVIL – DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO, C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PROCEDÊNCIA EM 1º GRAU – INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES – RECURSO DO RÉU – 1. REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO – INACOLHIMENTO – PERÍCIA GRAFOTÉCNICA QUE AFERIU A DIVERGÊNCIA DA ASSINATURA DO AUTOR – […] DEVER DE INDENIZAR ABALO MORAL – COMPROMETIMENTO DE RENDA – INCOMPROVAÇÃO – MERO DISSABOR – INDENIZAÇÃO AFASTADA – RECURSO DO AUTOR OBJETIVANDO A MAJORAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO E INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA DESDE O EVENTO DANOSO PREJUDICADO – SENTENÇA REFORMADA – REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS – RECURSO DO RÉU CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO – RECURSO DO AUTOR EM PARTE CONHECIDO E IMPROVIDO.1. Atestado por perícia grafotécnica não ser do autor a assinatura aposta no contrato de empréstimo consignado e indemonstrada a regularidade da contratação, é indevido o desconto em benefício previdenciário do autor, sendo procedente o pedido declaratório de inexigibilidade de débito.2. É possível a compensação de créditos referentes àquele devido pelo réu e àquele disponibilizado na conta bancária do autor.3. Desconto não autorizado por aposentado, a título de mensalidade, sem nenhum reflexo moral ou econômico grave, não enseja indenização porque a tolerância é um dos esteios do ordenamento jurídico” (TJSC, Apelação n. 5000546-69.2020.8.24.0019, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, deste relator, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 02-12-2021).
– “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO REQUERIDO.TESE DE AUSÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. INSUBSISTÊNCIA. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. EXEGESE DA SÚMULA N. 297 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CAUSA DE PEDIR RELACIONADA À REALIZAÇÃO DE DESCONTOS EM SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO EM RAZÃO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO JAMAIS CELEBRADO. REQUERIDO QUE, EM SUA DEFESA, ACOSTOU CÓPIA DO INSTRUMENTO SUPOSTAMENTE FIRMADO. PROVA PERICIAL, ENTRETANTO, QUE CONCLUIU PELA FALSIDADE DA ASSINATURA APOSTA NO DOCUMENTO. EVENTUAL OCORRÊNCIA DE FRAUDE QUE NÃO POSSUI O CONDÃO DE AFASTAR A RESPONSABILIDADE DO REQUERIDO. […] DESCONTOS INDEVIDOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA AUTORA. ATO ILÍCITO QUE, POR SI SÓ, NÃO FAZ PRESUMIR A INCIDÊNCIA DE DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PROVA DE OFENSA A QUAISQUER DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DA DEMANDANTE. ABALO ANÍMICO NÃO EVIDENCIADO. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. SENTENÇA REFORMADA NESTE ASPECTO. […] RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO” (TJSC, Apelação n. 5006228-65.2021.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rosane Portella Wolff, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 31-03-2022).
– “APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DE AMBAS AS PARTES.RECURSO DO RÉU. PRETENSA REFORMA DA SENTENÇA. ALEGADA CONTRATAÇÃO VÁLIDA. INSUBSISTÊNCIA. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA QUE CONCLUIU PELA DIVERGÊNCIA ENTRE A ASSINATURA DA AUTORA E A CONSTANTE NO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. […] DANO MORAL. ALMEJADA REFORMA DA SENTENÇA. ALEGADA OCORRÊNCIA DE ABALO ANÍMICO. PRETENSO RECONHECIMENTO DO DEVER DE INDENIZAR. INVIABILIDADE. DESCONTO INDEVIDO QUE, POR SI SÓ, NÃO GERA A PRESUNÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O EVENTO TENHA CAUSADO CONSEQUÊNCIA GRAVE E LESIVA À DIGNIDADE DA AUTORA. SITUAÇÃO QUE NÃO DESBORDA O MERO ABORRECIMENTO. ABALO ANÍMICO NÃO EVIDENCIADO. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. […] RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS” (TJSC, Apelação n. 5029526-29.2020.8.24.0018, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rubens Schulz, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 31-01-2022).
Cumpre ressaltar que os descontos mensais de R$ 340,07 em conta bancária mensais da autora não são hábeis, por si sós, a demonstrar o seu abalo moral.
Assim, nego provimento ao recurso da autora, mantendo-se a improcedência do pedido indenizatório por danos morais.
3. Resultado do julgamento
Por tais razões, conheço do recurso da instituição financeira ré e nego-lhe provimento.
Outrossim, conheço do recurso da autora e nego-lhe provimento.
Em razão do improvimento de ambos os recursos, majora-se de 10% para 12% os honorários fixados na origem em desfavor de ambos (art. 85, §11, do CPC), com suspensão da exigibilidade da verba em relação à autora por força da justiça gratuita confirmada em sentença.
4. Dispositivo 
Em decorrência, voto no sentido de conhecer dos recursos e negar-lhes provimento.

Documento eletrônico assinado por MONTEIRO ROCHA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4205303v23 e do código CRC e0c2bbb8.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): MONTEIRO ROCHAData e Hora: 14/12/2023, às 16:11:43

Apelação Nº 0300814-97.2017.8.24.0001/SC

RELATOR: Desembargador MONTEIRO ROCHA

APELANTE: LUCINDA BELINO APELANTE: AGIBANK FINANCEIRA S.A. – CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO APELADO: OS MESMOS

EMENTA

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – OBRIGAÇÕES – RESPONSABILIDADE CIVIL – EMPRÉSTIMO PESSOAL – DESCONTOS INDEVIDOS EM CONTACORRENTE – NULIDADE DO CONTRATO FIRMADO POR PESSOA ANALFABETA – DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PARCIAL PROCEDÊNCIA EM 1º GRAU – RECURSO DE AMBAS AS PARTES – APELAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ – 1. EXIGIBILIDADE DOS DESCONTOS – INACOLHIMENTO – NULIDADE DO CONTRATO POR AUSÊNCIA DE FORMALIDADE ESSENCIAL – CONSUMIDORA ANALFABETA QUE CONTRATOU EMPRÉSTIMO MEDIANTE DOCUMENTO SEM OS REQUISITOS DA ASSINATURA A ROGO – ART. 595 DO CC/2002 – NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FORMALIDADES ESSENCIAIS DO ATO – ART. 166, IV E V, DO CC/2002 – AUTORIZAÇÃO DE DESCONTO INDEMONSTRADA – RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE AS PARTES INCOMPROVADA – PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DECLARATÓRIO E DE REPETIÇÃO MANTIDA – APELAÇÃO DA AUTORA – 2. DEVER DE INDENIZAR DANOS MORAIS – INACOLHIMENTO –  INADIMPLEMENTO CONTRATUAL DE FINANCEIRA – REFLEXOS EXTRAORDINÁRIOS INEXISTENTES – MERO DISSABOR – INDENIZAÇÃO MORAL INDEVIDA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSOS IMPROVIDOS.
1. A validade da declaração de vontade de pessoa analfabeta depende de assinatura a rogo, acompanhada por duas testemunhas ou de instrumento público, sem os quais é inválida a contratação e procedem os pleitos declaratório de inexistência de débito e de repetição de indébito.
2. Desconto indevido em contacorrente, sem nenhum outro reflexo, configura mero inadimplemento contratual, inexistindo dano  moral indenizável, mormente porque a tolerância é um dos esteios do ordenamento jurídico.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer dos recursos e negar-lhes provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 14 de dezembro de 2023.

Documento eletrônico assinado por MONTEIRO ROCHA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4205304v10 e do código CRC 22a9c16f.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): MONTEIRO ROCHAData e Hora: 14/12/2023, às 16:11:43

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/12/2023

Apelação Nº 0300814-97.2017.8.24.0001/SC

RELATOR: Desembargador MONTEIRO ROCHA

PRESIDENTE: Desembargador VOLNEI CELSO TOMAZINI

PROCURADOR(A): TYCHO BRAHE FERNANDES
APELANTE: LUCINDA BELINO ADVOGADO(A): TATIANE DERES (OAB SC041161) ADVOGADO(A): RAQUEL GUISOLPHI DE PAULA (OAB SC040544) APELANTE: AGIBANK FINANCEIRA S.A. – CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO ADVOGADO(A): WILSON SALES BELCHIOR (OAB SC029708) APELADO: OS MESMOS MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 14/12/2023, na sequência 62, disponibilizada no DJe de 27/11/2023.
Certifico que a 2ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 2ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DOS RECURSOS E NEGAR-LHES PROVIMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador MONTEIRO ROCHA
Votante: Desembargador MONTEIRO ROCHAVotante: Juíza ERICA LOURENCO DE LIMA FERREIRAVotante: Desembargadora ROSANE PORTELLA WOLFF
YAN CARVALHO DE FARIA JUNIORSecretário

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

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