Plano de saúde: submissão à Lei dos Planos e ao rol da ANS

Essa 5ª Câmara de Direito Público já se debruçou sobre a questão e sedimentou sua compreensão no sentido de que todo e qualquer plano de saúde no território brasileiro, seja ele administrado na modalidade autogestão ou não, por pessoa jurídica de direito privado ou público1, submete-se à Lei dos Planos e ao rol da ANS, em harmonia à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça2.

Processo: 5056735-22.2023.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Vilson Fontana
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Quinta Câmara de Direito Público
Julgado em: 19/12/2023
Classe: Agravo de Instrumento

Agravo de Instrumento Nº 5056735-22.2023.8.24.0000/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001866-91.2023.8.24.0006/SC

RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA

AGRAVANTE: MARIA ISABEL DO NASCIMENTO ANDRE AGRAVADO: ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Maria Isabel do Nascimento André agrava da decisão que indeferiu a tutela de urgência requerida na ação de obrigação de fazer movida contra o Estado de Santa Catarina, consubstanciada no fornecimento e custeio de implante de neuroestimulador medular.
Em suma, a recorrente alega ser necessário o reimplante de neuroestimulador medular para dar continuidade ao tratamento clínico para dor crônica realizado a mais de 16 (dezesseis) anos, pois o implantado em 2011 teve seu prazo de validade esgotado (10 anos) e há recomendação médica para inserção de um novo, cujo modelo funcionará melhor às respostas do seu organismo. Faz também uso de medicamentos a base de canabidiol e derivados de morfina ao menos desde 2010, fornecidos pelo Estado de Santa Catarina em razão de sentença judicial prolatada nos autos n. 0002730-74.2010.8.24.0006.
Alega que, apesar do “medicamento” não estar incluso no rol da ANS, e tampouco no Rol de Procedimentos do Regulamento do SC Saúde, preenche todos os requisitos estipulados no § 13 do art. 10º da Lei 9.656/98 para tornar seu fornecimento obrigatório, sem contar que o procedimento de implante de eletrodo cerebral, em si, é coberto pelo plano. Aduz, ao fim, que o convívio com dor insuportável impede a espera da prestação jurisdicional definitiva, não havendo tampouco se falar em perigo de irreversibilidade, pois, “o maior risco – em meio a essa análise sumária -, é a Agravante evoluir para óbito diante da não autorização do tratamento pleiteado em caráter liminar, ou ainda permanenecer em dor crônica diária sem efetiva melhora com uso da canabidiol”.
Requer, assim, a reforma da decisão para ser autorizado o tratamento conforme prescrição médica.
O efeito ativo foi indeferido.
Não foram apresentadas contrarrazões.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do recurso.
É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Primordialmente, impende destacar que o agravo de instrumento serve apenas à análise do acerto ou desacerto da decisão recorrida no contexto da formação de convencimento do juízo de origem.
Por outro lado, não obstante a parte traga em seu agravo fundamentos no sentido de que o medicamento não está previsto no rol da ANS, ao compulsar os documentos por si amealhados na origem, verifico situação distinta.
A Nota Técnica emitida pela Sociedade Brasileira de Neurocirurgia em 06/03/2023, esclarece que o procedimento de “implante de neurosestimulador com alvo no gânglio da raiz dorsal para tratamento de síndrome de dor crônica de origem neuropática, também conhecido como Estimulação DRG (Dorsal Root Ganglion Stimulation)” está, sim, coberta no rol da ANS “pelos códigos TUSS e DUT da ANS por esta estrutura anatômica (gânglio da raiz dorsal) encontrar-se englobada no termo ‘plexo nervoso ou nervo periférico’ e por se tratar de um procedimento de neuroestimulação para tratamento de síndrome dolorosa crônica de origem neuropática”.
Agora, administrativamente, friso não ter sido negado o procedimento de implante de neurotransmissor em si, pois quanto a este, apenas ficou consignado que, por se tratar de “procedimento eletivo (indicação clínica: dor crônica) e que, portanto, conforme normas do Edital do SC Saúde, deve seguir o fluxo para autorização de procedimento eletivo (via ambulatorial) após a alta hospitalar. […] Como não há registro de risco imediato de vida, risco imediato de lesões irreparáveis e registro de emergência, não se caracteriza emergência” (1.5, p. 5).
Todavia, o fornecimento dos materiais específicos que compõe o sistema do neuroestimulador medular recomendado (DRG), e que consistem no próprio medicamento/tratamento, estes sim foram negados sob o argumento de “não constarem no rol de procedimentos do Plano SC Saúde” (1.5, p. 1-2).
Desta feita, vê-se que o procedimento cirúrgico é coberto pelo SC Saúde, mas não o neurotransmissor, o qual não está em seu rol, apenas no da ANS. Nesse rumo, cumpre verificar se: a) o plano da autora se submete ou não à Lei 9.656/98 (Lei dos Planos), e consequentemente às referências básicas; e também, b) se é caso de realização imediata do procedimento cirúrgico eletivo pretendido (liminar satisfativa).
A resposta é afirmativa para ambas indagações.
Essa 5ª Câmara de Direito Público já se debruçou sobre a questão e sedimentou sua compreensão no sentido de que todo e qualquer plano de saúde no território brasileiro, seja ele administrado na modalidade autogestão ou não, por pessoa jurídica de direito privado ou público1, submete-se à Lei dos Planos e ao rol da ANS, em harmonia à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça2.
No mais, vale lembrar o que consta no Edital de Chamamento:
2.4 SERVIÇOS COBERTOS PELO PLANO SC SAÚDE
O Plano
SC Saúde é destinado ao atendimento em saúde com assistência ambulatorial e hospitalar, compreendendo consultas médicas, serviços auxiliares de diagnóstico e terapia, internação hospitalar para procedimentos clínicos, cirúrgicos e obstétricos, em acomodação coletiva e, nos casos necessários, em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). 
Os atendimentos médico-hospitalares de cobertura pelo plano estão estabelecidos no Rol de Procedimentos do Plano SC Saúde (anexo 11.1 do Manual do Prestador), estando de acordo com o Decreto nº 621 de 26/10/2011.
E no anexo 11.1 do Rol de Procedimentos Médicos, há previsão expressa da cirurgia almejada:

As diretrizes médicas, por sua vez, assim dispõe:

In casu, suficientemente comprovado que a parte possui dor crônica e faz uso de medicamentos contínuo a mais de 10 (dez) anos (removendo qualquer óbice nessa etapa). 
Sob esse viés, obrigatório o fornecimento de implante de DRG, até porque tanto a doença quanto o precedimento são cobertos, e não pode a operadora do plano se imiscuir no ofício da medicina e decidir qual a melhor terapêutica a ser fornecida e aplicada, motivo pelo qual a negativa foi indevida, abusiva e ilegal.
Não suficiente, lembro que, o SC Saúde, em verdade, induziu a parte a se internar para ter acesso ao procedimento, mas posteriormente, apenas o negou por entender inexistir emergência, sem fornecer qualquer tipo de orientação, estimativa de prazo ou qualquer tipo de triagem administrativa.
Indo além, a operadora já tinha plena ciência, quando da migração da agravante para o plano de seu cônjuge como dependente, da existência desta doença preexistente e de todo seu histórico clínico e recomendações médicas, os quais, quando da análise do pedido administrativo, aparentemente foram ignorados.
Outrossim, por certo que inexistem dados concretos quanto a defasagem do aparelho já implantado, no entanto, passaram-se 2 (dois) anos desde o marco final da sua validade, e inexistem razões para discordar do prazo estipulado por profissionais capacitados e homologado por órgãos técnicos quando da fabricação e comercialização daquele produto.
Em verdade, tal fato apenas alimenta a certeza de perda da qualidade e eficiência de um dos medicamentos essenciais do tratamento da dor crônica, visceral e neuropática que acomete a autora, devidamente atestada pelo Dr. Andrei Koerbel em 27/07/2023 (CRM/SC 8199), o qual reforçou que, “Nos últimos meses, a Sra. Maria Isabel tem apresentado agravamento progressivo da dor. Tem passado por crises insuportáveis e incapacitantes de dor, tendo como única alternativa restante o implante de DRG. Devido ao seu sofrimento, solicita-se liberação para realização da cirurgia com a máxima brevidade possível” (1.8 – Grifei).
Afora isso, é possível compreender que os medicamentos a base de cannabis sativa não são suficientes para controle do mal, até porque se fossem, um ano após o fornecimento deles pelo Estado na via judicial, não teria a agravante sido submetida ao implante neural. Lembro que tudo isso se passou a mais de 12 (doze) anos atrás.
Logo, ainda que inexista um risco de morte, inegável haver um decréscimo da qualidade da vida, com constante regresso clínico que vulnera a parte dia após dia com dores crônicas cada vez mais intensas. É pensar que os medicamentos inseridos no tratamento são complementares, e sem um deles (neuroestimulador), aparentemente principal, a parte encontra-se com amparo aquém do mínimo necessário à preservação digna de sua saúde.
Nada obstante, vale frisar que, ao sopesar a concretização dos direitos à vida e à saúde e a proteção dos interesses meramente patrimoniais do Estado (custo aproximado do procedimento, segundo relatado pela própria agravante, de R$ 318.000,00), este último acaba sendo preterido em prol daqueles primeiros, certamente mais importantes no caso concreto.
Por isso, reputo preenchidos os requisitos cumulativos do art. 300 do CPC e reformo a decisão hostilizada para deferir a tutela de urgência requerida pela parte, no sentido de determinar que o réu-agravado promova, dentro de 15 (quinze) dias, o implante do neuroestimulador DRG, conforme prescrição médica.
Por corolário, fica preservado o dever da segurada em arcar com seu percentual de coparticipação, respeitado o teto legal, tudo conforme LCE 306/2005 e Decreto Estadual n. 621/2011.
Por fim, lembro que “a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa” (art. 302, caput, do CPC) e, sob essa ótica, não se desconhece que o Poder Público possui meios adequados e suficientes para efetuar eventual cobrança de valores dispendidos.
Pelo exposto, voto por conhecer e dar provimento ao recurso.

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1. TJSC, AI 5021147-85.2022.8.24.0000, 5ª Câmara de Direito Público, Desembargador o subscritor, por unanimidade, julgado em 27/07/2022.
2. STJ, REsp n. 1.766.181/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 3/12/2019, DJe de 13/12/2019 e REsp n. 1.677.263/RJ, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 17/03/2021.



Agravo de Instrumento Nº 5056735-22.2023.8.24.0000/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001866-91.2023.8.24.0006/SC

RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA

AGRAVANTE: MARIA ISABEL DO NASCIMENTO ANDRE AGRAVADO: ESTADO DE SANTA CATARINA

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDICAMENTOS. SC SAÚDE.PLANO DE AUTOGESTÃO ADMINISTRADO POR PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO SUBMISSA À LEI DOS PLANOS E AO ROL DA ANS (ART. 1º, § 2º DA LEI 9.656/98). DOR CRÔNICA. TRATAMENTO DE LONGA DATA COM USO DE FÁRMACOS A BASE DE CANNABIS E IMPLANTE NEURAL. VALIDADE DO APARELHO NEUROTRANSMISSOR ATUAL ESGOTADA EM 2021. RECOMENDAÇÃO MÉDICA PARA REIMPLANTE POR NEUROESTIMULADOR DISTINTO, COM ALVO NO GÂNGLIO DA RAIZ DORSAL (DORSAL ROOT GANGLION STIMULATION – DRG). PROCEDIMENTO E COMPONENTES PREVISTOS NO ROL DA ANS. COBERTURA OBRIGATÓRIA. CIRURGIA ELETIVA. IRRELEVÂNCIA. ESPECIFICIDADES DA ENFERMIDADE E DO TRATAMENTO QUE REVELAM URGÊNCIA NA INTERVENÇÃO. REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC PREENCHIDOS. TUTELA DEFERIDA. DECISUM REFORMADO. RECURSO PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 19 de dezembro de 2023.

Documento eletrônico assinado por VILSON FONTANA, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4251892v7 e do código CRC ab93a328.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): VILSON FONTANAData e Hora: 19/12/2023, às 15:28:29

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/12/2023

Agravo de Instrumento Nº 5056735-22.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA

PRESIDENTE: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

PROCURADOR(A): CESAR AUGUSTO GRUBBA
AGRAVANTE: MARIA ISABEL DO NASCIMENTO ANDRE ADVOGADO(A): Adilson Pires Júnior (OAB SC028003) AGRAVADO: ESTADO DE SANTA CATARINA MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 19/12/2023, na sequência 147, disponibilizada no DJe de 04/12/2023.
Certifico que a 5ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 5ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador VILSON FONTANA
Votante: Desembargador VILSON FONTANAVotante: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRAVotante: Desembargadora DENISE DE SOUZA LUIZ FRANCOSKI
ANGELO BRASIL MARQUES DOS SANTOSSecretário

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

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