Ademais, a jurisprudência amplamente majoritária sufraga o entendimento segundo o qual os planos de saúde podem limitar as doenças cobertas, mas jamais a terapêutica necessária para a sua cura, cuja prescrição cabe exclusivamente ao médico assistente, que examinou o paciente, o qual está a par das peculiaridades do caso e, por isso, é a única pessoa indicada para, à luz dos ditames da ética médica, prescrever o tratamento e o diagnóstico adequados ao caso.
Processo: 5007174-66.2023.8.24.0020 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Cláudia Lambert de Faria
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Quinta Câmara de Direito Civil
Julgado em: 18/12/2023
Classe: Apelação Citações – Art. 927, CPC: Súmulas STJ:608
Apelação Nº 5007174-66.2023.8.24.0020/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5007174-66.2023.8.24.0020/SC
RELATORA: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA
APELANTE: UNIMED CRICIUMA COOPERATIVA TRABALHO MEDICO REGIAO CARBONIFERA (RÉU) ADVOGADO(A): EVALDO DE FREITAS FENILLI (OAB SC008326) ADVOGADO(A): Sergio de Freitas Fenilli (OAB SC019390) ADVOGADO(A): PATRICIA DE FREITAS FENILLI (OAB SC010631) APELADO: JOAO LUIS SILVA RIETH (AUTOR) ADVOGADO(A): MARCO SILVA RIETH (OAB SC058006)
RELATÓRIO
Adoto o relatório da sentença por retratar com fidelidade os atos processuais (evento 35, SENT1):
JOAO LUIS SILVA RIETH ajuizou ação de PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL em face de UNIMED CRICIUMA COOPERATIVA TRABALHO MEDICO REGIÃO CARBONIFERA ao argumento de que sofre com a patologia CID.10 F.32.2, que se trata de Episódio Depressivo Grave Único e sem Sintomas Psicóticos e que os cuidados ambulatoriais estão sendo desempenhado desde Agosto de 2022, mas que não houve melhora no seu quadro clínico. A médica pontuou: “Conclui-se então que o paciente é portador de Transtorno Depressivo Resistente ao Tratamento (falha pelo menos dois esquemas antidepressivos), segue sintomático e possui risco de morte”. Em relação à referência bibliográfica, o EMT encontra-se aprovado pelo Conselho Federal de Medicina (CRM), através da Resolução CFM 1.986/2012, conforme resta anexado na íntegra este documento (evento 1 – ANEXO7) e que há respaldo sólido da literatura médica internacional. Assim, requer, em sede de tutela e no pedido principal, que seja permitido o tratamento prescrito pela profissional, consistente em 20 sessões, uma por dia, em clínica de psiquiatria, acompanhado de psiquiatra para definições dos protocolos, e mais 20 sessões em dias intercalados com redução progressiva, totalizando 40 sessões.
Concedida a tutela antecipada no evento 6, DESPADEC1.
Citada, a demandada ofereceu resposta. No mérito, aduziu a improcedência do pedido, considerando que o procedimento não está previsto no rol da ANS e de que não possuí evidências científicas de eficiência. Por fim, concluiu requerendo a revogação da tutela antecipada de urgência e a improcedência dos pedidos.
Houve réplica.
É o relato.
Sobreveio sentença de procedência dos pedidos iniciais, constando em seu dispositivo:
Ante ao exposto, JULGO PROCEDENTE os pedidos iniciais, CONFIRMANDO a tutela deferida, para determinar que a requerida custeie o tratamento prescrito pela psiquiatra do autor, consistente em 20 sessões, uma por dia, em clínica de psiquiatria, acompanhado de psiquiatra para definições dos protocolos, e mais 20 sessões em dias intercalados com redução progressiva, totalizando 40 sessões.
O réu deverá ressarcir os valores desembolsados pela parte autora com as primeiras sessões, conforme comprovantes anexos ao feito, corrigidos monetariamente desde a data do desembolso.
Condeno a ré, ainda, ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10 % sobre o valor da causa.
Havendo recurso, vista ao adverso pelo prazo legal e, após, remeta-se ao e.TJSC.
Havendo pagamento da condenação e interposto recurso de apelação, por qualquer que seja das partes, indico – desde já – que a liberação será analisada pelo e.TJSC.
Havendo pagamento da condenação e transitado em julgado a demanda, caso haja poderes para receber e dar quitação na procuração /substabelecimento do advogado/sociedade de advogados da parte respectiva e indicado conta destes com os respectivos poderes ou caso informado conta da parte correspondente – caso não se trate de beneficiário incapaz – expeça-se o competente alvará. Tratando-se de beneficiário incapaz, o valor deverá ser liberado em conta do genitor, considerando que possuí poderes de gestão dos rendimentos da criança e do adolescente até atingir a maioridade, ou do próprio beneficiário Gizo que havendo honorários contratuais e apresentado o respectivo contrato assinado pela parte, fica desde já autorizada eventual retenção e liberação do montante.
Havendo taxa de serviços judiciais/despesas processuais não utilizados, e caso haja interesse na devolução, as partes poderão solicitar de forma autônoma a devolução de valores. Também poderão acompanhar o andamento do pedido e responder, no próprio sistema, a eventuais diligências necessárias durante sua tramitação. Também é prevista desoneração operacional porque o pedido será realizado diretamente pelo interessado, com trâmite direto para o Conselho do FRJ, ou seja, a ferramenta dispensará a passagem da solicitação pelas Secretarias de Foro e Seção de Protocolo. O sistema poderá ser acessado pela página https://www.tjsc.jus.br/devolucao-de-valores.
Oportunamente, arquive-se.
Irresignada, a requerida interpôs recurso de apelação no evento 43, APELAÇÃO1, asseverando que: a) não são aplicáveis os ditames da Lei n. 14.454/22, visto que esta passou a vigorar somente em setembro de 2022, sendo que o contrato foi pactuado em 1994; b) o rol da ANS é taxativo; c) o contrato garante apenas consultas com psiquiatra, não garantindo eventuais tratamentos prescritos; d) o apelado contratou plano não regulamentado, que tem custo inferior aos regulamentados.
Com as contrarrazões do evento 48, CONTRAZ1, vieram os autos conclusos para julgamento.
VOTO
O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
De início, importante destacar que, consoante Súmula 608 do STJ, os princípios e as regras do Código de Defesa do Consumidor incidem sobre os contratos de plano de saúde, nos termos do § 2º, do art. 3º, da Lei n. 8.078/1990.
Súmula 608: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.
Portanto, impõe-se a análise das questões suscitadas pelas partes não somente com base no Código Civil, mas, também, à luz do Código de Defesa do Consumidor.
Compulsando os autos, verifica-se que é incontroverso que o requerente é beneficiário do plano de saúde administrado pela recorrente (evento 1, CONTR9) e foi diagnosticado com episódio depressivo grave único e sem sintomas psicóticos (CID 10 F.32.2), sendo que, para a melhoria de seu quadro, foi indicado o tratamento EMT – Estimulação Magnética Transcraniana.
Em seu recurso, a requerida alega, em síntese, que o contrato de plano de saúde ofertado ao autor limita a cobertura de procedimentos previstos no rol da ANS e, ausente sua previsão no referido rol, não possui obrigatoriedade em custear o tratamento.
Razão, contudo, não lhe assiste.
Importa realçar que, em 21/09/2022, adveio a publicação da Lei nº 14.454/2022, que alterou a Lei nº 9.656/1998 para estabelecer que a operadora de planos de assistência à saúde autorize obrigatoriamente a cobertura de tratamentos ou procedimentos prescritos por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 do artigo 10, quando exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico ou quando existam recomendações de órgãos técnicos de renome.
Vejamos:
“Art. 10. ………………………………………………………………………………………………………
§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.
§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I – exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II – existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.” (NR)”;
Sendo assim, conforme se verifica dos autos, na linha do que restou comprovado pelo autor, a sua situação enquadra-se no parâmetro elencado pelo inciso I do referido dispositivo legal para que a requerida seja obrigada a custear o tratamento indicado por seu médico.
A importância do tratamento de que necessita o beneficiário restou devidamente comprovada através do relatório médico acostado ao evento 1, ATESTMED6, do qual se extrai:
“Declaro para os devidos fins que o paciente JOAO LUIS SILVA RIETH está em seguimento ambulatorial sob meus cuidados desde 28/03/2022, com diagnóstico de CID 10 F32.2, em uso regular de escitalopram 30mg, trazodona 150mg e mirtazapina 30mg. Paciente apresenta sintomas depressivos nucleares (tristeza e anedonia), bem como hipotimia, lentidão psicomotora, hipersonia, déficit de concentração e atenção há um ano e períodos de ideação com planejamento suicida. Teve internação psiquiátrica em agosto de 2022 devido risco suicida. Já fez tratamento com venlafaxina, sertralina, olanzapina e vortioxetina sem melhora/ sem remissão do quadro. Não apresenta melhora do quadro com as medicações atuais, além de sedação excessiva com estas. Teve hepatotoxicidade medicamentoso (com aumento significativo das transaminases) e seu gastroenterologista orientou retirada e redução deas medicações. Conclui-se então que o paciente é portador de Transtorno Depressivo Resistente ao Tratamento, segue sintomático e desenvolveu hepatotoxicidade, ou seja, não é possível adicionar novas medicações.
Frente ao quadro exposto encaminho pedido para autorização com URGÊNCIA de tratamento utilizando Estimulação Magnética Transeraniana (EMT).
Tal procedimento é aprovado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), conforme resolução CFM 1.986/2012, onde consta que “reconhece a Estimulação Magnética Transcraniana superficial como ato médico privativo e cientificamente válido e utilizável na prática médica nacional, com indicações para depressões (uni e bipolar), alucinações auditivas (esquizofrenia) e planejamento de neurocirurgia.”
O uso de EMT deve ser realizado em 20 sessões, uma por dia, em clínica de psiquiatria, acompanhado de psiquiatra para definições dos protocolos, com bobina em formato de figura 8 (oito), 5 vezes por semana, ao menos por 4 semanas (tratamento de indução) e mais 20 sessões em dias intercalados com redução progressiva (tratamento manutenção).
Totalizando, 40 sessões. Tal prescrição encontra respaldo na literatura médica, como consta no trabalho “Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT) 2016 Clinical Guidelines for the Management of Adults with Major Depressive Disorder: Section 4. Neurostimulation Treatments”. Nesse estudo de revisão sistemática, a EMT aparece como primeira linha para tratamento de depressão em pacientes que falharam ao menos um antidepressivo, com segurança e tolerabilidade comprovada.
O objetivo do tratamento com EMT é a remissão do quadro clínico, bem como evitar piora do quadro com aumento de risco de suicídio, afastamento do trabalho e/ou internação hospitalar.”
Dessarte, inconteste a eficácia da técnica prescrita ao tratamento da doença do autor, de modo que a sua situação enquadra-se no parâmetro elencado pelo inciso I do § 13 do art. 10 da Lei nº 14.454/2022, para que a requerida seja obrigada a custear o tratamento em questão.
Ademais, a jurisprudência amplamente majoritária sufraga o entendimento segundo o qual os planos de saúde podem limitar as doenças cobertas, mas jamais a terapêutica necessária para a sua cura, cuja prescrição cabe exclusivamente ao médico assistente, que examinou o paciente, o qual está a par das peculiaridades do caso e, por isso, é a única pessoa indicada para, à luz dos ditames da ética médica, prescrever o tratamento e o diagnóstico adequados ao caso.
Com efeito, não pode o plano de saúde se sobrepor ao conhecimento técnico do médico, que prescreveu o procedimento específico para o caso de seu paciente e concluiu que a técnica escolhida era a mais eficaz para o tratamento da doença.
Sobre o assunto, colhe-se da jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAR COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. AUTORA DIGNOSTICADA COM DEPRESSÃO CRÔNICA REFRATÁRIA. RECOMENDAÇÃO POR MÉDICOS ASSISTENTES (PSIQUIATRA E NEUROLOGISTA) DE TRATAMENTO POR MEIO DE ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA OPERADORA DO PLANO DE SAUDE.DEFENDIDA A LEGALIDADE DA NEGATIVA. TESE DE QUE A COBERTURA CONTRATUAL É LIMITADA PELO ROL DE PROCEDIMENTOS DEFINIDOS PELA ANS. INSUBSISTÊNCIA. RECENTE PUBLICAÇÃO DA LEI Nº 14.454/2022, QUE ALTEROU A LEI Nº 9.656/1998, ESTABELECENDO QUE TRATAMENTOS AINDA QUE NÃO CONTEMPLADOS PELO ROL DA ANS DEVEM SER CUSTEADOS PELOS PLANOS DE SAÚDE DESDE QUE CUMPRAM UMA DAS CONDICIONANTES ESTABELECIDAS NO § 13 DO ARTIGO 10 DA LEI Nº 9.656/1998. TRATAMENTO INDICADO À AUTORA, DE ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA, QUE POSSUI EFICÁCIA RECONHECIDA NA MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS PARA OS CASOS DE DEPRESSÃO REFRATÁRIA. TÉCNICA RECONHECIDA EM 2012 PELO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. NOTAS TÉCNICAS DO NATJUS NESTE SENTIDO. PRECEDENTE DO STJ TAMBÉM NESTE SENTIDO.SENTENÇA MANTIDA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS (ART. 85, § 11, DO CPC/2015). RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0600202-68.2014.8.24.0235, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Selso de Oliveira, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 29-09-2022).
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PACIENTE ACOMETIDO PELAS MOLÉSTIAS “TRANSTORNO DEPRESSIVO RECORRENTE, EPISÓDIO ATUAL, DISTIMIA E ANSIEDADE GENERALIZADA”, CID 10, F33.2, F34.1 E F41.1. RECUSA ADMINISTRATIVA NO FORNECIMENTO DO RECURSO TERAPÊUTICO INDICADO POR MÉDICO ASSISTENTE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA RÉ. AVENTADA LICITUDE NA NEGATIVA DE COBERTURA POR NÃO SE ENQUADRAR O CASO DO AUTOR NAS DIRETRIZES DA ANS. INSUBSISTÊNCIA. ENTENDIMENTO SEDIMENTADO NO ÂMBITO DESTA CORTE NO SENTIDO DE QUE AQUELE ROL NÃO É TAXATIVO/EXAUSTIVO. PREVALÊNCIA DO TRATAMENTO INDICADO PELO PROFISSIONAL ASSISTENTE. PRECEDENTES. ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA (EMTR). DOENÇA INSERTA NA CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS À SAÚDE (CID 10). PREVISÃO CONTRATUAL DE COBERTURA. ADEMAIS, RESOLUÇÃO NORMATIVA N 387/2015 QUE DETERMINA A OBRIGATORIEDADE DOS PLANOS DE SAÚDE EM CUSTEAR OS TRATAMENTOS CLÍNICOS E CIRÚRGICOS DECORRENTES DE TRANSTORNOS MENTAIS. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. SENTENÇA MANTIDA NO VÉRTICE. “[…] o fato de o procedimento não constar do rol da ANS não afasta o dever de cobertura do plano de saúde, haja vista se tratar de rol meramente exemplificativo […]” (STJ, AgInt no AREsp 1036187 / PE, rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 27-06-2017). DANOS MORAIS. PLEITO DE AFASTAMENTO. INACOLHIMENTO. ILÍCITO CONFIGURADO. QUADRO CLÍNICO GRAVE, SEGUNDO PROVA TÉCNICA HAVIDA NOS AUTOS. NEGATIVA ADMINISTRATIVA QUE, NO CONTEXTO, DESBORDA O MERO DISSABOR. QUANTUM INDENITÁRIO QUE TAMPOUCO MERECE ALTERAÇÃO. MONTANTE ADEQUADO AO CASO EM CONTENDA. HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0314492-50.2016.8.24.0023, da Capital, rel. André Carvalho, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 28-07-2020).
Além disso, no dia 8 de junho de 2022, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial de ns. 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, assentou o entendimento de que o rol de procedimentos e eventos em saúde estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), embora seja em regra taxativo, pode ser ampliado desde que cumpridos determinados parâmetros, sendo um deles a eficácia do tratamento, o que, como já salientado, foi devidamente preenchido in casu.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. DIVERGÊNCIA ENTRE AS TURMAS DE DIREITO PRIVADO ACERCA DA TAXATIVIDADE OU NÃO DO ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, INEQUIVOCAMENTE ESTABELECIDA NA SUA PRÓPRIA LEI DE CRIAÇÃO. ATO ESTATAL DO REGIME JURÍDICO DE DIREITO ADMINISTRATIVO AO QUAL SE SUBMETEM FORNECEDORES E CONSUMIDORES DA RELAÇÃO CONTRATUAL DE DIREITO PRIVADO. GARANTE A PREVENÇÃO, O DIAGNÓSTICO, A RECUPERAÇÃO E A REABILITAÇÃO DE TODAS AS ENFERMIDADES. SOLUÇÃO CONCEBIDA E ESTABELECIDA PELO LEGISLADOR PARA EQUILÍBRIO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. ENUNCIADO N. 21 DA I JORNADA DE DIREITO DA SAÚDE DO CNJ. CDC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA À RELAÇÃO CONTRATUAL, SEMPRE VISANDO O EQUILÍBRIO. HARMONIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA E SEGUNDA SEÇÕES NO SENTIDO DE VELAR AS ATRIBUIÇÕES LEGAIS E A DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA DA AUTARQUIA ESPECIALIZADA. FIXAÇÃO DA TESE DA TAXATIVIDADE, EM REGRA, DA RELAÇÃO EDITADA PELA AGÊNCIA, COM ESTABELECIMENTO DE PARÂMETROS OBJETIVOS PARA SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS SUBMETIDAS AO JUDICIÁRIO.[…]11. Cabem serem observados os seguintes parâmetros objetivos para admissão, em hipóteses excepcionais e restritas, da superação das limitações contidas no Rol: 1 – o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo; 2 – a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado à lista; 3 – é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extrarrol; 4 – não havendo substituto terapêutico ou estando esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título de excepcionalidade, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo-assistente, desde que (i) não tenha sido indeferida expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e NatJus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.12. No caso concreto, a parte autora da ação tem esquizofrenia paranoide e quadro depressivo severo e, como os tratamentos medicamentosos não surtiram efeito, vindica a estimulação magnética transcraniana – EMT, ainda não incluída no Rol da ANS. O Conselho Federal de Medicina – CFM, conforme a Resolução CFM n. 1.986/2012, reconhece a eficácia da técnica, com indicação para depressões uni e bipolar, alucinações auditivas, esquizofrenias, bem como para o planejamento de neurocirurgia, mantendo o caráter experimental para as demais indicações. Consoante notas técnicas de NatJus de diversos Estados e do DF, o procedimento, aprovado pelo FDA norte-americano, pode ser mesmo a solução imprescindível para o tratamento de pacientes que sofrem das enfermidades do recorrido e não responderam a tratamento com medicamentos – o que, no ponto, ficou incontroverso nos autos.13. Com efeito, como o Rol não contempla tratamento devidamente regulamentado pelo CFM, de eficácia comprovada, que, no quadro clínico do usuário do plano de saúde e à luz do Rol da ANS, é realmente a única solução imprescindível ao tratamento de enfermidade prevista na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde – CID, notadamente por não haver nas diretrizes da relação editada pela Autarquia circunstância clínica que permita essa cobertura, é forçoso o reconhecimento do estado de ilegalidade, com a excepcional imposição da cobertura vindicada, que não tem preço significativamente elevado.14. Embargos de divergência a que se nega provimento.(EREsp n. 1.886.929/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 8/6/2022, DJe de 3/8/2022 – grifei)
Diante do cenário apresentado, observando o preenchimento dos requisitos legais e também o parâmetro definido pela Corte da Cidadania para justificar a determinação de cobertura de tratamento não contemplado no rol da ANS, e, sobretudo, em razão do comprometimento da saúde do demandante, é medida de rigor a manutenção da decisão apelada.
Por derradeiro, em obediência ao art. 85, §§ 2º, do Código de Processo Civil, fixam-se honorários recursais em favor do autor apelado, que atua em causa própria, em 2% do valor da causa, os quais, cumulativamente com os 10% já arbitrados em primeiro grau de jurisdição, perfazem um total de 12% sobre o valor atualizado da causa.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4246490v14 e do código CRC 414ccc11.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CLÁUDIA LAMBERT DE FARIAData e Hora: 18/12/2023, às 21:57:9
Apelação Nº 5007174-66.2023.8.24.0020/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5007174-66.2023.8.24.0020/SC
RELATORA: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA
APELANTE: UNIMED CRICIUMA COOPERATIVA TRABALHO MEDICO REGIAO CARBONIFERA (RÉU) ADVOGADO(A): EVALDO DE FREITAS FENILLI (OAB SC008326) ADVOGADO(A): Sergio de Freitas Fenilli (OAB SC019390) ADVOGADO(A): PATRICIA DE FREITAS FENILLI (OAB SC010631) APELADO: JOAO LUIS SILVA RIETH (AUTOR) ADVOGADO(A): MARCO SILVA RIETH (OAB SC058006)
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.
RECURSO DA REQUERIDA
PLEITO DE TRATAMENTO POR ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA PARA TRATAMENTO DE TRANSTORNO DEPRESSIVO RESISTENTE. NEGATIVA DE COBERTURA. RECENTE LEI Nº 14.454/2022 QUE ALTEROU A LEI Nº 9.656/1988 E DEFINIU SER O ROL DA ANS APENAS UMA LISTA DE REFERÊNCIA PARA TRATAMENTOS E MEDICAMENTOS. NORMATIVO LEGAL QUE TORNOU OBRIGATÓRIA A COBERTURA DE EXAMES OU TRATAMENTOS NÃO INCLUÍDOS NO ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE SUPLEMENTAR, NA HIPÓTESE DE COMPROVAÇÃO DA EFICÁCIA, À LUZ DAS CIÊNCIAS DA SAÚDE, BASEADA EM EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS E PLANO TERAPÊUTICO OU QUANDO EXISTAM RECOMENDAÇÕES DE ÓRGÃOS DE RENOME. TRATAMENTO INDICADO PELA MÉDICA DO AUTOR QUE PREENCHE O REQUISITO ELENCADO NO ART. 10, § 13, INCISO I, DA REFERIDA LEI. COBERTURA DEVIDA. SENTENÇA MANTIDA INCÓLUME.
HONORÁRIOS RECURSAIS. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS. CABIMENTO.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 18 de dezembro de 2023.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4246491v9 e do código CRC b6cb3a5a.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CLÁUDIA LAMBERT DE FARIAData e Hora: 18/12/2023, às 21:57:9
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 18/12/2023
Apelação Nº 5007174-66.2023.8.24.0020/SC
RELATORA: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA
PRESIDENTE: Desembargador RICARDO FONTES
PROCURADOR(A): CARLOS ALBERTO DE CARVALHO ROSA
APELANTE: UNIMED CRICIUMA COOPERATIVA TRABALHO MEDICO REGIAO CARBONIFERA (RÉU) ADVOGADO(A): EVALDO DE FREITAS FENILLI (OAB SC008326) ADVOGADO(A): Sergio de Freitas Fenilli (OAB SC019390) ADVOGADO(A): PATRICIA DE FREITAS FENILLI (OAB SC010631) APELADO: JOAO LUIS SILVA RIETH (AUTOR) ADVOGADO(A): MARCO SILVA RIETH (OAB SC058006)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 18/12/2023, na sequência 140, disponibilizada no DJe de 28/11/2023.
Certifico que a 5ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 5ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA
Votante: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIAVotante: Desembargador RICARDO FONTESVotante: Desembargador JAIRO FERNANDES GONÇALVES
ROMILDA ROCHA MANSURSecretária
Fonte: TJSC
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