Consumidor por equiparação e conserto de caminhão

CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. NÃO HÁ QUALQUER RETOQUE A SER FEITO NA SENTENÇA.  INOCORRÊNCIA DE DEMORA IRRAZOÁVEL NO CONSERTO DO CAMINHÃO.

Processo: 5001691-91.2020.8.24.0042 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Álvaro Luiz Pereira de Andrade
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Sétima Câmara de Direito Civil
Julgado em: 30/03/2023
Classe: Apelação

Apelação Nº 5001691-91.2020.8.24.0042/SC

RELATOR: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE

APELANTE: THIAGO AVELINO SPESSATO (AUTOR) APELADO: MERCEDES-BENZ DO BRASIL LTDA. (RÉU) APELADO: SPERANDIO S A COMERCIO DE VEICULOS (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta da sentença de improcedência dos pedidos formulados na “Ação Indenizatória por Lucros Cessantes decorrentes da falha nos produtos/serviços”, ajuizada por Thiago Avelino Spessato contra Mercedes-Benz do Brasil Ltda. e Sperandio S.A. Comércio de Veículos.
A fim de evitar desnecessária tautologia, adota-se o relatório constante na sentença recorrida (Evento 55, Eproc1):
“Cuida-se de ação indenizatória por lucros cessantes, decorrentes de falha nos produtos/serviços movida por Thiago Avelino Spessato e Spessato Transportes EIRELI em desfavor de Mercedes-benz DO Brasil LTDA. e Sperandio S/A Comercio de Veículos, todos devidamente qualificados nos autos.
Inicialmente, a demanda foi proposta por Thiago Avelino Spessato, alegando, em apertada síntese: (a) que necessita da concessão dos benefícios da gratuidade da justiça haja vista que não possui condições de suportar as despesas processuais; (b) que o requerente explora atividade de transporte rodoviário de cargas, utilizando o veículo de sua propriedade, qual seja, o MERCEDES BENZ/AXOR 2644S 6X4, ano/modelo 2011/2011, placa MIV-7063, renavam 330213148, chassi 9BM958451BB792861, de cor prata, e que em decorrência do ano de fabricação, sabe-se que existe um desgaste natural dos componentes mecânicos, decorrentes do uso natural, em especial do motor, e, no dia 01/10/2019 (vide campo das informações adicionais da nota fiscal nº 70732 inclusa), o veículo da parte autora havia rodado 104396,5 (cento e quatro mil trezentos e noventa e seis quilômetros e quinhentos metros), com o motor original; (c) que considerando os desgastes no motor, os quais estavam exigindo reiterados consertos, no mês de outubro/2019, o Requerente optou pela aquisição de um motor compacto, fabricado pela segunda demandada, e comercializado pela primeira, ao custo de R$ 37.445,00 (trinta e sete mil quatrocentos e quarenta e cinco reais), já instalado, conforme consta na Nota Fiscal nº 70732, inclusa na inicial; (d) que conforme se denota no derradeiro da Nota Fiscal de aquisição (NF 70732), as demandadas conferem ao consumidor, garantia de 3 meses, regulada pelo CDC, e mais 9 meses, por conta da fabricante/concessionária, o que implica em garanti total do componente adquirido em 12 (doze) meses (um ano); (e) que notou alguns barulhos estranhos no veículo em 16/02/2020, na cidade de Matupá/MT e, por recomendação da primeira demandada, foi orientado a procurar a concessionária local, cujos técnicos da concessionária Rodobens informaram que nada estaria em desacordo, atestando o funcionamento normal do motor e liberando-o pra uso, sem contudo fornecer qualquer documentação comprobatória; (f) que no dia 22/02/2020, (sábado), transitando pela BR 165, Km proximidades do Km 625, o veículo começou a apresentar falhas mecânicas no motor, com aumentando os barulhos, oportunidade em que parou o mesmo e solicitou novamente os serviços de guincho da empresa Auto Socorro Amigos Santa Maria, CNPJ nº 18.177.721/0001-37, rebocando o mesmo até o pátio da empresa Turbo Diesel, no município de Trairão/PA; (g) que na segunda feira, dia 24/02/2020, o Requerente manteve um novo contato com a primeira demandada, explicando os fatos, oportunidade em que lhe foi determinado fosse o automotor rebocado novamente até a concessionária Rodobens Veículos Comerciais Cuiabá, CNPJ nº 064.162.149/38, localizada no município de Sinop/MT, procedimento este que foi realizado, conforme comprovante de prestação de serviço de guincho prestado no dia 24/02/2020, o qual segue incluso; (h) que o automotor passou por nova análise pela equipe técnica da concessionaria Rodobens, foi constatado que o motor adquirido das Rés realmente estava com vícios ocultos, e, considerando que a época dos fatos o mesmo estava acobertado pela garantia da fabricante, foram implementados os respectivos reparos, sendo substituído vários componentes, o que implicou num valor de R$ 9.037,24 (nove mil e trinta e sete reais e vinte e quatro centavos), entre peças e serviços de mão de obra, conforme consta nas Notas Fiscais nº 341785 e 202000000000899, que seguem inclusas; (i) que, em virtude da falha nos produtos/serviços tomados das demandadas, o veículo da parte requerente permaneceu inoperante para o exercício de suas atividades do dia a realização dos consertos do dia 22/02/2020, data em que os vícios ocultos se manifestaram, até o dia 19/03/2020, data em que os reparos foram finalizados, e ouve a efetiva devolução do automotor ao Requerente, devidamente reparado, o que implicou em um período de 27 (vinte e sete dias) dias de imobilização, sem o exercício de suas atividades; (j) que o motor substituído rodou por apenas 41.199 quilômetros, durando apenas 06(seis) meses, o que não atinge a expectativa em relação ao componente em questão; (k) que, após ser informado que o prazo de conserto seria de aproximadamente 30(trinta) dias, o demandante deslocou-se, por meio de transporte aéreo para sua residência; (l) que desde o início da imobilização até a efetiva datada disponibilização do veículo reparado, incontroverso nos autos que o veículo do Requerente esteve indisponível para o exercício de suas atividades por 27 (vinte e sete) dias, período este em que o Autor deve ser indenizado, haja vista a flagrante existência de vícios nos produtos/serviços disponibilizados pelas Rés; (m) que devem ser ressarcidos os lucros que a parte demandante deixou de auferir no período, sendo considerado, já abatidos os valores de despesas de 40%(quarenta por cento), valor diário de R$ 932,25 (novecentos e trinta e cinco reais e vinte e cinco centavos), alcançando um prejuízo de R$ 25.170,75 (vinte e cinco mil cento e setenta reais e setenta e cinco centavos); (n) que, além disso em decorrência do inconveniente, mencionado nos autos, suportou despesas de e R$ 600,00 (seiscentos reais) a título de guincho, além de R$ 1.792,25 (um mil setecentos e noventa e dois reais e vinte e cinco centavos), a titulo de passagem aérea; (o) que aplicam-se ao caso as disposições do Código de Defesa do Consumidor, eis que preenchidos os requisitos para tanto.
Em arremate, requer a procedência da demanda, condenando-se a parte requerida no ressarcimento dos valores supramencionados, além da condenação nos ônus sucumbenciais de estilo.
Proferido despacho no evento 4, determinando que a parte juntasse documentos comprobatórios acerca da condição econômica, para fins de concessão da gratuidade da justiça.
Documentação juntada no evento 7, com indeferimento da gratuidade no evento 9, e pagamento de custas no evento 12.
Determinada a citação no evento 16.
Emenda à inicial no evento 22, pleiteando pela inclusão da empresa Spessato Transportes Eireli no polo ativo da demanda, deferido no evento 25.
Citações nos eventos 23 e 31.
Defesa apresentada pela requerida Mercedes-Benz (evento 32) alegando: (a) preliminarmente, a ilegitimidade ativa sob o argumento de que os danos alegadamente suportados o foram por pessoa jurídica diversa daquela integrante da lide; (a.1) que os documentos que acompanharam a inicial comprova dispêndio de valores por pessoa jurídica diversa daquela pessoa física que compõe o polo ativo da demanda; (b) preliminarmente, a ilegitimidade passiva, considerando que a parte autora não se insurge contra vícios de fabricação do motor adquirido, mas sim contra a suposta má prestação de serviços da concessionária Rodobens Veículos Comerciais, em razão da alegada demora de 27(vinte e sete) dias para a conclusão do conserto; (c) no mérito, que inexistem vícios construtivos no moto e que os reparos necessários foram realizados dentro do prazo legal; (d) que o próprio demandante assinala que o veículo, objeto da presente lide, é antigo (ano/modelo 2011/2011), não mais coberto pela garantia, e vem sendo utilizado de maneira extensiva, possuindo mais de 100.000 (CEM MIL) quilômetros rodados, ou seja, mesmo em se tratando de motor compacto adquirido novo, diversos outros componentes do caminhão estão fatalmente desgastados e depreciados pelo uso, o que pode impactar no funcionamento do componente; (e) que, consoante a narrativa da petição inicial, o conserto perdurou entre 22/02/2020 e 19/03/2020, vê-se que os serviços foram concluídos em menos de 30 dias, prazo compatível com os serviços prestados, levando-se em conta o extenso número de peças a serem substituídas (conforme o documento juntado ao evento nº 01, “OUT10”, dos autos eletrônicos) e a cuidadosa execução dos reparos que um motor demanda; (f) que mesmo se se tratasse de vício de fabricação – o que se admite tão somente por cautela – e se fosse hipótese de aplicação do Código de Defesa do Consumidor (o que não é o caso, como se verá), nota-se que os reparos foram concluídos dentro do prazo legal de 30 dias estabelecido pelo artigo 18, parágrafo 1º, do diploma consumerista; (g) que, seja pela ausência de vício construtivo, seja pelo fato de o motor ter sido reparado dentro do prazo previsto em lei, conclui-se que não há fundamento para a responsabilização civil da fabricante, sendo imperioso o julgamento de improcedência dos pedidos formulados na peça pórtico; (h) que ante a inequívoca utilização do bem como insumo na atividade comercial exercida pelo autor, é inaplicável o Código de Defesa do Consumidor; (i) que, quanto aos danos emergentes, foram suportados por pessoa jurídica diversa daquela que figura na inicial, motivo pela qual deve ser improcedente o pedido; (j) que, no que tange aos lucros cessantes, devem ser cabalmente comprovados, vedando-se a presunção, de modo que a documentação trazida aos autos refere-se a período totalmente diverso, incluindo outros 02(dois) veículos que pertencem à mesma pessoa jurídica; (k) que também deve ser considerado o fato de se tratar de período de pandemia de Covid-19, com redução significativa da atividade econômica de modo geral, com expressiva queda no faturamento do setor de transportes; (l) que o real faturamento comprovado pela parte demandante, em nome de pessoa jurídica diversa, alcança meros R$ 210,20(duzentos e dez reais e vinte centavos), muito distante daqueles valores pleiteados na exordial.
Por fim, requer o acolhimento das preliminares e, no mérito, pela improcedência do pedido, condenando-se a parte demandante nos ônus sucumbenciais de estilo.
Proferido novo despacho no evento 42, determinando a intimação das partes acerca da emenda à inicial, com manifestação de concordância da requerida Mercedes no evento 50.
Manifestação apresentada pela requerida Sperandio (evento 51) alegado: (a) que, inobstante não tenha sido apresentada defesa tempestiva, não é o caso de aplicação dos efeitos da revelia ante a pluralidade de réus, sendo necessária a abertura da fase de instrução processual; (b) que em 01/10/2019 a parte demandante realizou compra em balcão de peças de um motor remanufaturado; (c) que item remanufaturado, se trata de uma peça usada que passa por um processo de reindustrialização pela fábrica, para voltar a ser comercializado. Ainda, que itens remanufaturados são aproximadamente 40% mais barato que um item novo, mas a garantia e o processo é o mesmo de um item novo (12 meses sem limite de KM – sendo 3 meses de garantia legal CDC + 9 meses de garantia contratual da fabricante, conforme descrito no campo da NF – Dados Adicionais), para isso, é necessário que as revisões/manutenções sejam realizadas dentro de um posto de serviço autorizado da marca Mercedes-Benz; (d) que no ato da venda foram repassadas as duas opções ao cliente, sendo que após explicado, o Requerente optou por adquirir o motor remanufaturado, sabendo que a garantia era nessas condições, e que tal se tratava de nível nacional, até por isso que buscou auxílio em outra concessionária (autorizada Mercedes); (e) que o caminhão com motor remanufaturado rodou por um período e voltou na ora requerida para fazer revisão em 05.11.2019 (NF 71710), após, o veículo em questão teve novas passagem (NF’s 76941 em 15.05.2020; e 76730, 76718 em 07.05.2020) onde fora realizado a substituição da caixa de câmbio que estava em garantia, troca de óleo do diferencial e ajustes na porta do veículo, não sendo relatado nada quanto ao motor, até por que não tinha problema algum na oportunidade; (f) que depois destes ajustes o veículo não teve mais passagens na oficina, sendo que, que conforme documentação, com relação ao motor, a contestante apenas efetivou a venda de tal, sendo que não fora a empresa que prestou o serviço de mão de obra; (g) que posteriormente o veículo retornou ainda para uma revisão no intuito de preservar sua garantia, e para ajustes que não guardam relação com a presente demanda; (h) que é de fácil constatação que a parte requerente não se insurge em momento algum quanto a vícios de fabricação ou decorrentes de má prestação de serviços, até porque a mão de obra com relação ao motor não fora efetivada na referida contestante, tratando-se de meras reclamações decorrentes da demora no conserto, situação que deve ser respondida pela requerida (RODOBENS); (i) que não há alternativa senão reconhecer a impossibilidade da demanda em face da ora requerida, diante da sua ilegitimidade passiva, pois SPERANDIO S.A e RODOBENS VEÍCULOS são empresas autônomas e estranhas, sem nenhuma ligação societária e até mesmo comercial; (i) que somente realizou a venda das peças, sendo que o serviço foi realizada por terceira pessoa, não podendo recair tal responsabilidade sobre a contestante, eis que não foi responsável pela mão-de-obra; (j) que é vedado pleitear direto alheio em nome próprio, sendo certo que, no caso em tela, a parte demandante é ilegítima para atuar no polo ativo.
Por fim, requer a improcedência do pedido e a condenação da parte demandante nos ônus sucumbenciais cabíveis, juntando procuração e documentos 
Vieram os autos conclusos.”
Acrescenta-se que o dispositivo da sentença, publicada em 11-6-2021, tem a seguinte redação:
“Ante o exposto, com fulcro nas disposições do art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo IMPROCEDENTE o pedido formulado por Thiago Avelino Spessato e Spessato Transportes Eireli em desfavor de Mercedes-Benz do Brasil Ltda e Sperandio S A Comercio de Veículos, nos moldes da fundamentação supra.
Por força da sucumbência, condeno a parte demandante, solidariamente, ao pagamento da integralidade das custas processuais, bem como honorários advocatícios do patrono da requerida Mercedes-Benz, estes desde já fixados em 5%(cinco por cento) sobre o valor atualizado da causa (art. 85, §2, NCPC). Deixo de fixar honorários advocatícios em favor da requerida Sperandio S.A. haja vista a inexistência de defesa tempestiva nos autos (evento 38).
P. R. I.
Após o trânsito em julgado, arquive-se com as devidas baixas.”
Inconformada com a prestação jurisdicional entregue, a parte autora interpôs recurso de apelação, em cujas razões, em síntese, pugna pela procedência dos pedidos iniciais, arguindo, para tanto, que deve ser reconhecida a relação de consumo existente entre as partes, bem como que os lucros cessantes são devidos pelo tempo de conserto do caminhão, além de que deve ser indenizada a parte ré a custear as despesas com o transporte do automóvel (guincho, diárias…).  
Foram apresentadas contrarrazões (Eventos 91 e 92, Eproc1).
Os autos ascenderam a esta Corte.
É o suficiente relatório.

VOTO

A publicação da decisão profligada é ulterior ao início de vigência da Lei 13.105/2015, ocorrida em 18-3-2016 (art. 1.045), razão pela qual os requisitos de admissibilidade seguem a novel regulamentação, em conformidade com o Enunciado Administrativo n. 3 do Superior Tribunal de Justiça: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC”.
Passa-se, então, à apreciação do recurso. 
Sem embargo a entendimentos contrários, tem-se que o apelante/autor se enquadra como destinatário final na relação jurídica havida entre os litigantes, conforme magistério de Cláudia Lima Marques:
O ponto de partida desta extensão do campo de aplicação do CDC é a observação de que muitas pessoas, mesmo não sendo consumidores strictu sensu, podem ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades dos fornecedores no mercado. Estas pessoas, grupos e mesmo profissionais podem intervir nas relações de consumo de outra forma a ocupar uma posição de vulnerabilidade. Mesmo não preenchendo as características de um consumidor strictu sensu, a posição preponderante (Machtposition) do fornecedor e a posição de vulnerabilidade destas pessoas sensibilizam o legislador e, agora, os aplicadores da lei. (Comentários ao CDC, RT 2ª edição, 2005, p.87.)
Nesse mesmo sentido, decisão do colendo Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DESTINATÁRIO FINAL. A expressão destinatário final, de que trata o art. 2º, caput, do Código de Defesa do Consumidor abrange quem adquire mercadorias para fins não econômicos, e também aqueles que, destinando-os a fins econômicos, enfrentam o mercado de consumo em condições de vulnerabilidade; espécie em que caminhoneiro reclama a proteção do Código de Defesa do Consumidor porque o veículo adquirido, utilizado para prestar serviços que lhe possibilitariam sua mantença e a da família, apresentou defeitos de fabricação. Recurso especial não conhecido. (REsp n. 716877/SP, rel. Min Ari Pargendler, j. 22-3.2007).
De se destacar que a vulnerabilidade, para fins de aplicação das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, pode ser a econômica, a jurídica, a social, a técnica e ainda outras mais.
No caso em comento, o autor adquiriu um veículo pesado, destinado ao exercício de sua profissão de motorista de carga. Nessa condição, tem-se que incide o Código de Defesa do Consumidor ao caso em tela, haja vista o flagrante desequilíbrio técnico existente entre o autor e as empresas rés.
Nesse sentido, destaca-se julgado desta Corte de Justiça:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. INTERLOCUTÓRIO QUE DETERMINOU A APLICAÇÃO DO CDC E INVERTEU O ÔNUS DA PROVA. RECURSO DA RÉ. ALEGADO DESACERTO DA DECISÃO OBJURGADA. INSUBSISTÊNCIA. EMPRESA AUTORA CUJA ATIVIDADE PRINCIPAL É DE TRANSPORTE DE CARGAS. AQUISIÇÃO DE CAMINHÃO SUPOSTAMENTE COM DEFEITO. VULNERABILIDADE TÉCNICA PERANTE A FORNECEDORA VERIFICADA. CIRCUNSTÂNCIA QUE AUTORIZA A APLICAÇÃO DA TEORIA FINALISTA MITIGADA. RELAÇÃO DE CONSUMO EVIDENCIADA. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA QUE SE OPERA OPE LEGIS. ACERTO DA DECISÃO OBJURGADA. RECURSO DESPROVIDO.” (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5050470-72.2021.8.24.0000, rel. Juiz André Luiz Dacol, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 15-3-2022).
Desse modo, inafastável a incidência das normas consumeristas ao caso em estudo.
Quanto ao mérito, a sentença proferida pelo Juiz de Direito Solon Bittencourt Depaoli bem analisou as pretensões indenizatórias, cujo fundamento ora se transcreve para evitar tautologia:
“A pretensão autoral é de responsabilização das demandadas no pagamento de indenização pelo período que o veículo ficou no conserto e, ainda, dos gastos de guincho e demais despesas. 
Denota-se, inicialmente, que o conserto do veículo foi realizado às expensas das requeridas, sem qualquer custo à empresa demandante, haja vista que ainda era vigente o período de garantia do motor adquirido e instalado no caminhão. Além disso, a parte demandante não acostou qualquer documento demonstrando que a ré tivesse se comprometido em realizar o conserto do bem em prazo menor do que aquele efetivamente decorrido cabendo ao Juízo, portanto, realizar a análise acerca da razoabilidade do prazo de conserto do caminhão.
Extrai-se dos autos que o veículo, objeto da lide, foi devidamente consertado e retornou às atividades normais após 27(vinte e sete) dias, com gastos do conserto totalmente cobertos pelas requeridas, decorrentes da garantia do motor, sem qualquer custo à parte demandante nesse ponto.
Por outro lado, inexiste qualquer menção das partes, ou sequer veio aos autos informação de que, em decorrência da garantia, deveria a parte demandada realizar o conserto em prazo previamente estipulado, sendo certo que, em se tratando de veículo de grande porte, deve-se analisar o prazo decorrido sob a perspectiva da razoabilidade e do bom senso.
Logo, sem necessidade de alongadas digressões, a solução do feito perpassa justamente pela análise da conduta das requeridas, se praticaram ou não o alegado ato ilícito, que constitui-se como pressuposto básico para configuração da responsabilização civil.
E, nesse ponto, em situação praticamente idêntica, já manifestou-se a jurisprudência pátria. Vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E LUCROS CESSANTES. INOCORRÊNCIA DE DEMORA EXCESSIVA NO CONSERTO DO VEÍCULO. DEVER DE INDENIZAR. INOCORRÊNCIA. Trata-se de ação indenização, através da qual a parte autora objetiva a reparação a título de danos materiais diante do alegado excesso na demora para o conserto do caminhão, julgada improcedente na origem. É incontroverso nos autos que a demandante adquiriu um caminhão junto a empresa ré, e que este estragou durante uma viagem ao Rio de Janeiro/RJ, no período que o veículo estava na garantia. Tendo em vista a necessidade de troca de peças o veículo permaneceu parado pelo prazo de 21 dias, período, que, segundo a parte autora, ultrapassou o razoável, de modo que pretende indenização pelos prejuízos materiais daí decorrentes. As montadoras tem o dever de assegurar, em prazo razoável, a reposição de peças originais, nos termos do art. 21 e 32, do Código de Defesa do Consumidor. Entende-se como sendo razoável, o prazo de 30 dias, aplicando-se analogicamente o disposto no art. 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes deste colendo Tribunal de Justiça. Em que pese as alegações trazidas pelo autor, o prazo de 21 dias para conserto do caminhão não ultrapassou o razoável, a ensejar o dever de indenização, porquanto, a parte autora não se desincumbiu do ônus que lhe incumbia nos termos do artigo 373, inciso I, CPC/2015. A pretensão da parte autora esbarra na falta de comprovação da existência do primeiro pressuposto da responsabilidade civil, qual seja, o ato ilícito, pois sem conduta antijurídica não há falar em dever de indenizar. APELAÇÃO DESPROVIDA(Apelação Cível, Nº 70078321411, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em: 25-10-2018).
De tal modo, consoante diretrizes emanadas do precedente supra, às quais me filio, considerando que o conserto do caminhão foi realizado em prazo razoável (menos de 30 dias), não há que se falar em responsabilização civil das requeridas, haja vista que inexistente ato ilícito.
Ademais disso, via de regra, a incidência de garantia legal ou contratual (estendida) limita-se ao conserto/troca da própria peça (no caso, o motor que foi efetivamente consertado), sem qualquer previsão de reparação de danos emergentes ou de outros lucros cessantes.
É de se consignar, por fim, que, em se tratando de empresa atuante no ramos de transportes, o desapossamento temporário de veículo, por vícios ou necessidade de manutenção, deve ser sempre esperado, cujo risco é decorrente da própria atividade, mormente em se tratando de veículo usado, cujo desgaste natural invariavelmente acontece.
Em arremate, até mesmo por amor à brevidade, em análise dos fatos postos a desate, todos incontroversos, inclusive quanto ao cumprimento da garantia pela ré, em prazo razoável, tenho que a improcedência da ação é medida que se impõe.
Sem mais delongas, é o que basta.”
Desse modo, o recurso não merece provimento, devendo ser mantida na íntegra a sentença da boa lavra do MM. Juiz Solon Bittencourt Depaoli.
Consequentemente, tendo em vista o não provimento do recurso da parte autora, que já restou vencida em primeiro grau de jurisdição, majoram-se os honorários advocatícios da parte adversa em 5% (cinco por cento) (art. 85, § 11, do CPC).
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento, majorados os honorários sucumbenciais, nos termos da fundamentação.

Documento eletrônico assinado por ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3312976v4 e do código CRC 35b4ab6b.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADEData e Hora: 30/4/2023, às 17:27:12

Apelação Nº 5001691-91.2020.8.24.0042/SC

RELATOR: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE

APELANTE: THIAGO AVELINO SPESSATO (AUTOR) APELADO: MERCEDES-BENZ DO BRASIL LTDA. (RÉU) APELADO: SPERANDIO S A COMERCIO DE VEICULOS (RÉU)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. LUCROS CESSANTES. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO JUÍZO DE ORIGEM. 
IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA. RELAÇÃO DE CONSUMO EVIDENCIADA. DESEQUÍLIBRIO TÉCNICO E FINANCEIRO EXISTENTE ENTRE AS PARTES. VULNERABILIDADE DEMONSTRADA. APLICAÇÃO DA TEORIA FINALISTA MITIGADA. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. QUANTO AO MÉRITO, NÃO HÁ QUALQUER RETOQUE A SER FEITO NA SENTENÇA.  INOCORRÊNCIA DE DEMORA IRRAZOÁVEL NO CONSERTO DO CAMINHÃO. TRATANDO-SE DE EMPRESA AUTORA ATUANTE NO RAMO DE TRANSPORTES, O PRAZO DE FORNECIMENTO (27 DIAS) ESTÁ DE ACORDO COM O PRÓPRIO RISCO DA ATIVIDADE. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 7ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, majorados os honorários sucumbenciais, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 30 de março de 2023.

Documento eletrônico assinado por ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3312977v9 e do código CRC 950c4faf.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADEData e Hora: 30/4/2023, às 17:27:12

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 30/03/2023

Apelação Nº 5001691-91.2020.8.24.0042/SC

RELATOR: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE

PRESIDENTE: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN

PROCURADOR(A): ANGELA VALENCA BORDINI
APELANTE: THIAGO AVELINO SPESSATO (AUTOR) ADVOGADO(A): ODAIR ROBERTO LIPPERT (OAB SC046464) APELADO: MERCEDES-BENZ DO BRASIL LTDA. (RÉU) ADVOGADO(A): Felipe Quintana da Rosa (OAB RS056220) APELADO: SPERANDIO S A COMERCIO DE VEICULOS (RÉU) ADVOGADO(A): VANESSA PRZYBILISKI (OAB SC035695)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 30/03/2023, na sequência 43, disponibilizada no DJe de 13/03/2023.
Certifico que a 7ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 7ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, MAJORADOS OS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE
Votante: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADEVotante: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRINVotante: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
TIAGO PINHEIROSecretário

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

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