Pode ter Airbnb em condomínio residencial?

O Superior Tribunal de Justiça, em julgamentos realizados pelas Terceira e Quarta Turmas, afirmou que, havendo previsão na convenção de condomínio quanto a destinação residencial das unidades, os proprietários/condôminos não poderão alugar seus imóveis por meio de plataformas digitais como o AIRBNB.

Processo: 5004824-68.2023.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Ricardo Fontes
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Quinta Câmara de Direito Civil
Julgado em: 10/10/2023
Classe: Agravo de Instrumento

Agravo de Instrumento Nº 5004824-68.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador RICARDO FONTES

AGRAVANTE: CELIO CESAR PACKER AGRAVADO: CONDOMINIO DO EDIFICIO RESIDENCIAL PARIS

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Célio César Packer contra decisão proferida pela MMa. Juíza de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Indaial que, nos autos da ação mandamental e condenatória n. 5006295-60.2022.8.24.0031, indeferiu pedido de tutela de urgência (Evento 8, E-Proc 1G).
O agravante argumenta, em linhas gerais, que: a) é proprietário de imóvel localizado na Rua Minas Gerais, n. 697, apartamento n. 603, Condomínio Residencial Paris, bairro dos Estados, Indaial/SC; b) realizou cadastro no aplicativo AIRBNB para a locação de quarto em seu apartamento; c) o condomínio, por “discordâncias e implicâncias pessoais” do síndico, proibiu a locação; d) a Convenção de Condomínio não proíbe a locação residencial por curta temporada; e) “não se trata de hospedagem de grupo de pessoas desconhecidas, perigosas e barulhentos, na forma de hotelaria, mas sim de abrigo para, no máximo, duas pessoas para que desfrute de alguns dias na cidade à lazer, trabalho ou/e outros afazeres, tudo isso sob a vigilância do agravante, que reside no mesmo apartamento do quarto divulgado”; f) não pode haver a equiparação com hotelaria, pois não fornecerá serviços de alimentação; g) a decisão discricionária do condomínio viola seu direito à propriedade privada; e h) deve ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor.
Indeferida antecipação dos efeitos da tutela recursal (Evento 9, E-Proc 1G).
Apresentadas as contrarrazões (Evento 14, E-Proc 2G).
Após, o instrumento retornou concluso para julgamento.

VOTO

O recurso envereda contra decisão interlocutória que indeferiu pedido de tutela de urgência para determinar que o condomínio réu se abstenha de proibir a locação do imóvel pelo site AIRBNB e deixe de aplicar multa pela referida utilização do bem.
Inicialmente, “não se aplicam as normas do Código de Defesa do Consumidor às relações jurídicas estabelecidas entre condomínio e condôminos” (STJ, AgRg no Ag 1122191/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 22-6-2010).
No mérito, o pedido do autor/agravante está vinculado à remoção de suposto ato ilícito decorrente da proibição pelo condomínio réu/agravado de locação de quarto pelo aplicativo AIRBNB.
Nesse ínterim, a tutela inibitória/de remoção do ilícito é ferramenta processual com o objetivo de impedir a prática, a repetição ou a continuidade de ilícito e requer para a sua concessão somente a probabilidade do direito – art. 497, parágrafo único, do Código de Processo Civil:
Art. 497.  Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.
Parágrafo único.  Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.
Ainda, Luiz Guilherme Marinoni tece a seguinte lição sobre a matéria:
A tutela antecipatória não requer, nesses casos, a probabilidade de dano irreparável ou de difícil reparação. A ideia de subordinar a tutela antecipatória ao dano provável está relacionada a uma visão das tutelas que desconsidera a necessidade de tutela dirigida unicamente contra o ilícito. Se há necessidade de tutela destinada a evitar ou remover o ilícito, independentemente do dano que eventualmente possa por ele ser gerado, a tutela antecipatória, seja de inibição ou de remoção, também não deve se preocupar com o dano. No caso de inibição, basta probabilidade de que venha a ser praticado ato ilícito, enquanto que, na remoção, é suficiente a probabilidade de que tenha sido praticado ato ilícito. (https://www.mpmg.mp.br/data/files/80/10/52/54/DA44A7109CEB34A7760849A8/Tutela%20Inibitoria%20e%20Tutela%20de%20Remocao%20do%20Ilicito.pdf)
Contudo, em análise preliminar e não exauriente da questão, não se observa manifesta e notória ilicitude na proibição de locação efetuada pelo condomínio réu/agravado (Evento 1, NOT12, E-Proc 1G).
Explica-se.
O Superior Tribunal de Justiça1, em julgamentos realizados pelas Terceira e Quarta Turmas, afirmou que, havendo previsão na convenção de condomínio quanto a destinação residencial das unidades, os proprietários/condôminos não poderão alugar seus imóveis por meio de plataformas digitais como o AIRBNB.
Nesse sentido, veja-se o elucidador precedente:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO RESIDENCIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. LOCAÇÃO FRACIONADA DE IMÓVEL PARA PESSOAS SEM VÍNCULO ENTRE SI, POR CURTOS PERÍODOS. CONTRATAÇÕES CONCOMITANTES, INDEPENDENTES E INFORMAIS, POR PRAZOS VARIADOS. OFERTA POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS ESPECIALIZADAS DIVERSAS. HOSPEDAGEM ATÍPICA. USO NÃO RESIDENCIAL DA UNIDADE CONDOMINIAL. ALTA ROTATIVIDADE, COM POTENCIAL AMEAÇA À SEGURANÇA, AO SOSSEGO E À SAÚDE DOS CONDÔMINOS. CONTRARIEDADE À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO QUE PREVÊ DESTINAÇÃO RESIDENCIAL. RECURSO IMPROVIDO.
1. Os conceitos de domicílio e residência (CC/2002, arts. 70 a 78), centrados na ideia de permanência e habitualidade, não se coadunam com as características de transitoriedade, eventualidade e temporariedade efêmera, presentes na hospedagem, particularmente naqueles moldes anunciados por meio de plataformas digitais de hospedagem.
2. Na hipótese, tem-se um contrato atípico de hospedagem, que se equipara à nova modalidade surgida nos dias atuais, marcados pelos influxos da avançada tecnologia e pelas facilidades de comunicação e acesso proporcionadas pela rede mundial da internet, e que se vem tornando bastante popular, de um lado, como forma de incremento ou complementação de renda de senhorios, e, de outro, de obtenção, por viajantes e outros interessados, de acolhida e abrigo de reduzido custo.
3. Trata-se de modalidade singela e inovadora de hospedagem de pessoas, sem vínculo entre si, em ambientes físicos de estrutura típica residencial familiar, exercida sem inerente profissionalismo por aquele que atua na produção desse serviço para os interessados, sendo a atividade comumente anunciada por meio de plataformas digitais variadas. As ofertas são feitas por proprietários ou possuidores de imóveis de padrão residencial, dotados de espaços ociosos, aptos ou adaptados para acomodar, com certa privacidade e limitado conforto, o interessado, atendendo, geralmente, à demanda de pessoas menos exigentes, como jovens estudantes ou viajantes, estes por motivação turística ou laboral, atraídos pelos baixos preços cobrados.
4. Embora aparentemente lícita, essa peculiar recente forma de hospedagem não encontra, ainda, clara definição doutrinária, nem tem legislação reguladora no Brasil, e, registre-se, não se confunde com aquelas espécies tradicionais de locação, regidas pela Lei 8.245/91, nem mesmo com aquela menos antiga, genericamente denominada de aluguel por temporada (art. 48 da Lei de Locações).
5. Diferentemente do caso sob exame, a locação por temporada não prevê aluguel informal e fracionado de quartos existentes num imóvel para hospedagem de distintas pessoas estranhas entre si, mas sim a locação plena e formalizada de imóvel adequado a servir de residência temporária para determinado locatário e, por óbvio, seus familiares ou amigos, por prazo não superior a noventa dias.
6. Tampouco a nova modalidade de hospedagem se enquadra dentre os usuais tipos de hospedagem ofertados, de modo formal e profissionalizado, por hotéis, pousadas, hospedarias, motéis e outros estabelecimentos da rede tradicional provisora de alojamento, conforto e variados serviços à clientela, regida pela Lei 11.771/2008.
7. O direito de o proprietário condômino usar, gozar e dispor livremente do seu bem imóvel, nos termos dos arts. 1.228 e 1.335 do Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/64, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no Condomínio, de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício.
8. O Código Civil, em seus arts. 1.333 e 1.334, concede autonomia e força normativa à convenção de condomínio regularmente aprovada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente. Portanto, existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se indevido o uso de unidades particulares que, por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela finalidade (CC/2002, arts. 1.332, III, e 1.336, IV).
9. Não obstante, ressalva-se a possibilidade de os próprios condôminos de um condomínio edilício de fim residencial deliberarem em assembleia, por maioria qualificada (de dois terços das frações ideais), permitir a utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem atípica, por intermédio de plataformas digitais ou outra modalidade de oferta, ampliando o uso para além do estritamente residencial e, posteriormente, querendo, incorporarem essa modificação à Convenção do Condomínio.
10. Recurso especial desprovido. (REsp n. 1.819.075/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, relator para acórdão Min. Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20-4-2021, DJe de 27-5-2021, sem destaque no original).
Na espécie, as unidades autônomas possuem uso exclusivo residencial (art. 1º do Regimento Interno – Evento 1, INF10, E-Proc 1G) e há expressa proibição de utilização do apartamento “para a exploração de qualquer ramo ou atividade comercial, industrial, hoteleira, pensão, albergue, consultórios, laboratórios, enfermarias, clínicas, salões de beleza, clubes de qualquer tipo ou agremiações, inclusive políticas, bem como para depósito de qualquer objeto capaz de causar danos ao prédio” (art. 9º, alínea “c”, Convenção de Condomínio – Evento 1, INF11, E-Proc 1G).
Além disso, na Assembleia Geral Ordinária realizada em 15-5-2023, os condôminos presentes em segunda convocação foram contrários a realização de Assembleia Extraordinária com o objetivo de “alterar o Regimento Interno e a Convenção de Condomínio para se destinar a fins residenciais e comerciais, assim, fazendo a alteração, o uso da hospedagem seria liberado” (Evento 14, OUT3, E-Proc 2G).
Desse modo, considerando os citados precedentes do Superior Tribunal de Justiça e a previsão expressa de destinação exclusiva residencial (art. 1º do Regimento Interno e art. 9º, alínea “c”, da Convenção de Condomínio – Evento 1, INF10-11, E-Proc 1G), não se observa manifesta e notória ilicitude na proibição de locação efetuada pelo condomínio réu/agravado (Evento 1, NOT12, E-Proc 1G).
Assim, agiu com acerto a autoridade judiciária de primeiro grau ao indeferir tutela inibitória, motivo porque o presente recurso de agravo de instrumento deve ser desprovido.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso de agravo de instrumento.

Documento eletrônico assinado por RICARDO OROFINO DA LUZ FONTES, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3981408v16 e do código CRC 9ee0ac3f.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): RICARDO OROFINO DA LUZ FONTESData e Hora: 13/10/2023, às 14:56:37

1. REsp n. 1.884.483/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 23/11/2021 e REsp n. 1.819.075/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, relator para acórdão Min. Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/4/2021.



Agravo de Instrumento Nº 5004824-68.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador RICARDO FONTES

AGRAVANTE: CELIO CESAR PACKER AGRAVADO: CONDOMINIO DO EDIFICIO RESIDENCIAL PARIS

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO MANDAMENTAL E CONDENATÓRIA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. TUTELA PROVISÓRIA INDEFERIDA À ORIGEM. RECURSO DO AUTOR.
RELAÇÃO DE CONSUMO. NÃO OCORRÊNCIA. RELAÇÃO CÍVEL ENTRE CONDOMÍNIO E CONDÔMINO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
TUTELA PROVISÓRIA. REMOÇÃO DE ATO ILÍCITO. ART. 497, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. LOCAÇÃO PARCIAL DE APARTAMENTO EM PLATAFORMA DIGITAL (AIRBNB). HOSPEDAGEM ATÍPICA. EXPRESSA PROIBIÇÃO NO REGIMENTO INTERNO E NA CONVEÇÃO DE CONDOMÍNIO. AUSÊNCIA DE MANIFESTA E NOTÓRIA ILICITUDE NA PROIBIÇÃO DE LOCAÇÃO EFETUADA PELO CONDOMÍNIO. DECISÃO MANTIDA.
O Superior Tribunal de Justiça, em julgamentos realizados pelas Terceira e Quarta Turmas, afirmou que, havendo previsão na convenção de condomínio quanto a destinação residencial das unidades, os proprietários/condôminos não poderão alugar seus imóveis por meio de plataformas digitais como o AIRBNB (REsp n. 1.884.483/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 23-11-2021 e REsp n. 1.819.075/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, relator para acórdão Min. Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20-4-2021).
RECURSO DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso de agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 10 de outubro de 2023.

Documento eletrônico assinado por RICARDO OROFINO DA LUZ FONTES, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3981409v7 e do código CRC 187abd48.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): RICARDO OROFINO DA LUZ FONTESData e Hora: 13/10/2023, às 14:56:37

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/10/2023

Agravo de Instrumento Nº 5004824-68.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador RICARDO FONTES

PRESIDENTE: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS

PROCURADOR(A): ELIANA VOLCATO NUNES
AGRAVANTE: CELIO CESAR PACKER ADVOGADO(A): ANDRE PACKER WEISS (OAB SC032677) AGRAVADO: CONDOMINIO DO EDIFICIO RESIDENCIAL PARIS ADVOGADO(A): GISELA KARINA TESTONI DIAS (OAB SC025431)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 10/10/2023, na sequência 70, disponibilizada no DJe de 25/09/2023.
Certifico que a 5ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 5ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador RICARDO FONTES
Votante: Desembargador RICARDO FONTESVotante: Desembargador JAIRO FERNANDES GONÇALVESVotante: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA
ROMILDA ROCHA MANSURSecretária

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

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