Não cumprir contrato gera dano moral? Descumprimento contratual não configura dano moral indenizável, salvo se as circunstâncias ou as evidências do caso concreto demonstrarem a lesão extrapatrimonial, ou seja: dano moral indenizável.
Apelação Nº 5000900-73.2022.8.24.0068/SC
RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH
APELANTE: ALTAIR ROBERTO DALLE LASTE (AUTOR) APELADO: B2W COMPANHIA DIGITAL (RÉU)
RELATÓRIO
Acolho o relatório da sentença (evento 55/1º grau), de lavra do Juiz de Direito Douglas Cristian Fontana, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:
Altair Roberto Dalla Laste ajuizou ação indenizatória em face de Americanas S/A.
Alegou, em resumo, que adquiriu em 27/11/2021 uma Televisão Samsung Smart TV 70 UHD 4k 70au7700, processador crystal 4k, tela sem limites, visual livre de cabos, alexa built, no valor de R$ 4.229,99, com pagamento à vista, e entregue no dia 5/10/2021, contudo, ao abrir a embalagem constatou que o produto estava com avarias na tela.
Disse que entrou em contato com a ré no dia 21/10/2021 para tratar do problema e recebeu resposta negativa no dia 23/10/2021, visto que a reclamação ocorreu fora do prazo de 7 dias, com orientação para buscar a solução perante a fabricante do equipamento. Disse que o dano ocorreu durante o transporte e nunca conseguiu utilizar a televisão. Defendeu o prazo de 90 dias para reclamação e que os fornecedores tem obrigação solidária. Referiu ter sofrido abalo moral com a situação enfrentada.
Em razão desses fatos, requereu a condenação da ré ao ressarcimento dos danos materiais e a reparação do danos morais. Juntou documentos (evento 1).
Em contestação, a ré alegou que não deu causa ao dano no produto e que a responsabilidade é da empresa transportadora. Disse que presta serviço de excelência e agiu de boa-fé na relação. Impugnou o pedido de danos morais, porque não demonstrada qualquer violação aos direitos da personalidade. Teceu comentários sobre a fixação da indenização. Requereu a improcedência (evento 13).
Houve réplica (evento 18).
Na instrução, ouvida uma testemunha arrolada pelo autor (evento 53).
O Magistrado julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais, nos seguintes termos:
Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado por ALTAIR ROBERTO DALLE LASTE em face de AMERICANAS S.A. para CONDENAR a ré ao pagamento de R$ 4.699,99 ao autor, a título de restituição da quantia paga pelo produto adquirido e entregue com vício, com correção monetária pelo INPC desde o desembolso (27/9/2021) e juros de mora de 1% ao mês desde o evento danoso (5/10/2021).
O autor deverá providenciar a devolução da Televisão Samsung Smart TV 70 UHD 4k 70au7700 em favor da ré, ficando a cargo desta os custos e o recolhimento do produto para o transporte, no prazo de 45 dias a contar do trânsito em julgado, sob pena de perdimento do bem.
Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 12% sobre o valor da condenação atualizado, nos termos do art. 85, §2º, do CPC.
Irresignado com parte da prestação jurisdicional entregue, o autor interpôs apelação, por meio da qual defende a ocorrência de danos morais passíveis de compensação, bem como pleiteia a majoração dos honorários de sucumbência para 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação (evento 62/1º grau).
Contrarrazões no evento 65/1º grau.
VOTO
O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
1 DANOS MORAIS
Alega o autor a ocorrência de abalo anímico indenizável em razão de ter adquirido produto da loja ré com defeito que impediu a sua utilização.
Sustenta que os danos morais tiveram origem na falha da prestação do serviço pela ré, que negou o pedido administrativo de providência para troca ou devolução do produto, e no desgaste vivenciado ao acionar o SAC da empresa, cujos fatos ultrapassaram a linha do mero aborrecimento.
Sobre a matéria, assim decidiu o Magistrado sentenciante:
Dano moral
No tocante ao dano moral, não há autos nenhuma prova contundente acerca dos danos extrapatrimoniais sofridos pela parte autora, a qual apresenta alegações genéricas, sem demonstrar qualquer fato concreto que comprove os alegados abalos sofridos.
O atendimento administrativo da ré que não resolveu o problema e a necessidade de ajuizar ação para solução não são fatos capazes de gerar abalo moral, nem se trata de produto essencial ao domicílio capaz de gerar frustração ou angústia decorrente da espera e a falta do produto à família.
Verifico que, na hipótese, não há prova de evento anormal a ensejar a indenização pretendida. Neste sentido:
[…]
Logo, no presente caso, não há falar em dano moral a ser reparado.
A sentença não merece reparo neste particular, pois se encontra em sintonia com a jurisprudência desta Corte, da qual exemplificativamente se extrai o seguinte julgado:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. AQUISIÇÃO DE COLCHÃO BOX CASAL. TESE DE DEFEITO NO PRODUTO ORIGINALMENTE ADQUIRIDO E TAMBÉM NAQUELE ENVIADO EM SUBSTITUIÇÃO. RECONHECIMENTO DA DECADÊNCIA DO DIREITO DE RECLAMAR OS VÍCIOS DO PRODUTO. PROSSEGUIMENTO DO FEITO TÃO SOMENTE EM RELAÇÃO À PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ARGUMENTO DE QUE OS FATOS ULTRAPASSARAM O MERO DISSABOR. PRIMEIRA REQUERIDA QUE TERIA ENVIADO E-MAIL COM EXPRESSÕES OFENSIVAS À CONSUMIDORA. REJEIÇÃO. MENSAGEM ELETRÔNICA TROCADA ENTRE PARTICULARES SEM PUBLICIDADE A TERCEIROS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE REPERCUSSÃO NEGATIVA QUE POSSA TER ATINGIDO A HONRA OU A IMAGEM DA AUTORA. ATO ILÍCITO E DANO NÃO CONFIGURADOS. ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBIA À DEMANDANTE. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 55 DESTA CORTE. DEVER DE INDENIZAR AUSENTE. SENTENÇA ESCORREITA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Apelação n. 0300293-35.2019.8.24.0082, rel. Carlos Roberto da Silva, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 20-7-2023).
Em abono, assinalo que nem mesmo a inversão do ônus da prova exime o consumidor de trazer aos autos indícios mínimos do direito alegado na inicial quando a prova lhe diga respeito (Súmula 55 do TJSC).
Sabe-se que o dano moral tem assento constitucional, nos termos do art. 5º, V e X, da Carta da República, do qual derivam as previsões infraconstitucionais delineadas nos arts. 186, 187 e 927, todos do Código Civil brasileiro.
No âmbito doutrinário, no que diz respeito ao abalo hábil a configurar o dano moral, colhe-se da lição de Sérgio Cavalieri Filho:
Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio no seu bem-estar (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, p. 78).
No plano jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça há muito tem expressado que “sobrevindo, em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos entendimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização” (REsp 8.768/SP, rel. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, j. 18-2-1992).
In casu, embora existisse defeito no produto capaz que impossibilitou a sua utilização, não há no processo efetiva comprovação de fato concreto e suficiente ensejador de abalo moral decorrente do descumprimento contratual perpetrado pela ré.
As alegações do autor – de que foi frustrado nas suas expectativas e de que houve falha na prestação de assistência pela parte acionada – não autoriza o recebimento da indenização pleiteada, por não ter ficado demonstrada a violação aos direitos da personalidade do autor.
Além do mais, a negativa de atendimento na seara administrativa não configura danos morais presumidos e passíveis de reparação.
Salienta-se que os transtornos sofridos pelo acionante não desbordaram a linha dos dissabores a que todos os que vivem em sociedade estão sujeitos, não se revelando, nesse contexto, passíveis de indenização.
Nesse palmilhar, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
[…] O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige (AgRgREsp n. 403.919/RO, rel. Min Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 26-6-3).
Sobre a questão, a Súmula 29 desta Corte de Justiça: “o descumprimento contratual não configura dano moral indenizável, salvo se as circunstâncias ou as evidências do caso concreto demonstrarem a lesão extrapatrimonial”, exceção esta não demonstrada in casu.
A par de tais considerações, verifica-se que o demandante não logrou êxito em comprovar o fato constitutivo do seu direito no que diz respeito ao dano moral, conforme disposição do artigo 373, I, do Código de Processo Civil.
2 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS
O autor pleiteia, ainda, a majoração da verba advocatícia arbitrada para 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação.
Sobre o tema, o Código de Processo Civil estabelece:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
[…]
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I – o grau de zelo do profissional;
II – o lugar de prestação do serviço;
III – a natureza e a importância da causa;
IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
O julgador a quo fixou a verba honorária em 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação (evento 55).
Conforme as diretrizes previstas no aludido dispositivo, verifica-se que: i) não se trata de litígio de alta complexidade, embora tenha o procurador do litigante desempenhado adequadamente a função para a qual foi contratado, tendo atuado com zelo no exercício do encargo, sempre atendendo a intimações e prazos para manifestação durante o trâmite processual, iniciado em 11-05-2022 (evento 1); ii) foram apresentadas pelo autor a petição inicial (evento 1), petições simples (evento 10, 27 e 40), a réplica (evento 18) e apelação (evento 62).
Diante desses aspectos, por corresponder adequadamente ao trabalho desenvolvido, devem ser mantidos os honorários advocatícios no percentual arbitrado em primeiro grau.
Assim, não há falar em alteração da sentença.
3 HONORÁRIOS RECURSAIS
Por fim, em consonância com interpretação conferida pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar os Embargos de Declaração no Agravo Interno no Recurso Especial 1.573.573/RJ, assinala-se ser descabida, in casu, a fixação de honorários advocatícios nos moldes do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, porquanto não houve fixação da verba honorária sucumbencial em primeiro grau em desfavor do autor.
4 CONCLUSÃO
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Documento eletrônico assinado por LUIZ FELIPE S. SCHUCH, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3855982v15 e do código CRC 46342938.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): LUIZ FELIPE S. SCHUCHData e Hora: 20/9/2023, às 20:38:41
Apelação Nº 5000900-73.2022.8.24.0068/SC
RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH
APELANTE: ALTAIR ROBERTO DALLE LASTE (AUTOR) APELADO: B2W COMPANHIA DIGITAL (RÉU)
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRODUTO ADQUIRIDO COM DEFEITO. TELEVISOR ENTREGUE COM TELA RACHADA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR. ALMEJADA A CONDENAÇÃO DA PARTE ADVERSA AO PAGAMENTO DE REPARAÇÃO POR ABALO ANÍMICO. TESE RECHAÇADA. VÍCIO EM PRODUTO. TRANSTORNOS SOFRIDOS PELO CONSUMIDOR QUE NÃO DERAM AZO À CARACTERIZAÇÃO DE DANO MORAL. AUSÊNCIA DE PROVA ACERCA DE CONSEQUÊNCIAS GRAVOSAS ALÉM DO NORMAL PARA A HIPÓTESE DOS AUTOS. ÔNUS DO RECORRENTE EM DEMONSTRAR A EXISTÊNCIA DE FATOS CAPAZES DE PROVOCAR VIOLAÇÃO À SUA HONRA, IMAGEM E INTIMIDADE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA QUE NÃO DESINCUMBE O AUTOR DE DEMONSTRAR FATO CONSTITUTIVO DO PRÓPRIO DIREITO (ART. 373, I, DO CPC). SÚMULA 55 DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NEGATIVA DE ATENDIMENTO NA SEARA ADMINISTRATIVA QUE NÃO ENSEJA DANOS MORAIS PRESUMIDOS. ABALO ANÍMICO NÃO EVIDENCIADO. MERO ABORRECIMENTO OU DISSABOR. SENTENÇA MANTIDA. PLEITO DE MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. INVIABILIDADE. VERBA ARBITRADA CONFORME AS PECULIARIDADES DA DEMANDA E DIRETRIZES DO ARTIGO 85, § 2º, DO CPC. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 14 de setembro de 2023.
Documento eletrônico assinado por LUIZ FELIPE S. SCHUCH, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3855983v8 e do código CRC 8e24a2ee.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): LUIZ FELIPE S. SCHUCHData e Hora: 20/9/2023, às 20:38:41
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 14/09/2023
Apelação Nº 5000900-73.2022.8.24.0068/SC
RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH
PRESIDENTE: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH
PROCURADOR(A): ONOFRE JOSE CARVALHO AGOSTINI
APELANTE: ALTAIR ROBERTO DALLE LASTE (AUTOR) ADVOGADO(A): VINICIUS EDUARDO RIBEIRO RAMOS (OAB SC047193) ADVOGADO(A): SERGIO GUARESI DO SANTO (OAB SC009775) ADVOGADO(A): PAULO ROGERIO DE SOUZA MILLEO (OAB SC007654) ADVOGADO(A): MAURI JOAO GALELI (OAB SC013472) ADVOGADO(A): PATRICIA SALINI (OAB SC014940) ADVOGADO(A): SERGIO GUARESI DO SANTO APELADO: B2W COMPANHIA DIGITAL (RÉU) ADVOGADO(A): THIAGO MAHFUZ VEZZI (OAB SC040415A)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 14/09/2023, na sequência 276, disponibilizada no DJe de 28/08/2023.
Certifico que a 4ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 4ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH
Votante: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCHVotante: Desembargador HELIO DAVID VIEIRA FIGUEIRA DOS SANTOSVotante: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO
JOANA DE SOUZA SANTOS BERBERSecretária
Fonte: TJSC
Imagem Freepik