Se o plano contratado pela autora oferece cobertura às despesas relativas à patologia, a justificativa médica atesta a necessidade do tratamento, inexiste cláusula contratual excluindo especificamente o medicamento solicitado, como é a hipótese dos autos, deve o plano de saúde oferecer a terapia indicada à beneficiária.
Processo: 5051999-58.2023.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Haidée Denise Grin
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Sétima Câmara de Direito Civil
Julgado em: 14/12/2023
Classe: Agravo de Instrumento
Agravo de Instrumento Nº 5051999-58.2023.8.24.0000/SC
RELATORA: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN
AGRAVANTE: UNIMED GRANDE FLORIANÓPOLIS – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO ADVOGADO(A): Ricardo Miara Schuarts (OAB PR055039) ADVOGADO(A): ALESSANDRA MONTI BADALOTTI (OAB PR046847) ADVOGADO(A): Ricardo Miara Schuarts (OAB SC060842) AGRAVADO: SAMIRA RAFAELI GOMES ADVOGADO(A): JOAO LEONEL DE CASTILHOS JUNIOR (OAB SC046058)
RELATÓRIO
Unimed Grande Florianópolis – Cooperativa de Trabalho Médico interpôs Agravo de Instrumento da decisão proferida pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Lages que, nos autos da “ação de obrigação de fazer c/c tutela de urgência” n. 5016473-10.2023.8.24.0039 contra si ajuizada por Samira Rafaeli Gomes, deferiu o pedido de tutela de urgência formulado pela parte autora, determinando que o plano de saúde “autorize, forneça ou custeie o fornecimento da medicação PAZOPANIBE (VOTRIENT®) 400mg na quantidade, dose e tempo que o receituário médico demandar por ocasião do seu tratamento” (Evento 4, da origem)
Sustentou, em síntese, o desacerto da decisão agravada, sob o fundamento de que “de acordo com as Diretrizes de Utilização (DUT) da ANS nº 64, não há cobertura obrigatória de tratamento com PAZOPANIBE (VOTRIENT®) para o diagnóstico de TRATAMENTO DE SARCOMA DE OMBRO ESQUERDO – SUBTIPO TUMOR FIBROSO SOLITÁRIO, FIBROMATOSE DESMOIDE (RARO)” (Evento, 1, INIC1, p. 5).
Disse que ausente o requisito da probabilidade do direito da parte autora, considerando que “não há no contrato cláusula contratual expressa de contratação específica (cobertura adicional) do procedimento/fármaco requerido pela parte autora” (Evento 1, INIC1, p. 14).
Asseverou que “o medicamento PAZOPANIBE (VOTRIENT®) 400mg só pode ser fornecido pelos planos de saúde quando atendido o protocolo de tratamento previsto na DUT supracitada, para tratamento de PACIENTES COM CÂNCER DE RIM. Nesse sentido, a prescrição do fármaco PAZOPANIBE (VOTRIENT®) 400mg para o diagnóstico que a parte autora apresenta se caracterizara como fornecimento de medicamento DOMICILIAR o que, por sua vez, é expressamente vedado pelo art. 10, inciso VI da Lei 9.656/98, art. 17, inciso VI da Resolução Normativa nº 465/2021 e previsão contratual” (Evento 1, INIC1, p. 15).
Requereu a concessão do efeito suspensivo à decisão combatida e, ao final, o provimento do reclamo para “reformar a r. decisão agravada e, sendo revogada para efeito de suspender a obrigação da Agravante em custear o fármaco em discussão e/ou, alternativamente, condicionar tal a prestação de caução idônea pela parte Agravada, tudo conforme fundamentação” (Evento 1, INIC1, p. 42).
O agravo de instrumento foi recebido e indeferido o pedido de tutela antecipada recursal (Evento 8).
Instada, a agravada apresentou contrarrazões (Evento 14).
Vieram-me conclusos.
Este é o relatório.
VOTO
Admissibilidade
Como condição geral de admissibilidade, o conhecimento do recurso está condicionado ao cumprimento dos requisitos extrínsecos (regularidade formal e tempestividade) e intrínsecos (cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) previstos na legislação, em especial as disposições dos artigos 1.015, 1.016 e 1.017 do Código de Processo Civil.
Requisitos que se encontram preenchidos no presente recurso, consoante registrado na decisão monocrática do evento 8, razão pela qual se passa à análise de mérito.
Do Agravo de Instrumento
Trata-se de recurso de Agravo de Instrumento em face da decisão prolatada pelo Magistrado a quo que, deferiu a tutela de urgência para determinar que “a requerida autorize, forneça ou custeie o fornecimento da medicação PAZOPANIBE (VOTRIENT®) 400mg na quantidade, dose e tempo que o receituário médico demandar por ocasião do seu tratamento, sob pena de sequestro dos valores necessários em suas contas bancárias” (Evento 4, da origem).
Como dito, pretende a operadora do plano de saúde ré a reforma da sentença que determinou o fornecimento/custeio do medicamento acima mencionado ao argumento de que “de acordo com as Diretrizes de Utilização (DUT) da ANS nº 64, não há cobertura obrigatória de tratamento com PAZOPANIBE (VOTRIENT®) para o diagnóstico de TRATAMENTO DE SARCOMA DE OMBRO ESQUERDO – SUBTIPO TUMOR FIBROSO SOLITÁRIO, FIBROMATOSE DESMOIDE (RARO)” (Evento, 1, INIC1, p. 5).
Desde já, impende ressaltar que “em sede de agravo de instrumento cabe ao juízo ad quem apenas a análise acerca do acerto ou desacerto da decisão agravada, sendo vedada a análise de questões não examinadas em primeiro grau, sob pena de supressão de instância” (TJSC, Agravo de Instrumento n. 0018650-96.2016.8.24.0000, da Capital, rel. Monteiro Rocha, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 11-07-2017). Por tal razão, alerta-se que elementos de fato e de prova ausentes do caderno processual no momento da prolação do interlocutório vergastado não podem ser analisados por este Órgão Fracionário, devendo ser primeiro submetidos à apreciação da instância originária para só então serem reapreciados por esta câmara recursal.
No caso dos autos, incontroverso que a autora/agravada é portadora de “Sarcoma do Ombro Esquerdo – Subtipo Tumor Fibroso Solitário, Fibromatose Desmóide (Raro) – CID C49.1” (Evento 1, ATESTMED6, da origem), inexistindo controvérsia acerca da relação contratual existente entre as partes consubstanciada no contrato de assistência à saúde (Evento 1, DOCUMENTACAO12, CONTR13, da origem).
De igual modo, incontroverso que a agravante negou o fornecimento de “PAZOPANIBE (VOTRIENT®) 400mg”, nos termos prescritos pelo médico que assiste à agravada (Evento 1, DOCUMENTACAO16, da origem), porque “não foram preenchidas as Diretrizes de Utilização, Diretriz de utilização nº 64” (Evento 1, DOCUMENTACAO15, da origem).
A controvérsia, portanto, reside na suposta inobservância da Diretriz de Utilização n. 64, aprovada pela Agência Nacional de Saúde e se tal fato autoriza a recusa de cobertura.
Contudo, a insurgência da operadora do plano de saúde ré, não tem o condão de afastar a obrigatoriedade de custeio do tratamento.
Ocorre que, como já consignei na decisão monocrática, havendo indicação pelo profissional médico, previsão na Resolução Normativa n. 465 da ANS (Anexo II), registro na ANVISA, conforme informações retiradas do próprio sítio eletrônico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e da Agência Nacional de Saúde, mostra-se infundada a negativa de custeio da referida medicação, não podendo o plano de saúde interferir no tratamento indicado ao combate da doença, sob pena de causar manifesto prejuízo ao paciente e se chocar com a boa-fé e a função social do contrato.
Em caso semelhante, já se posicionou esta Corte de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NEGATIVA DE COBERTURA DO MEDICAMENTO VOTRIENT (PAZOPANIB), SOB O FUNDAMENTO DE NÃO ESTAR PREVISTO NA LISTAGEM DOS ANTINEOPLÁSICOS ELENCADOS NA RESOLUÇÃO NORMATIVA N. 428/2017 DA ANS. INCABIMENTO. ROL EXEMPLIFICATIVO. PREVISÃO DE COBERTURA CONTRATUAL DA MOLÉSTIA E DA TERAPIA ORAL PARA TRATAMENTO DO CÂNCER. AUSÊNCIA DE EXPRESSA EXCLUSÃO DO FÁRMACO PRESCRITO PELO ESPECIALISTA. FORNECIMENTO DEVIDO. DANOS MORAIS. PACIENTE EM TRATAMENTO DE OSTEOSARCOMA COM RECIDIVA PULMONAR. ABALO ANÍMICO EVIDENCIADO, DIANTE DA GRAVIDADE DA ENFERMIDADE. QUANTUM ARBITRADO. MINORAÇÃO CABÍVEL, EM CONSONÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA MODIFICADA NO PONTO. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS NA ESPÉCIE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (TJSC, Apelação n. 5009962-38.2019.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Flavio Andre Paz de Brum, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 02-12-2021, grifei).
Verifica-se, ainda, que a agravada realizou consulta às notas técnicas do CONITEC e, para sua patologia, existem conclusões favoráveis ao tratamento (Evento 14, NOTATEC1 e 3, da origem), reforçando a obrigatoriedade de custeio do medicamento em questão.
Dessa forma, se o plano contratado pela autora oferece cobertura às despesas relativas à patologia, a justifica médica atesta a necessidade do tratamento, inexiste cláusula contratual excluindo especificamente o medicamento solicitado, como é a hipótese dos autos, deve o plano de saúde oferecer a terapia indicada à beneficiária.
Nesse passo, a diretriz de utilização não constitui parâmetro para aferição da solicitação médica, por ser incumbência do especialista que acompanha o paciente o diagnóstico da enfermidade e o tratamento ideal.
Aliás, o Superior Tribunal de Justiça que tem decidido “que a operadora do plano de saúde pode delimitar as doenças passíveis de cobertura, mas não pode restringir os procedimentos e as técnicas a serem utilizadas no tratamento da enfermidade, mormente quando o medicamento em questão está devidamente registrado na ANVISA” (AgInt no AREsp 1069037/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 27/06/2017, DJe 1-8-2017).
Assim, a negativa revela-se abusiva e em afronta os preceitos legais da legislação consumerista que, como já mencionado, indicam que as disposições contratuais devem ser interpretadas da forma mais benéfica ao consumidor, parte hipossuficiente da relação contratual.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso de agravo de instrumento e negar-lhe provimento.
Documento eletrônico assinado por HAIDÉE DENISE GRIN, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4298826v6 e do código CRC eff757c8.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): HAIDÉE DENISE GRINData e Hora: 14/12/2023, às 18:20:23
Agravo de Instrumento Nº 5051999-58.2023.8.24.0000/SC
RELATORA: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN
AGRAVANTE: UNIMED GRANDE FLORIANÓPOLIS – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO ADVOGADO(A): Ricardo Miara Schuarts (OAB PR055039) ADVOGADO(A): ALESSANDRA MONTI BADALOTTI (OAB PR046847) ADVOGADO(A): Ricardo Miara Schuarts (OAB SC060842) AGRAVADO: SAMIRA RAFAELI GOMES ADVOGADO(A): JOAO LEONEL DE CASTILHOS JUNIOR (OAB SC046058)
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO). NEGATIVA DE COBERTURA. SUPOSTO NÃO PREENCHIMENTO DE DIRETRIZ DE UTILIZAÇÃO – DUT. DECISÓRIO QUE DEFERIU A TUTELA DE URGÊNCIA.
INCONFORMISMO DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE.
DEFENDIDA A LEGALIDADE DA NEGATIVA DIANTE DA INOBSERVÂNCIA DA DIRETRIZ DE UTILIZAÇÃO N. 64, DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE – ANS. NÃO ACOLHIMENTO. PLANO CONTRATADO PELA AUTORA QUE OFERECE COBERTURA ÀS DESPESAS RELATIVAS À PATOLOGIA (SARCOMA DE OMBRO ESQUERDO – SUBTIPO TUMOR FIBROSO SOLITÁRIO, FIBROMATOSE DESMOIDE (RARO). JUSTIFICATIVA MÉDICA QUE ATESTA A NECESSIDADE DO TRATAMENTO COM O MEDICAMENTO PAZOPANIBE (VOTRIENT®). PARECER TÉCNICO DA CONITEC DEMONSTRANDO A EXISTÊNCIA DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS FAVORÁVEIS AO TRATAMENTO PRESCRITO. DOENÇA DA AUTORA NÃO ABARCADA NA DIRETRIZ DE UTILIZAÇÃO. IRRELEVÂNCIA NO CASO CONCRETO. DECISÃO MANTIDA.
AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 7ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso de agravo de instrumento e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 14 de dezembro de 2023.
Documento eletrônico assinado por HAIDÉE DENISE GRIN, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4298827v5 e do código CRC 41c02302.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): HAIDÉE DENISE GRINData e Hora: 14/12/2023, às 18:20:23
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/12/2023
Agravo de Instrumento Nº 5051999-58.2023.8.24.0000/SC
RELATORA: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN
PRESIDENTE: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR
PROCURADOR(A): ANDREAS EISELE
AGRAVANTE: UNIMED GRANDE FLORIANÓPOLIS – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO ADVOGADO(A): Ricardo Miara Schuarts (OAB PR055039) ADVOGADO(A): ALESSANDRA MONTI BADALOTTI (OAB PR046847) ADVOGADO(A): Ricardo Miara Schuarts (OAB SC060842) AGRAVADO: SAMIRA RAFAELI GOMES ADVOGADO(A): JOAO LEONEL DE CASTILHOS JUNIOR (OAB SC046058)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 14/12/2023, na sequência 128, disponibilizada no DJe de 27/11/2023.
Certifico que a 7ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 7ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN
Votante: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRINVotante: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVAVotante: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR
TIAGO PINHEIROSecretário
Fonte: TJSC
Imagem Freepik