Inversão do ônus da prova a consumidor por equiparação

Inversão do ônus da prova a consumidor por equiparação. Não fosse isso o bastante, não se pode olvidar que a recorrente é típica fornecedora a atuar na extração mineral (art. 3º do Código de Defesa do Consumidor) e, em casos tais, o art. 17 de tal diploma reconhece a equiparação dos terceiros atingidos pela exploração comercial, ainda que não sejam consumidores daquela atividade.Dito de outra forma, a liquidante pode, sim, ser considerada como consumidora equiparada e tal circunstância atrai a incidência do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor e a possibilidade de inversão do ônus probante e outras técnicas que o auxiliem em sua defesa judicial;

Processo: 5009081-39.2023.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Alexandre Morais da Rosa
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Oitava Câmara de Direito Civil
Julgado em: 12/12/2023
Classe: Agravo de Instrumento

Agravo de Instrumento Nº 5009081-39.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

AGRAVANTE: CARBONÍFERA METROPOLITANA S/A AGRAVADO: DANIEL TUROSSI GOULART

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por CARBONÍFERA METROPOLITANA S/A contra decisão proferida nos autos n. 50079457820228240020, nos seguintes termos [ev. 36]:
1. Trato de ação proposta por Daniel Turossi Goulart contra Carbonífera Metropolitana S/A, visando, em síntese, liquidação da sentença homologatória de acordo proferida na Ação Civil Pública n. 000022-79.2010.4.04.7204, cuja tramitação se deu no Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
O acordo homologado repousa no ev. 1 – ACORDO8 destes autos e versa sobre (i) pagamento de indenização por danos morais, (ii) danos materiais, e, (iii) participação nos resultados da lavra de extração de carvão, em favor de proprietários de imóveis.
Deferidos os benefícios da justiça gratuita [ev. 12].
Infrutífera a conciliação, a Requerida apresentou contestação [ev. 30], houve réplica [ev. 34] e vieram-me os autos para apreciação.
Esse é o relatório.
2. Decido.
Separo as teses apresentadas em Contestação para melhor enfrentá-las. 
2.1. Da justiça gratuita.
A Requerida se insurgiu contra a justiça gratuita deferida no ev. 12.
Entretanto, mantenho o benefício, sobretudo porque a renda líquida do Autor  não supera os três salários mínimos, os veículos são modestos e não há imóveis além daquele objeto desta ação, tudo devidamente comprovado no ev. 7.
Nesse sentido, a jurisprudência catarinense:
DECISÃO QUE INDEFERIU A GRATUIDADE DA JUSTIÇA. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. JUSTIÇA GRATUITA. ALEGADA CARÊNCIA FINANCEIRA. DOCUMENTAÇÃO COLACIONADA AOS AUTOS DEMONSTRANDO QUE A PARTE AGRAVANTE AUFERE MENSALMENTE PROVENTOS LÍQUIDOS INFERIORES A TRÊS SALÁRIOS MÍNIMOS. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA DEMONSTRADA NOS AUTOS. SATISFAÇÃO DOS REQUISITOS DISPOSTOS NO CAPUT DO ART. 98 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ADOÇÃO DOS CRITÉRIOS UTILIZADOS PELA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. CONCESSÃO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5030325-58.2022.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Roberto Lucas Pacheco, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 20-10-2022).
Portanto, mantenho o benefício.
2.2. Legitimidade ativa.
A legitimidade para estar em juízo guarda relação com a pertinência subjetiva, ou seja, faz-se juízo hipotético se a parte autora é a titular e a ré (caso procedente o pedido) pode prestar o objeto pretendido.
Entretanto, à luz da teoria da asserção, trata-se de matéria de mérito e como tal deverá ser analisada.
Lado outro, a matrícula anexada no ev. 1 – MATRIMÓVEL6 indica a propriedade do imóvel desde 2014 fazendo presumir ser a moradia da parte autora, até mesmo por não ser proprietária de outro bem dessa natureza, conforme documentação do ev. 07.
Ademais, consigno ser o endereço do imóvel o mesmo constante na procuração e na conta de luz do Autor [ev. 1 – docs. PROC2 e END5]. 
Também entendo ser atribuição da prova pericial analisar se a residência da autora está dentro da área da mineração e se – mesmo fora – há nexo entre a atividade da Requerida e os danos. 
Assim, mantenho hígida e legitimidade ativa da Requerente. 
2.3. Do direito material em si.
Enfrentadas as preliminares, resta dirimir a existência de nexo causal entre os danos materiais sofridos pelo imóvel, sua respectiva quantificação econômica; eventual existência de danos morais e participação nos resultados da lavra de extração de carvão.
Para tanto, entendo a necessária a produção de prova pericial, visando dirimir tais controvérsias.
2.3.1. Consigno, de antemão, ser o ônus probatório pertencente à Requerida, nos termos do artigo 2º do acordo entabulado, a saber:
Artigo 2º. Por conta da inversão do ônus da prova, o nexo de causalidade é presumido, podendo os réus, entretanto, fazerem prova de que a mineração não deu causa aos danos ambientais
Assim, o custo dos honorários periciais caberá à Requerida, a teor do que dispõe o art. 95 do CPC.
2.3.2. Nomeio como perito o Engenheiro de Minas Carlyle Torres Bezerra DE Menezes.
2.3.2.1. Caso haja recusa do profissional, deverá o Cartório Judicial nomear os seguintes profissionais: a) Luciana Rigon Carneiro Duarte; b) Elson Genoval de Liz.
2.3.3. Na impossibilidade ou recursa dos profissionais, autorizo o Cartório Judicial a nomear outro profissional no mesmo ramo de atividade [engenharia de minas ou geólogo] e com atuação nesta comarca, independente de nova conclusão dos autos.
2.3.4. Concedo às partes 15 dias para indicarem quesitos (art. 465, § 1º, III, do Código de Processo Civil) e assistente técnico (inciso II).
2.3.5. Decorrido o prazo supramencionado, intime-se o Perito para, em 10 dias, manifestar-se acerca da presente nomeação e apresentar proposta de honorários.
2.3.6. Com a resposta do Perito, dê-se vista às partes para manifestação no prazo comum de 5 dias.
2.3.7. Concordando com o valor dos honorários periciais, o pagamento deverá ser efetuado no quinquídio supramencionado.
2.3.8. O laudo deverá ser apresentado no prazo de 90 dias, contados do término do prazo de 5 dias antes fixado.
2.3.9.Com o depósito do valor dos honorários, fica autorizada a liberação de 50% ao Perito antes dos trabalhos (art. 465, § 4º, do CPC).
2.3.10. Juntado o documento, intimem-se as partes para manifestação, em 15 dias (art. 477, § 1º, do CPC), promovendo o pagamento remanescente ao Especialista na sequência.
2.4. Quesitos do juízo.
a) Se os danos ao imóvel descrito no ev. 1 – FOTO7 possuem relação com a atividade mineradora?
b) É possível quantificar os danos causados ao imóvel e o valor dos reparos?
c) A operação mineradora cumpriu cumulativamente as seguintes condições: desmonte da camada com minerador contínuo, fatores de segurança e/ou esbelteza de pilares sempre atendidos, com indicação de inexistência de risco de ruptura e ausência de danos reparáveis na superfície?
d) Existem danos supervenientes à atividade de mineração?
e) O imóvel se localiza na área de lavra? E, caso fora, os eventuais danos possuem ligação com a atividade da Requerida?
Intimem-se.
Cumpra-se.
Tudo feito, retornem conclusos.
Razões recursais [ev. 1.1]: requer a parte agravante a anulação da inversão do ônus da prova.
Decisão – efeito suspensivo [ev. 15]: indeferiu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso postulada pela parte agravante.
Contrarrazões [ev. 20]: postula pelo desprovimento do agravo.
É o relatório.

VOTO

1. ADMISSIBILIDADE
O recurso já foi conhecido na decisão do ev. 15.
2. MÉRITO
O presente agravo de instrumento foi interposto contra decisão proferida em ação de liquidação de acordo entabulado na ação civil pública n. 5001478-03.2015.4.04.7204, especificamente quanto à inversão do ônus da prova.
Afirma a agravante que o título executivo a ser liquidado prevê a inversão do ônus da prova apenas quanto aos danos ambientais [“seção I” do acordo], e não com relação aos danos materiais e morais [caso dos autos].
Assevera, ainda, que a inversão, na espécie, equivale a exigir a produção de prova negativa.
De início, destaca-se que a inversão do ônus da prova é regra de instrução, e sua determinação não afasta a necessidade de a parte demandante comprovar minimamente os fatos constitutivos do direito alegado.
No caso em análise, a inversão da carga probatória foi correta. A parte requerente, ora agravada, enquadra-se na figura do consumidor por equiparação [bystander], já que, em tese, foi vítima das consequências dos danos ambientais causados pela empresa agravante [CDC, art. 17].
Como já decidiu este Tribunal:
[…] Apesar de o acordo não ter sido exatamente específico em relação à aplicação do Código de Defesa do Consumidor em prol daqueles que reclamam a indenização civil por danos causados pela mineração de carvão, a insurgente, de forma livre e consciente, indicou que a ela caberá o ônus de comprovar a ausência de responsabilidade pelos prejuízos, conforme se pode inferir do art. 8 do citado ajuste (e nada há nos autos a indicar que tal negócio jurídico está eivado de nulidade e, por isto, presume-se válido e eficaz)Não fosse isso o bastante, não se pode olvidar que a recorrente é típica fornecedora a atuar na extração mineral (art. 3º do Código de Defesa do Consumidor) e, em casos tais, o art. 17 de tal diploma reconhece a equiparação dos terceiros atingidos pela exploração comercial, ainda que não sejam consumidores daquela atividade.Dito de outra forma, a liquidante pode, sim, ser considerada como consumidora equiparada e tal circunstância atrai a incidência do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor e a possibilidade de inversão do ônus probante e outras técnicas que o auxiliem em sua defesa judicial; e o silêncio do acordo em tal aspecto não pode significar a não aplicação de regras legais cogentes, pois não parece ser o caso de se mitigar regra de importância constitucional (art. 5º, XXXII, da Carta Magna) apenas em prol do interesse de uma das partes. [TJSC. Agravo de Instrumento n. 5009134-20.2023.8.24.0000. Relator: Des. Luiz Felipe Schuch. Quarta Câmara de Direito Civil. Julgada em 26.01.2023].
Ademais, não há que se falar em cerceamento de defesa, pois a agravante continua habilitada a requerer qualquer um dos tipos de prova admissíveis em direito, consoante previsto na seção II do acordo homologado nos autos de n. 5001478-03.2015.4.04.7204.
Mantém-se, pois, a decisão agravada.
3. DISPOSITIVO
Por tais razões, voto por conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE MORAIS DA ROSA, Juiz de Direito de Segundo Grau, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4199356v8 e do código CRC e0e661f9.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ALEXANDRE MORAIS DA ROSAData e Hora: 12/12/2023, às 19:17:55

Agravo de Instrumento Nº 5009081-39.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

AGRAVANTE: CARBONÍFERA METROPOLITANA S/A AGRAVADO: DANIEL TUROSSI GOULART

EMENTA

LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA DE ACORDO HOMOLOGADO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM FAVOR DO LIQUIDANTE. INSURGÊNCIA DA EMPRESA LIQUIDADA. INSUBSISTÊNCIA. ENQUADRAMENTO DA PARTE AGRAVADA NA FIGURA DO CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO [BYSTANDER]. POSSÍVEL VÍTIMA DAS CONSEQUÊNCIAS DOS DANOS AMBIENTAIS CAUSADOS PELA ATIVIDADE CARBONÍFERA DESENVOLVIDA PELA AGRAVANTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 17 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.  DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 12 de dezembro de 2023.

Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE MORAIS DA ROSA, Juiz de Direito de Segundo Grau, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4199357v5 e do código CRC 81243128.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ALEXANDRE MORAIS DA ROSAData e Hora: 12/12/2023, às 19:17:55

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 12/12/2023

Agravo de Instrumento Nº 5009081-39.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

PRESIDENTE: Desembargador ALEX HELENO SANTORE

PROCURADOR(A): MURILO CASEMIRO MATTOS
AGRAVANTE: CARBONÍFERA METROPOLITANA S/A ADVOGADO(A): SÉRGIO CLEMES (OAB SC011789) AGRAVADO: DANIEL TUROSSI GOULART ADVOGADO(A): GABRIEL SCHONFELDER DE SOUZA (OAB SC018390) ADVOGADO(A): RAFAEL DAGOSTIN DA SILVA (OAB SC037322)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 12/12/2023, na sequência 155, disponibilizada no DJe de 22/11/2023.
Certifico que a 8ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 8ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
Votante: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSAVotante: Desembargador ALEX HELENO SANTOREVotante: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART
MARCIA CRISTINA ULSENHEIMERSecretária

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: