Parcelamento do débito exonera o fiador da garantia?

A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que o simples parcelamento do débito não constitui novação contratual capaz de exonerar os fiadores da garantia prestada:

Processo: 5010031-48.2023.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Monteiro Rocha
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil
Julgado em: 24/08/2023
Classe: Agravo de Instrumento

Agravo de Instrumento Nº 5010031-48.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador MONTEIRO ROCHA

AGRAVANTE: ADAO SILVA DA ROSA AGRAVANTE: LUIZA PORTO DA ROSA AGRAVADO: ALLIANCE ONE BRASIL EXPORTADORA DE TABACOS LTDA.

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Adão Silva da Rosa e Luiza Porto da Rosa contra decisão interlocutória proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de Santa Rosa do Sul no cumprimento de sentença que move Alliance One Brasil Exportadora de Tabacos Ltda.
Extrai-se do decisum agravado, que rejeitou a exceção de pré-executividade (evento 114 da origem):
Alegaram os executados que, nos autos principais, foi realizado acordo somente entre o credor e o devedor, sendo que os fiadores não compareceram no ato, afirmando que o advogado sequer representava os mesmos. Assim, pugnaram pela extinção da execução quanto aos executados Adão e Luiza, ante a inexistência de título judicial em relação aos mesmos. Pois bem. Da análise dos autos, verifica-se que de fato os executados/fiadores não compareceram na audiência conciliatória na qual restou homologado o acordo entre o credor e o devedor (Ev. 1, 10, p. 1). Entretanto, tem-se que, embora de fato o substabelecimento juntado no Ev. 9, 1, tenha outorgado poderes tão somente para o executado Dorizete dos Santos Porto, verifica-se que tal ato ocorreu por mero engano da procuradora Viviane Ramos da Silva de Freitas, salientando-se que na procuração, somente o nome do executado Dorizete estava em negrito, o que evidentemente levou a advogada, no momento do substabelecimento, substabelecer poderes tão somente quanto ao executado Dorizete. Ademais, destaca-se que, se de fato o substabelecimento não tivesse abarcado os demais executados, a ação principal teria sido extinta quanto aos mesmos por outro motivo que não a homologação do acordo, o que não aconteceu, eis que nos autos principais que teve a homologação do acordo e extinguiu o feito com relação a todos os executados, com a posterior declaração do trânsito em julgado e o arquivamento definitivo do feito, conforme verifica-se no processo principal no sistema SAJ, sem qualquer insurgência/recurso dos excipientes. Assim, tenho que os executados Adão e Luiza foram representados por advogado constituído na audiência conciliatória em que foi realizado e homologado acordo (Ev. 1, 10, p. 1), razão pela qual, não há que se falar em nulidade do título judicial ou ilegitimidade passiva dos mesmos.
Inconformados, os agravantes Adão e Luiza alegam que o acordo exequendo foi firmado por Dorizete a agravada; que o juízo inicialmente reconheceu a ilegitimidade passiva dos agravantes, que depois reconsiderou; que o procurador presente na audiência não tinha poderes para representar os agravantes, de modo que não são coresponsáveis pela dívida (evento 1).
Não concedi o efeito suspensivo pleiteado (evento 11).
Aportaram contrarrazões (evento 17).
É o relatório.

VOTO

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória proferida em sede de cumprimento de sentença, a qual rejeitou a exceção de pré-executividade.
Adianto que o reclamo, apesar de conhecido, não merece provimento.
Os agravantes Adão e Luiza alegam que o acordo exequendo foi firmado por Dorizete a agravada; que o juízo inicialmente reconheceu a ilegitimidade passiva dos agravantes, que depois reconsiderou; que o procurador presente na audiência não tinha poderes para representar os agravantes, de modo que não são coresponsáveis pela dívida (evento 1).
Para melhor elucidação do caso, faz-se análise dos autos de origem, que tratam do cumprimento de sentença n. 50000057920188240189.
De fato, em um primeiro momento, o juízo reconheceu a ilegitimidade passiva dos agravantes (evento 37):
Trata-se de cumprimento de sentença movida em face dos executados Dorizete dos Santos Porto, Adão Silva da Rosa e Luiza Porto da Rosa, contudo, o título executivo judicial de p. 21 refere-se apenas à executada Dorizete. Compulsando os autos, verifica-se ainda que a execução foi recebida e teve prosseguimento com relação a todos os executados, ocorrendo a tentativa de intimação de todos eles para que efetuassem o pagamento voluntário do débito. Importante salientar que não foi juntada a certidão de citação da executada nos autos, sendo este, documentos essencial para fins de aplicação do disposto no art. 513, §3º, do CPC. Assim: I. Considerando que somente a executada Dorizete dos Santos Porto é parte legitima na presente execução, declaro nulo todos os atos praticados a partir da decisão de p. 26.
A exequente – ora agravada – se manifestou apontando equívoco na decisão e requerendo a sua resconsideração (evento 41):
O equívoco do Juízo é constatado através dos documentos anexados aos autos, Primeiro diante da juntada da procuração (f. 20) e do substabelecimento (f. 19), onde os Réus (Donizete – Adão e Luiza), outorgam procuração ao Advogado com poderes para transigir. Segundo, referido documento comprova a citação dos mesmos no processo principal, sendo desnecessário qualquer outra prova. Terceiro, o termo de acordo firmado a f. 21, relativo ao item 4 “Acordam as partes que permanecem imutáveis as garantias anteriormente ofertadas…”. Quanto, no item 1 do acordo menciona “A parte Ré pagará a parte autora”, isto é a parte Ré significa todos os réus, e não somente o Réu Dorizete dos Santos Porto. Referido acordo é assinado pelo Advogado dos Executados, legalmente constituído para o ato, e com poderes para transigir e desta forma o cumprimento de sentença deve seguir contra todos os citados na inicial.
O juízo acolheu o pedido e reconsiderou a decisão, mantendo Adão e Luiza no polo passivo da lide (evento 44):
Em atenção à petição do Ev. 41, razão assiste ao procurador da parte exequente, uma vez que, embora os executados Adão Silva da Rosa e Luiza Porto da Rosa não estivessem presentes na solenidade na qual foi realizado acordo, cuja homologação constitui o título judicial ora executado (Ev. 1, 10), estes estavam representados no ato por procurador constituído com poderes para transigir, conforme instrumentos acostados no “evento 1,9”, de forma que é válida a constituição do título em desfavor dos referidos devedores. Dessa forma, RECONSIDERO a decisão lançada no evento 37, mantendo-se no polo passivo da ação os executados Adão Silva da Rosa e Luiza Porto da Rosa.
Com o prosseguimento dos atos expropriatórios e o bloqueio de valores em conta, aportou impugnação à penhora por parte de Adão e Luiza, ora agravantes (evento 71), a qual foi acolhida pelo juízo por se tratarem de verbas impenhoráveis (evento 80).
A parte exequente indicou bens à penhora (evento 90), pelo que o juízo determinou a intimação dos executados para manifestação (evento 92). Aportou, então, a exceção de pré-executividade, que pleiteou pelo reconhecimento da ilegitimidade passiva de Adão e Luiza ante a falta de anuência dos fiadores no acordo firmado (evento 108). Em manifestação, a parte exequente alegou a preclusão da matéria e, ainda, a legitimidade das partes (evento 112).
Dai adveio a decisão agravada, transcrita no relatório que acompanha este voto, a qual manteve os fiadores na execução.
Dito isso, há que se voltar atenção aos autos da ação de conhecimento (cobrança), autuada sob n. 0500099-65.2012.8.24.0189 (SAJ), donde fora firmado o acordo exequendo. Em audiência, ocorreu:
Feita a proposta conciliatória, esta restou exitosa nos seguintes termos: 1) A parte ré pagará à parte autora a importância de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), dividida em 20 parcelas anuais e sucessivas no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais). As parcelas serão acrescidas de juros anuais de 6%, sem acréscimo de correção monetária, iniciando-se a contagem no dia 30/03/2015. A primeira parcela vencerá no dia 30/03/2016, e as demais no mesmo vencimento anual. O não pagamento de uma parcela importará no vencimento antecipado de toda a dívida, acrescido de multa de 10% sobre o saldo. 2) Acordam as partes que permanecem imutáveis as garantias anteriormente ofertadas, e que eventuais restrições do nome dos réus ao crédito serão retirados no prazo máximo de 10 dias. 3) Com o pagamento, a parte autora dá plena quitação da dívida à parte ré. 4) Renunciam ao prazo recursal e requerem o julgamento do processo, com a consequente homologação do acordo.
Neste ato, compareceram autor (preposto) e seu procurador (Dr. Reinaldo), bem como o réu Dorizete e seu procurador (Dr. Marcelo), não tendo contado com a presença dos fiadores Adão e Luiza.
Destaca-se que os réus Dorizete, Adão e Luiza firmaram procuração em favor da Dra. Viviani naqueles autos. Todavia, ao substabelecer em favor do Dr. Marcelo – que participou da audiência ao lado de Dorizete -, a advogada substabeleceu os poderes outorgados pela ré, sem menção aos fiadores Adão e Luiza. Dai o surgimento da celeuma que ora se aprecia.
Pois bem.
A exceção de pré-executividade é instituto de construção doutrinária e jurisprudencial que pode ser arguida a qualquer tempo, uma vez que encerra questões de ordem pública inerentes à execucional. 
É cediço que referida exceção só poderá ser manejada em casos excepcionais, quando manifesta a nulidade do título ou do processo de execução, cujo reconhecimento deveria ter sido declarado de ofício, não se estendendo a questões diversas ou que demandem dilação probatória (incompatível com o procedimento da execução), como é o presente caso.
Tenho, portanto, as razões para entender pela legitimidade da cobrança em face dos agravantes: (i) o acordo judicial não lhes trouxe prejuízo, mas a conceção de prazo e descontos para quitação de dívidas; (ii) houve menção expressa à conservação das garantias ofertadas no negócio originário; (iii) os fiadores não se valeram da iniciativa prevista no art. 835 do Código Civil; (iv) o parcelamento da dívida não traduz novação, pois não há diversidade substancial entre as duas dívidas (a nova e a anterior).
A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que o simples parcelamento do débito não constitui novação contratual capaz de exonerar os fiadores da garantia prestada:
LOCAÇÃO E PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. PARCELAMENTO DO DÉBITO. NOVAÇÃO NÃO CONFIGURADA. EXONERAÇÃO DO FIADOR. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou o entendimento de que o simples parcelamento do débito entre locador e locatário não constitui novação contratual, capaz de exonerar os fiadores da garantia prestada. Precedentes. 2. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no AgRg no REsp n. 966.339/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 23/3/2010, DJe de 3/5/2010.)
Assim, ainda que não estivessem representados na audiência em que formalizado o acordo, não há como se proceder à exclusão dos agravados do polo passivo da execução.
Resultado do julgamento
Em decorrência, conheço do recurso dos executados e nego-lhe provimento. Sem honorários, porque incabíveis à espécie.
Dispositivo
Em decorrência, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

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Agravo de Instrumento Nº 5010031-48.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador MONTEIRO ROCHA

AGRAVANTE: ADAO SILVA DA ROSA AGRAVANTE: LUIZA PORTO DA ROSA AGRAVADO: ALLIANCE ONE BRASIL EXPORTADORA DE TABACOS LTDA.

EMENTA

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – INTERLCUTÓRIO QUE REJEITOU EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – INSURGÊNCIA DOS EXECUTADOS – FIADORES QUE NÃO PARTICIPARAM DA AUDIÊNCIA EM QUE ENTABULADO ACORDO – ALEGADA ILEGITIMIDADE PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO – NÃO ACOLHIMENTO – PARCELAMENTO QUE NÃO SE TRADUZ EM NOVAÇÃO – PRECEDENTES DO STJ – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO – DECISÃO MANTIDA.
O simples parcelamento do débito não constitui novação contratual capaz de exonerar os fiadores da garantia prestada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 24 de agosto de 2023.

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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 24/08/2023

Agravo de Instrumento Nº 5010031-48.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador MONTEIRO ROCHA

PRESIDENTE: Desembargador VOLNEI CELSO TOMAZINI

PROCURADOR(A): ANDREAS EISELE
AGRAVANTE: ADAO SILVA DA ROSA ADVOGADO(A): LARISSA BARROS TORRES (OAB SC059070) AGRAVANTE: LUIZA PORTO DA ROSA ADVOGADO(A): LARISSA BARROS TORRES (OAB SC059070) AGRAVADO: ALLIANCE ONE BRASIL EXPORTADORA DE TABACOS LTDA. ADVOGADO(A): VOLNEI GIASSI (OAB SC024810) ADVOGADO(A): REINALDO PEREIRA (OAB SC023454)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 24/08/2023, na sequência 50, disponibilizada no DJe de 07/08/2023.
Certifico que a 2ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 2ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador MONTEIRO ROCHA
Votante: Desembargador MONTEIRO ROCHAVotante: Desembargador SEBASTIÃO CÉSAR EVANGELISTAVotante: Desembargador VOLNEI CELSO TOMAZINI
YAN CARVALHO DE FARIA JUNIORSecretário

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