Custeio de despesas por voo cancelado

ACIDENTE COM OUTRO AVIÃO QUE FECHOU O AEROPORTO – ALEGAÇÃO DE QUE A EMPRESA NÃO DEU ASSISTÊNCIA – CUSTEIO DAS DESPESAS PARA PROSSEGUIR COM O ROTEIRO QUE FICOU A CARGO DOS AUTORES

Processo: 0303648-70.2014.8.24.0036 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Helio David Vieira Figueira dos Santos
Origem: Jaraguá do Sul
Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Civil
Julgado em: 26/09/2019
Juiz Prolator: Renato Della Giustina
Classe: Apelação Cível

Apelação Cível n. 0303648-70.2014.8.24.0036, de Jaraguá do Sul

Relator: Des. Helio David Vieira Figueira dos Santos

   DANO MORAL – VIAGEM AÉREA CANCELADA – ACIDENTE COM OUTRO AVIÃO QUE FECHOU O AEROPORTO – ALEGAÇÃO DE QUE A EMPRESA NÃO DEU ASSISTÊNCIA – CUSTEIO DAS DESPESAS PARA PROSSEGUIR COM O ROTEIRO QUE FICOU A CARGO DOS AUTORES – DANO MORAL – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUE CONDENA NO RESSARCIMENTO DOS DANOS MATERIAIS E CONCEDE DANO MORAL – RECURSO DA RÉ – ALEGAÇÃO DE QUE O VALOR ARBITRADO É EXCESSIVO – ACOLHIMENTO – REDUÇÃO QUE SE IMPÕE, DADAS AS PARTICULARIDADES DOS FATOS – PLEITO DE REDUÇÃO DA CONDENAÇÃO MATERIAL – ARBITRAMENTO DO PREJUÍZO MATERIAL PAUTADO EM ERRO DE CÁLCULO – AJUSTE NECESSÁRIO – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0303648-70.2014.8.24.0036, da comarca de Jaraguá do Sul 2ª Vara Cível em que é/são Apelante(s) British Airways PLC e Apelado(s) Rogério Soares Coelho e outro.

           A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. José Agenor de Aragão e o Exmo. Sr. Des. Selso Oliveira.

           Florianópolis, 26 de setembro de 2019.

Des. Helio David Vieira Figueira dos Santos

Relator

           RELATÓRIO

           Rogério Soares Coelho e Josimay Fava ajuizaram ação de reparação de danos morais e materiais contra Britisch Airways, relatando que integravam um grupo de 7 casais que comprou passagens de avião de Londres a Paris, mas o voo foi cancelado sem que a ré prestasse assistência ou ressarcisse os prejuízos suportados. Em razão desses fatos, requereram a condenação da ré ao pagamento dos danos materiais e morais que sofreram.

           Citada, a ré apresentou contestação (p. 50/59). Argumentou que o aeroporto foi fechado em razão de um incidente envolvendo uma de suas aeronaves (incêndio num dos motores), o que configuraria a hipótese de força maior. Quanto aos prejuízos materiais, defendeu que não efetuou o ressarcimento apenas porque não dispunha dos dados dos autores e que eles se equivocaram ao realizar a conversão de Libras para Reais. Por fim, negou que tenha resultado dos fatos abalo de ordem moral.

           Sobreveio sentença de parcial procedência dos pedidos, condenando a ré a ressarcir os danos materiais (R$5.646,09) e morais (R$15.000,00 para cada um dos autores). O magistrado entendeu que o problema na aeronave estava dentro do conceito de fortuito interno e que, por isso, a ré deveria responder, e que os danos morais e materiais estavam presentes.

           A ré recorreu, sustentando que o valor é excessivo e que o cancelamento não é resultado de conduta ilícita, o que deve ser levado em consideração na quantificação do valor da indenização. Ainda, apontou um equívoco do magistrado no tocante à apuração do valor dos danos materiais. Pediu, subsidiariamente, que os juros de mora corram da citação (p. 130/143).

           VOTO

           1. Danos morais

           O recurso da ré está bem delimitado: ela pretende reduzir o valor da indenização, sem questionar a existência do dano em si (p. 135, item III-B). Apesar disso, algumas considerações devem ser feitas a respeito desse tipo de dano.

           Houve, no caso dos autos, como bem definiu o magistrado a quo, um fortuito interno, que consistiu num problema técnico que provocou um início de incêndio numa outra aeronave da própria companhia aérea ora recorrente, que causou o fechamento do aeroporto, e por evidente, todo um desarranjo das programações de todas as companhias de aviação.

           Está provado nos autos que o atraso se deu porque um AirBus da mesma companhia fez um pouso de emergência em chamas no aeroporto de onde partiria o voo dos autores (p. 77, e seguintes).

           O magistrado considerou que esse evento foi um fortuito interno e que não eximiria a empresa aérea de responsabilidade, porque o avião em chamas era da mesma companhia.

           Mas é necessário indagar o que se poderia dizer se o avião acidentado pertencesse à outra companhia? Certamente não haveria fortuito interno atribuível à ré ora apelante.

           O que tento dizer é que, mesmo havendo fortuito interno, a capacidade dele gerar pedido de indenização por dano moral é muito polêmica! Pagar as despesas materiais é uma coisa, pois não é justo que os passageiros sejam penalizados, mas dano moral é outra completamente diferente.

           Não estamos falando aqui de um ônibus que derrapou na pista porque usava pneus carecas, mas de um equipamento extremamente sofisticado e complexo, que recebe manutenções rigorosas obrigatórias.

           Como diz a apelante, acidentes como o que aconteceu no Airbus são previsíveis, mas não inevitáveis.

            Esse tipo de incidente sempre me provoca uma reflexão. Voar é uma coisa maravilhosa, içar ao céu um objeto de 60 toneladas e mantê-lo estável, trazê-lo de volta ao solo em segurança, é uma maravilha da técnica, sobre a qual muitas pessoas não se dão conta quando embarcam num avião. Quanta perfeita sincronicidade em milhares de componentes deve atuar para que tudo funcione como projetado!

           Quando há um fortuito interno que compromete a segurança de um voo e a vida de seus passageiros, a última coisa em que este relator consegue pensar é em dano moral. Deve-se lamentar o ocorrido e surpreender-se com o fato de que o acidente não teve resultados muito mais trágicos, e sentir um alívio por não ter passado por aquela experiência, mas cada um sabe de si.

                 Vejamos a hipótese de um avião que está prestes a se lançar pela pista e interrompe o lançamento porque o piloto percebe uma falha no sistema do trem de pouso. Até que ponto se pode dizer, realmente, que isso é um fortuito interno para efeito de dano moral? A mim parece muito mais sensato colocar a experiência no baú dos desgostos cotidianos do que ver ocasião para dano moral.

           Então, é talvez duvidoso o argumento de que há responsabilidade apenas porque o outro avião sinistrado era da mesma companhia aérea.

           Prefiro admitir que se tratou de um evento neutro e externo, porque essa seria a solução se o incidente envolvesse avião de terceira empresa.

           Então, não vejo como responsabilizar a empresa aérea por dano moral, mas apenas pelos danos materiais, mas essa questão não pode ser mais examinada porque o recurso versa, como já dito, apenas sobre o valor da indenização.

           No caso dos autos, os autores apontam negligência da companhia aérea em conseguir-lhes outro voo, em não lhes dar assistência e que pagaram todas as despesas com o seu próprio dinheiro, para não perder o roteiro de Paris.

           Portanto, os autores não perderam o seu roteiro de viagem, como expressamente reconhecem na inicial.

           Continuaram viajando e curtindo a Europa como se nada tivesse acontecido, pois é isso exatamente o que acontece com turistas de classe média, munidos de seus cartões de crédito. A viagem de Londres a Paris foi de trem, uma experiência certamente mais enriquecedora e confortável do que viajar trancado em assentos apertados num avião.

           Portanto, a alegação da “perda do momento de um grande sonho” (p. 6), não passa de uma mera litania, destinada a preencher uma fórmula recorrente em ações desse tipo (Coleman vs. Southwick, apud David Anderson, “Reputation, Compensation and Proof – https://core.ac.uk/download/pdf/73967129.Pdf, in https://direitomemoriaefuturo.com/2018/10/23/o-dano-moral-e-o-conceito-de-boa-reputacao/).

           Essa alegação, inclusive, está em completo desacordo com a narrativa de que o roteiro planejado foi devidamente cumprido.

           Lendo-se a petição inicial, verifica-se que em 06 laudas os autores apenas relatam os aborrecimentos no ressarcimento dos danos materiais e apenas de forma genérica, em um único parágrafo, se referem a dano moral.

           O que houve, no caso, foram aborrecimentos, desapontamentos, desgostos, mas a viagem turística seguiu em frente como pretendido, e se houve variações, certamente elas se acrescentaram aos momentos prazeirosos do passeio e não a eventos traumáticos.

           Sopesadas todas essas circunstâncias, entendo que a indenização deve ser reduzida para R$3.000,00 para cada um dos autores.

           O juros de mora, tratando-se de responsabilidade contratual, correm da citação, na forma do art. 405 do Código Civil.

           2. Danos materiais

           Neste tópico, a ré se insurge apenas quanto ao critério adotado pelo magistrado para estabelecer o valor a ser ressarcido a pretexto do pacote turístico adquirido pelos autores. De acordo com a ré, o magistrado teria dividido o valor total do pacote (R$7.069,90 – p. 33) pelo número de casais (08), quando deveria ter dividido por 09, correspondente a 8 casais e 1 passageiro.

           De fato, o valor do pacote foi divido por 8 casais, quando eram no total 17 pessoas beneficiadas. No entanto, mais correto que o valor de R$7.069,90 (p. 33) seja dividido pelo número de contratantes (17), e não por 9, como pretende a ré.

           Assim, refeitos os cálculos, a ré deverá pagar a cada um dos autores o valor de R$415,87.

           Diante do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento.

           Este é o voto.

Gabinete Des. Helio David Vieira Figueira dos Santos

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

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