Plano de Saúde: rol de procedimentos

“(…) o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma, sendo abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento domiciliar quando essencial para garantir a saúde ou a vida do segurado” (STJ, AgInt no AREsp 1433651/PE, rel. Min. Raul Araújo, j. em 30.05.2019).

Processo: 5010340-31.2023.8.24.0045 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: André Luiz Dacol
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Público
Julgado em: 14/12/2023
Classe: Apelação Citações – Art. 927, CPC: Súmulas STJ:608

Apelação Nº 5010340-31.2023.8.24.0045/SC

RELATOR: Desembargador ANDRÉ LUIZ DACOL

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) APELADO: MARIA ANA DA SILVA (AUTOR) ADVOGADO(A): KELLY CRISTINA DE AGUIAR (OAB SC034280) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Em atenção aos princípios da celeridade e economia processuais, adota-se o relatório da sentença, transcrito na íntegra, por refletir com fidelidade o trâmite processual na origem:
Trato de AÇÃO ORDINÁRIA. As partes estão identificadas no cabeçalho desta decisão. A autora é segurada do SC SÁUDE. Vem em busca de procedimento (cirurgia de coluna por via endoscópica) que lhe foi negado na esfera administrativa. Pede o deferimento da tutela de urgência.
A tutela de urgência foi deferida. Na mesma decisão foi aplicado o rito do Juízo Comum e concedida a gratuidade da justiça em favor da autora.
Citado, o réu apresentou contestação. Alegou, em síntese, que o tratamento postulado não possui cobertura razão pela qual não tem a obrigação de fornecê-lo. Pugnou pela improcedência dos pedidos. 
Houve réplica.
As partes foram intimadas para especificar as provas que pretendiam produzir. A parte autora requer o julgamento antecipado do feito. A parte ré não se manifestou.
Sobreveio sentença (evento 24, SENT1), a qual julgou a lide nos seguintes termos:
JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais.
CONFIRMO a decisão que antecipou os efeitos da tutela.
CONDENO o réu a autorizar a realização do procedimento cirúgico de coluna por via endoscópica, exatamente como solicitado pelo médico assistente, observada a co-participação prevista na legislação (Título XIII, do Decreto 621/2011).
Isento o réu do pagamento das custas processuais.
CONDENO o réu a pagar os honorários advocatícios do procurador da autora, os quais fixo no patamar de R$ 2.000,00. A fixação se dá por equidade, e não com base no valor da causa, porque o pedido é de tutela do direito à saúde, bem intangível, que se sobrepõe ao conteúdo econômico do litígio.
Inconformado, o Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação (evento 28, APELAÇÃO1). Sustentou, em suma, que “inexiste indicação de que o tratamento pretendido esteja previsto em rol da ANS, de que ele seja eficaz à luz das ciências da saúde, de que existam recomendações da Conitec para que seja empregado na situação descrita na inicial ou de que seja recomendado por órgão de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional”. Ao final, pugnou pelo provimento do inconformismo, julgando-se improcedente a pretensão inicial, bem assim, o prequestionamento dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais citados.
Apresentadas as contrarrazões (evento 36, RESPOSTA1), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça, vindo-me conclusos.

VOTO

1. Compulsando os autos, observo a presença de todos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão por que conheço do recurso.
2. No mérito, pretende o Estado de Santa Catarina, gestor do Plano SC Saúde, a reforma da sentença para afastar o dever de cobertura do procedimento denominado “cirurgia de coluna via endoscópica” em favor da parte autora.
Para tanto, afirma que o procedimento requisitado não consta no Rol de procedimentos fornecidos pelo Plano SC Saúde (de natureza pública, fechado).
Apesar das alegações explicitadas, não vislumbro qualquer equívoco na sentença.
A meu sentir, a matéria fática e sua subsunção às normas jurídicas foi realizada de forma exemplar pelo d. signatário da sentença, Dr. André Augusto Messias Fonseca. A ele me filio e, por isso, em homenagem ao brilhantismo da deliberação, reproduzo-a parcialmente aqui, adotando-a como razões de decidir (evento 24, SENT1, origem):
O SC Saúde é o plano de saúde que atende os servidores públicos do Estado de Santa Catarina e seus dependentes. Foi instituído pela Lei Complementar Estadual n. 306/2005. Está regulamentado pelo Decreto n. 621 de 26 de outubro de 2011.
Trata-se de plano sob a modalidade de autogestão, sem fins lucrativos, o que afasta a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas ações onde se discute a extensão de sua cobertura (cf. Súmula 608 do STJ e TJSC, AI 4003855-12.2019.8.24.0000, rel. Des. Ronei Danielli, j. em 02.07.2019). O fato do SC Saúde estar fora do alcance do Código de Defesa do Consumidor não muda muita coisa.
O Código Civil de 2002, legislação aplicável ao caso em julgamento, também possui dispositivos que tutelam os direitos do segurado de forma bastante ampla. Os princípios da função social do contrato, da probidade e da boa-fé, positivados nos arts. 422 a 424 do CC/2002,  impedem que o gestor do plano tente afastar a cobertura do segurado mediante artimanhas contratuais.
Confira-se:
“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas que gerem dúvida quanto à sua interpretação, será adotada a mais favorável ao aderente. Parágrafo único. Nos contratos não atingidos pelo disposto no caput, exceto se houver disposição específica em lei, a dúvida na interpretação beneficia a parte que não redigiu a cláusula controvertida.
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”
Da mesma forma que acontece no Código de Defesa do Consumidor, a proteção do segurado atinge o ponto de que, havendo dúvida a respeito da interpretação de alguma cláusula do plano, esta será resolvida em seu favor. (cf. TJSC, AI n. 4019654-66.2017.8.24.0000, de Sombrio, rel. Des. Vilson Fontana, j. em 27.06.2019).
Assentadas essas premissas, vamos ao caso dos autos.
A parte autora apresenta “quadro de lombociatalgia bilateral, associado a claudicação neurogênica, de longa data, piora importante nos ultimos 6 meses, devido estenose de canal lombar em L4-L5 E L5-S1, com importantes compressões neurológicas sem melhora ao tratamento conservador, evoluindo com déficits neurológicos em membros inferiores”. Vem em busca de autorização para a realização de cirurgia de coluna por via endoscópica (evento 1, DOC11).
O tratamento foi negado pelo SC Saúde sob o fundamento de que se trata de cirurgia que não consta no rol de procedimentos do plano (evento 11, DOC7).
Entendo que a negativa de fornecimento do tratamento foi injusta.
A moléstia que atinge a parte autora está coberta pelo plano. Se existe a cobertura para a doença, não pode o plano querer restrigir o tipo de tratamento aplicável para curá-la. Quem define o tratamento ao qual o paciente será submetido é o médico assistente, e não o plano de saúde. Assim tem entendido o STJ:
“(…) o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma, sendo abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento domiciliar quando essencial para garantir a saúde ou a vida do segurado” (STJ, AgInt no AREsp 1433651/PE, rel. Min. Raul Araújo, j. em 30.05.2019).
“Compete ao profissional habilitado indicar a opção adequada para o tratamento da doença que acomete seu paciente, não incumbindo à seguradora discutir o procedimento, mas custear as despesas de acordo com a melhor técnica. Além disso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece a possibilidade de o plano de saúde estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de procedimento utilizado para o tratamento de cada uma delas” (STJ, AgInt no REsp 1765668/DF, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. em 29.04.2019).
A autora comprovou que o procedimento pretendido é imprescindível para o seu tratamento. Também comprovou que a cirurgia indicada era a única possível de ser realizada no seu caso.
Destaco as declarações firmadas pelo médico que acompanha a autora para justificar a escolha do tratamento indicado (evento 1, DECL22: 

Observa-se que o médico assistente aponta que, devido ao estágio avançado da doença, há risco de sequelas neurológicas pela morosidade da realização do procedimento.
Neste quadro, havendo indicação médica para a realização do tratamento e prova de adequação do mesmo, entendo que a negativa de cobertura se revela ilegal, posto que limitar o procedimento às hipóteses contidas nas diretrizes previstas pelo plano de saúde impõe, antecipadamente, a renúncia a direito resultante da natureza do contrato, qual seja: a assistência à saúde (cf. TJSC, Ap. Cível n. 0323423-76.2015.8.24.0023, da Capital, rel. Desa. Cláudia Lambert de Faria).
Outro ponto importante: o procedimento em questão não se subssome em quaisquer das hipóteses de exclusão de cobertura relacionadas no item 10 do Decreto n. 621 de 26 de outubro de 2011.
De outro lado, não posso exonerar a autora de pagar a coparticipação, com percentual de até 30% da despesa, limitando-se a 20% da remuneração (arts. 3º e 13 da LCE 306/2005). Esse valor é especificado pelo art. 13, do Dec. 621/2011, segundo o qual:
13. O segurado contribuirá com parte das despesas, conforme prevê o art. 3º da Lei Complementar nº 306, de 2005, a título de coparticipação, no percentual de: (…)
I — os atendimentos serão realizados mediante coparticipação de 30% (trinta por cento) do custo das consultas em consultório e pronto socorro, dos exames e de todos os demais serviços/procedimentos realizados em regime ambulatorial, incluindo os eventuais gastos com materiais, medicamentos, diárias e taxas, limitados ao valor máximo de R$ 153,23 (cento e cinquenta e três reais e vinte e três centavos) por serviço realizado;
II — nos atendimentos realizados em regime de internação incidirá coparticipação de 30% (trinta por cento), sendo limitada:a) caso o tempo total de internação seja superior a 6 (seis) dias, no total de R$ 765,96 (setecentos e sessenta e cinco reais e noventa e seis centavos);b) caso o tempo de internação se limite a 6 (seis) dias, no resultado da multiplicação de dias efetivos de internação por R$ 127,66 (cento e vinte e sete reais e sessenta e seis centavos); e […]
Diante deste cenário, declaro abusivas as cláusulas do plano SC Saúde que impedem a cobertura do procedimento vindicado, ao mesmo tempo em que reconheço a obrigação do Estado de fornecê-lo, com a ressalva de observância da co-participação, nos termos da legislação aplicável (Título XIII, do Decreto 621/2011).
Como visto com detalhes na sentença objurgada, para além da imprescindibilidade do tratamento cirúrgico atestada por médico especialista que acompanha a autora, o procedimento em questão não consta nas hipótes de exclusão de cobertura elencadas no item 10 do Decreto n. 621 de 26 de outubro de 2011.
Logo, a sentença é de ser mantida por seus próprios fundamentos.
3. Outrossim, tenho como prequestionados os artigos constitucionais e infraconstitucionais mencionados pelo recorrente, embora não encontrem amparo na premissa julgadora, registrando que o objeto da irresignação foi detidamente deliberado e analisado, com arrimo nos fundamentos legais antes expostos.
Ressalto que os principais pontos do recurso estão delineados nesta decisão, de modo que, conforme entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça “o julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão” (STJ, AgInt no REsp n. 1.948.569/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 9/5/2022).
4. Por derradeiro, considerando que a decisão recorrida foi publicada na vigência do atual CPC, necessário o arbitramento de honorários recursais em favor dos causídicos da parte recorrida, nos termos do § 11 do artigo 85 do referido diploma legal.
Assim, tendo em vista os parâmetros do § 2º do mesmo dispositivo legal, fixo, de ofício, os honorários recursais em R$ 200,00 (duzentos reais), totalizando os honorários de sucumbência em R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais).
5. Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso, fixando honorários recursais na forma da fundamentação.

Documento eletrônico assinado por ANDRÉ LUIZ DACOL, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4199801v5 e do código CRC e93cf75a.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANDRÉ LUIZ DACOLData e Hora: 19/12/2023, às 10:12:48

Apelação Nº 5010340-31.2023.8.24.0045/SC

RELATOR: Desembargador ANDRÉ LUIZ DACOL

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) APELADO: MARIA ANA DA SILVA (AUTOR) ADVOGADO(A): KELLY CRISTINA DE AGUIAR (OAB SC034280) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SC SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. CIRURGIA DE COLUNA VIA ENDOSCÓPICA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA.
ALEGAÇÃO DE QUE O TRATAMENTO CIRÚRGICO REQUERIDO NÃO SE ENCONTRA NO ROL DE PROCEDIMENTOS COBERTOS. INACOLHIMENTO. MOLÉSTIA RESGUARDADA PELO PLANO. IMPRESCINDIBILIDADE DO TRATAMENTO CIRÚRGICO ATESTADA POR MÉDICO ESPECIALISTA. PROCEDIMENTO, ADEMAIS, QUE NÃO CONSTA EXPRESSAMENTE NAS HIPÓTESES DE EXCLUSÃO DO PLANO. DEVER DE COBERTURA MANTIDO.
FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.
RECURSO DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, fixando honorários recursais na forma da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 14 de dezembro de 2023.

Documento eletrônico assinado por ANDRÉ LUIZ DACOL, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4199802v4 e do código CRC 061aba07.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANDRÉ LUIZ DACOLData e Hora: 19/12/2023, às 10:12:48

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 14/12/2023

Apelação Nº 5010340-31.2023.8.24.0045/SC

RELATOR: Desembargador ANDRÉ LUIZ DACOL

PRESIDENTE: Desembargador DIOGO PÍTSICA

PROCURADOR(A): IVENS JOSE THIVES DE CARVALHO
APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) APELADO: MARIA ANA DA SILVA (AUTOR) ADVOGADO(A): KELLY CRISTINA DE AGUIAR (OAB SC034280) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 14/12/2023, na sequência 127, disponibilizada no DJe de 22/11/2023.
Certifico que a 4ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 4ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, FIXANDO HONORÁRIOS RECURSAIS NA FORMA DA FUNDAMENTAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador ANDRÉ LUIZ DACOL
Votante: Desembargador ANDRÉ LUIZ DACOLVotante: Desembargador DIOGO PÍTSICAVotante: Desembargador ODSON CARDOSO FILHO
JULIANA DE ALANO SCHEFFERSecretária

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

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