Prescrição e consumidor por equiparação

Prescrição e consumidor por equiparação. A instituição financeira enquadra-se no conceito de fornecedor, previsto no art. 3º, caput, do CDC, ao passo que o demandante, muito embora sustente a inexistência da relação jurídica em comento, figura como consumidor por equiparação, a teor do art. 17 do CDC.

Processo: 5020024-89.2022.8.24.0020 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Álvaro Luiz Pereira de Andrade
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Sétima Câmara de Direito Civil
Julgado em: 21/09/2023
Classe: Apelação Citações – Art. 927, CPC: Súmulas STJ:1, 83

Apelação Nº 5020024-89.2022.8.24.0020/SC

RELATOR: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE

APELANTE: JORGE LUIZ DA SILVA (AUTOR) APELADO: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível da sentença que reconheceu a prescrição da pretensão do autor na “ação declaratória de direito com restituição de valores, danos morais, obrigação de fazer” em epígrafe.
Adota-se o relatório da decisão recorrida:
JORGE LUIZ DA SILVA formulou pedidos de natureza declaratória e condenatória contra BANCO ITAU CONSIGNADO S.A., narrando que: a) é pensionista do INSS; b) o respectivo extrato de empréstimo consignado apontou a existência de contrato que não formalizou, prevendo empréstimo a ser pago mediante consignação em seu benefício previdenciário.
Por não ter contratado a obtenção de tal empréstimo, pediu: a) a declaração da inexistência da relação jurídica correlata; b) a repetição em dobro dos valores debitados do seu benefício previdenciário; c) a condenação do réu ao pagamento de uma indenização para compensar os danos extrapatrimoniais suportados em razão dessa conduta.
Acrescenta-se que a sentença (Evento 16) apresenta a seguinte parte dispositiva:
Ante o exposto, resolvendo o mérito (art. 487, II, do CPC), RECONHEÇO A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO formulada na inicial por JORGE LUIZ DA SILVA contra BANCO ITAU CONSIGNADO S.A..
Condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e dos honorários sucumbenciais, arbitrados estes em 10% sobre o valor da causa (devidamente corrigido pelo INPC/IBGE desde a data da propositura da demanda).
A exigibilidade das despesas processuais e dos honorários advocatícios, entretanto, está suspensa com relação à parte autora, durante o prazo extintivo de 5 (cinco) anos, em face da concessão dos benefícios da gratuidade da justiça, nos termos dos arts. 98 a 102 do CPC e da Lei 1.060/1950. 
Sobrevindo informações acerca da existência de despesas processuais (custas e/ou diligências) remanescentes, defiro a restituição.
As partes ficam cientes da aplicação do art. 513 e ss c/c 523 do CPC.
Com o trânsito em julgado e ultimadas as providências, arquivem-se os autos.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
O demandante interpôs recurso de apelação (Evento 19), alegando, em linhas gerais, que: (i) desde dezembro/2014, passou a sofrer descontos em seus proventos, oriundos do contrato de empréstimo consignado discutido; (ii) tendo ciência dos fatos, entrou em contato com o requerido por meio da Central de Atendimento, mas as informações sobre o negócio jurídico não lhe foram prestadas; (iii) para a obtenção e o acesso ao suposto contrato, foi ajuizada a ação de produção antecipada de provas n. 0302212-08.2018.8.24.0175; (iv) o último desconto promovido pelo réu ocorreu em julho/2016 e o contrato foi apresentado em janeiro/2019, de sorte que não transcorrido o prazo prescricional na situação vertente.   
Contrarrazões (Evento 13 – 2G), aplaudindo a sentença.
É o suficiente relatório.

VOTO

Presentes os respectivos pressupostos de admissibilidade, passa-se à análise das razões recursais.
Cinge-se a controvérsia a verificar se, de fato, a pretensão do autor encontra-se fulminada pela prescrição.
O apelo, adianta-se, não comporta provimento.
De início, cumpre pontuar que a questão controversa deve ser analisada à luz das normas consumeristas.
Isso porque a instituição financeira enquadra-se no conceito de fornecedor, previsto no art. 3º, caput, do CDC, ao passo que o demandante, muito embora sustente a inexistência da relação jurídica em comento, figura como consumidor por equiparação, a teor do art. 17 do CDC.
Aplicável à espécie, portanto, o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do CDC, conforme dita a remansosa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. PRECEDENTES. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. DATA DO ÚLTIMO DESCONTO. ACÓRDÃO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA N. 83/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.1. A jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior é no sentido de que, fundando-se o pedido na ausência de contratação de empréstimo com instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo quinquenal previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor.2. Em relação ao termo inicial, insta esclarecer que a jurisprudência desta Casa é firme no sentido de que o prazo prescricional para o exercício da referida pretensão flui a partir da data do último desconto no benefício previdenciário.3. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp n. 1.728.230/MS, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 8/3/2021, DJe de 15/3/2021.) (grifos nossos)
Feita essa consideração, quanto ao termo inicial de contagem do prazo prescricional, o autor entende que deve ser considerada a data da apresentação do contrato objeto da demanda na ação de produção antecipada de provas (autos n. 0302212-08.2018.8.24.0175), qual seja, janeiro/2019.
Sem razão, contudo.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que, nas demandas em que a causa de pedir tem por fundamento a inexistência do débito, o prazo prescricional para o exercício da respectiva pretensão deve fluir a partir da data do último desconto perpetrado pela instituição financeira.
Veja-se:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC.2. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes.3. O entendimento adotado pelo acórdão recorrido coincide com a jurisprudência assente desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula 83/STJ.4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 1.799.862/MS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 29/6/2020, DJe de 5/8/2020.) (grifos nossos)
A jurisprudência deste Tribunal de Justiça não destoa:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA, COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS E PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ALEGAÇÃO DE DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO ALEGADAMENTE NÃO FIRMADO PELA PARTE AUTORA. RECONHECIMENTO, PELO MAGISTRADO, DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO, COM BASE NO ART. 27 DO CDC. INSURGÊNCIA DA AUTORA. RELAÇÃO SUBMETIDA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRETENSÃO FUNDADA EM SUPOSTO FATO DO SERVIÇO. INCIDÊNCIA DO PRAZO QUINQUENAL DO ART. 27 DO CDC. TERMO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO. DATA DO ÚLTIMO DESCONTO OPERADO EM FOLHA DE PAGAMENTO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5028180-66.2022.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 27-06-2023). (grifos nossos)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA.ALEGADA INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL QUE SE DÁ COM O CONHECIMENTO DO DANO E SUA AUTORIA. NÃO ACOLHIMENTO. PRAZO PRESCRICIONAL DE 5 (CINCO) ANOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 27 DO CDC. TERMO INICIAL A PARTIR DO ÚLTIMO DESCONTO INDEVIDO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. PRETENSÃO ATINGIDA PELA PRESCRIÇÃO NO CASO CONCRETO. SENTENÇA MANTIDA.1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes. […] (AgInt no AREsp n. 1.412.088/MS, rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. em 27.8.2019).HONORÁRIOS RECURSAIS. ARBITRAMENTO.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5022530-38.2022.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Sebastião César Evangelista, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 22-06-2023).
Vertendo à análise do caso concreto, é fato incontroverso que o último desconto nos proventos do autor, decorrente do contrato objurgado, ocorreu em julho/2016 (Evento 1, Informação 8 – 1G).
A demanda foi ajuizada tão somente em 25-08-2022, ou seja, quando decorridos mais de seis anos da data do último desconto, em razão do que deve-se reconhecer que a pretensão do autor foi fulminada pela prescrição, como bem reconhecido pelo juízo a quo.
Logo, diante da escorreita análise procedida na origem, a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito Giancarlo Bremer Nones deve ser mantida, tal qual lançada. 
Por fim, considerando o não provimento do apelo do demandante, que já restou vencido em primeiro grau, majoram-se os honorários advocatícios a serem pagos ao Procurador da parte ré de 10% para 15% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do disposto no artigo 85, § 2º e 11, do CPC, mantida a suspensão da exigibilidade, dada a justiça gratuita deferida.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento, fixando-se honorários recursais.

Documento eletrônico assinado por ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3716142v11 e do código CRC 20ca94ae.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADEData e Hora: 26/9/2023, às 19:16:11

Apelação Nº 5020024-89.2022.8.24.0020/SC

RELATOR: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE

APELANTE: JORGE LUIZ DA SILVA (AUTOR) APELADO: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE DIREITO COM RESTITUIÇÃO DE VALORES, DANOS MORAIS, OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA QUE RECONHECEU A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO. APELO DO AUTOR.
TESE AVENTADA NO SENTIDO DE QUE NÃO HOUVE O TRANSCURSO INTEGRAL DO PRAZO PRESCRICIONAL NA ESPÉCIE. INSUBSISTÊNCIA. DEMANDA QUE VERSA SOBRE A INEXISTÊNCIA DOS DÉBITOS ORIUNDOS DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO ALEGADAMENTE NÃO FIRMADO. RELAÇÃO SUBMETIDA AO REGRAMENTO CONSUMERISTA. PRETENSÃO FUNDADA EM SUPOSTO FATO DO SERVIÇO. AUTOR QUE FIGURA COMO CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 17 DO CDC. APLICABILIDADE DO PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL, PREVISTO NO ART. 27 DO CDC. TERMO INICIAL. DATA DO ÚLTIMO DESCONTO INDEVIDO. PRECEDENTES DO STJ E DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AÇÃO AJUIZADA APÓS A FLUÊNCIA INTEGRAL DO ALUDIDO PRAZO. PRESCRIÇÃO EVIDENCIADA. SENTENÇA MANTIDA.
HONORÁRIOS RECURSAIS FIXADOS.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 7ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, fixando-se honorários recursais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 21 de setembro de 2023.

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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 21/09/2023

Apelação Nº 5020024-89.2022.8.24.0020/SC

RELATOR: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE

PRESIDENTE: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA

PROCURADOR(A): NEWTON HENRIQUE TRENNEPOHL
APELANTE: JORGE LUIZ DA SILVA (AUTOR) ADVOGADO(A): JULIANA ESPINDOLA CALDAS CAVALER (OAB SC019177) APELADO: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU) ADVOGADO(A): JULIANO RICARDO SCHMITT (OAB SC020875)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 21/09/2023, na sequência 90, disponibilizada no DJe de 04/09/2023.
Certifico que a 7ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 7ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, FIXANDO-SE HONORÁRIOS RECURSAIS.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE
Votante: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADEVotante: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRINVotante: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
TIAGO PINHEIROSecretário

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

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