TV por assinatura e dano moral. Sabe-se que a jurisprudência caminha no sentido de que a suspensão do serviço de tv por assinatura, sem nenhum outro desdobramento, não acarreta, por si só, danos morais. Ocorre que, no presente caso, além da suspensão do serviço e retirada do aparelho, a ré inscreveu o nome do autor nos órgãos de proteção ao crédito
Processo: 0311312-93.2016.8.24.0033 (Acórdão do Tribunal de Justiça) Relator: Monteiro Rocha Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil Julgado em: 15/06/2023 Classe: Apelação Apelação Nº 0311312-93.2016.8.24.0033/SC RELATOR: Desembargador MONTEIRO ROCHA APELANTE: HELIO CYPRIANO (AUTOR) APELADO: SKY SERVICOS DE BANDA LARGA LTDA.
RELATÓRIO Na comarca de Itajaí, Hélio Cypriano ajuizou ação de indenização por danos morais contra Sky Serviços de Banda Larga Ltda., na qual alegou que mantinha com a ré contrato de prestação de serviços de entretenimento e que realizava regularmente o pagamento das mensalidades. Salientou que a ré suspendeu a programação e que, ao entrar em contato para solucionar o problema, foi informado de que não havia pagamento da fatura com vencimento em fevereiro, além de haver a cobrança antecipada da fatura do mês de março.Relatou que a ré determinou a retirada dos aparelhos de captação de sinais de sua residência sem lhe dar qualquer explicação.Mencionou que a conduta ilegítima da ré acarretou-lhe abalo moral, passível de compensação pecuniária, notadamente porque o alegado não pagamento implicaria a inscrição de seu nome nos órgãos de proteção ao crédito.
Citada, a ré apresentou contestação, na qual relatou que o autor não comprovou a quitação do débito no prazo de vencimento, o que culminou na suspensão dos serviços e na retirada do aparelho de transmissão.Mencionou que não ficaram comprovados os alegados danos morais. A autora apresentou réplica (evento 33).
Conclusos os autos, sobreveio sentença, cujo dispositivo encerrou o seguinte teor (evento 47):”ANTE O EXPOSTO, julgo improcedente o pedido. Condeno a parte demandante ao pagamento das custas e dos honorários, estes arbitrados em R$ 1.500,00. Os honorários serão atualizados pelo INPC, do arbitramento, e acrescidos de juros simples de 1% a.m., do trânsito em julgado. Retifique-se a autuação para que passe a constar no polo passivo apenas a empresa “Sky Serviços de Banda Larga Ltda.”. Interposta apelação, certifique-se a tempestividade, intime-se a parte recorrida para contrarrazoar e encaminhem-se os autos ao Tribunal de Justiça”
Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, no qual relatou a suspensão do serviço pela ré mesmo com a mensalidade quitada acarretou-lhe abalo moral. Salientou que seu nome foi inscrito nos órgãos de proteção ao crédito e que a ré cometeu ilícito ao também retirar o aparelho de sua residência, mesmo com o débito quitado.Requereu a reforma da sentença para julgar procedente o pedido indenizatório.A ré apresentou contrarrazões (evento 76).
VOTO
Versam os autos sobre ação indenizatória proposta por Hélio Cypriano contra Sky Serviços de Banda Larga Ltda., na qual objetiva a compensação por danos morais em razão da suspensão dos serviços de tv por assinatura com mensalidade quitada. A súplica recursal é dirigida contra sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais.1. Dever de indenizarArgumenta o autor que a suspensão dos serviços de tv por assinatura, a retirada do aparelho e a inscrição do nome nos órgãos de proteção ao crédito, mesmo com a mensalidade quitada, implica condenação da ré ao pagamento de danos morais. As alegações merecem acolhimento.
No caso, observa-se que a ré suspendeu o serviço de tv por assinatura e retirou o aparelho da residência do autor, sob o argumento de que a mensalidade referente ao mês de fevereiro de 2016 não havia sido quitada.Todavia, ficou comprovado pelo autor que a mensalidade foi tempestivamente paga, inclusive, antes do vencimento, de modo que a suspensão posterior dos serviços e a retirada do aparelho é ilícita (evento 1, informação
4) .Sabe-se que a jurisprudência caminha no sentido de que a suspensão do serviço de tv por assinatura, sem nenhum outro desdobramento, não acarreta, por si só, danos morais. Ocorre que, no presente caso, além da suspensão do serviço e retirada do aparelho, a ré inscreveu o nome do autor nos órgãos de proteção ao crédito, em razão da mensalidade com vencimento em 19-2-2016, a qual já estava quitada (evento 1, informação 4).Referida informação foi confirmada por ela, tanto em sua defesa, quanto nas contrarrazões.Portanto, essa circunstância, aliada à suspensão do serviço e à retirada do aparelho é suficiente para implicar condenação da ré ao pagamento dos danos morais sofridos pelo autor, porquanto devidamente comprovado o ato ilícito por ela praticado.
A reparação dos danos ocasionados ao consumidor, baseada em responsabilidade civil objetiva, reclama a configuração dos seguintes requisitos: ato lesivo (causa), dano (consequência) e nexo causal.O ato lesivo é toda ação ou omissão voluntária que viola direito ou causa prejuízo a outrem. Dano é toda lesão a bens ou interesses juridicamente tutelados, sejam de ordem patrimonial, sejam de ordem puramente moral (AGOSTINHO ALVIM, Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências, Saraiva, 1972, p. 172).
O nexo causal é o liame jurídico que se estabelece entre causa (fato lesivo) e consequência (dano), de uma tal maneira que se torne possível dizer que o dano decorreu irrecusavelmente daquela causa.Pela teoria do risco, a empresa deve responder quando, em decorrência do risco criado por sua atividade empresarial, houver prejuízo a outrem.
A propósito, transcreve-se o disposto no parágrafo único do art. 927 do Código Civil pátrio:”Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Como não se perquire o elemento subjetivo culpa, patenteados estão os requisitos da responsabilidade civil objetiva da ré: ação do agente; dano experimentado pela vítima e relação de causalidade entre a ação e o dano, mormente inexistindo quaisquer elementos probatórios excludentes de responsabilidade civil.
Assim, caracterizada a responsabilidade civil da ré, pelo que se passa à fixação do quantum compensatório.
2. Quantum compensatório
Está assente em nosso direito que em sede de abalo moral o magistrado deve fixar a indenização através dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, adotando valor que não sirva de lucro à vítima e que não cause a ruína do patrimônio do ofensor.Outrossim, a quantificação do abalo moral deve atender às funções reparatória e pedagógica, das quais se reveste a indenização.Sobre o assunto, oportuno trazer à colação excerto doutrinário de Sérgio Cavalieri Filho:”Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprobabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes” (Programa de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 116).
Pondera-se que a valoração do abalo moral não se destina a quantificar os percalços vivenciados pela vítima com o ilícito. O valor é meramente reparatório e objetiva abrandar os efeitos do abalo sofrido.Como a fixação de reparações em patamar elevado deve ser evitada, trago aos autos ensinamento doutrinário do jurista Calmon de Passos, inserto em artigo intitulado “O Imoral nas Indenizações por Dano Moral”, entendendo que o prejuízo extrapatrimonial deve ser reparado através de fundamentos éticos e morais:”Quando a moralidade é posta debaixo do tapete, esse lixo pode ser trazido para fora no momento em que bem nos convier. E justamente porque a moralidade se fez algo descartável e de menor importância no mundo de hoje, em que o relativismo, o pluralismo, o cinismo, o ceticismo, a permissividade e o imediatismo têm papel decisivo, o ressarcimento por danos morais teria que também se objetivar para justificar-se numa sociedade tão eticamente frágil e indiferente. O ético deixa de ser algo intersubjetivamente estruturado e institucionalizado, descaracterizando-se como reparação de natureza moral para se traduzir em ressarcimento material, vale dizer, o dano moral é significativo não para reparar a ofensa à honra e aos outros valores éticos, sim para acrescer alguns trocados ao patrimônio do felizardo que foi moralmente enxovalhado” (Revista Jus Navegandi, 2002, in www.jus.com.Br).Para uma valoração proporcional ao dano, há que se considerar o grau de reprovabilidade da conduta, o tempo de permanência do requerente no rol dos maus pagadores e os efeitos advindos da ilegal e indevida negativação.
No caso concreto, é censurável a conduta da ré que, além de suspender o serviço de tv por assinatura, retirar o aparelho da residência do autor, inscreveu o nome dele nos órgãos de proteção ao crédito, mesmo após o pagamento da mensalidade que ensejou a inscrição, bem como a suspensão dos serviços. Entretanto, os efeitos advindos da falha na prestação do serviço do serviço pela ré e pela ilegal negativação foram normais a esse tipo de ilícito.Sopesando as peculiaridades do caso e visando uma valoração razoável e proporcional ao dano, entendo adequado fixar o quantum em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor este que não gera desvalia ao patrimônio moral do ofendido e sanciona pedagogicamente o ofensor.
3. Resultado do julgamento
Em decorrência, conheço do recurso do autor e dou-lhe provimento para julgar procedente o pedido e condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Sobre a quantia indenizatória deverá incidir juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação e correção monetária pelo INPC a partir deste julgado (Súmula 362 do STJ). Em razão do provimento do recurso, condena-se a ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 20% (vinte por cento) do valor da condenação, incluídos aí, os honorários recursais.
4. Dispositivo
Em decorrência, voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Documento eletrônico assinado por MONTEIRO ROCHA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3599437v26 e do código CRC 368b49b2.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): MONTEIRO ROCHAData e Hora: 15/6/2023, às 15:18:53 Apelação Nº 0311312-93.2016.8.24.0033/SC RELATOR: Desembargador MONTEIRO ROCHA APELANTE: HELIO CYPRIANO (AUTOR) APELADO: SKY SERVICOS DE BANDA LARGA LTDA.
EMENTA
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – OBRIGAÇÕES – RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – TV POR ASSINATURA – SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS E INSCRIÇÃO DO NOME NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA EM 1º GRAU – INSURGÊNCIA DO AUTOR – 1. DEVER DE INDENIZAR – DANOS MORAIS – SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS DE TV POR ASSINATURA – RETIRADA DO APARELHO – ALEGADO INADIMPLEMENTO DE MENSALIDADE – INSUBSISTÊNCIA – FATURA QUITADA ANTECIPADAMENTE – DÉBITO INEXISTENTE – SUSPENSÃO INDEVIDA – APONTAMENTO DO NOME NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – ATO ILÍCITO CARACTERIZADO – DANOS MORAIS DEVIDOS – 2. QUANTUM COMPENSATÓRIO – CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE NA FIXAÇÃO – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Comete ilícito aquele que inscreve o consumidor nos cadastros de inadimplentes por dívida quitada, acarretando-lhe abalo moral presumido.2. O quantum indenizatório deve ser fixado em patamar que respeita os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, com valor que não seja fonte de lucro à vítima e que não gere revolta ao patrimônio moral do ofendido.
ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Florianópolis, 15 de junho de 2023. Documento eletrônico assinado por MONTEIRO ROCHA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3599438v11 e do código CRC 5a980d76.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): MONTEIRO ROCHAData e Hora: 15/6/2023, às 15:18:53 EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 15/06/2023 Apelação Nº 0311312-93.2016.8.24.0033/SC RELATOR: Desembargador MONTEIRO ROCHA PRESIDENTE: Desembargador VOLNEI CELSO TOMAZINI PROCURADOR(A): IVENS JOSE THIVES DE CARVALHO APELANTE: HELIO CYPRIANO (AUTOR) ADVOGADO(A): ERMINIO CASTRO (OAB SC008587) APELADO: SKY SERVICOS DE BANDA LARGA LTDA. ADVOGADO(A): DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA (OAB SC051063) Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 15/06/2023, na sequência 1, disponibilizada no DJe de 29/05/2023. Certifico que a 2ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 2ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PROVIMENTO. RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador MONTEIRO ROCHA Votante: Desembargador MONTEIRO ROCHAVotante: Desembargador SEBASTIÃO CÉSAR EVANGELISTAVotante: Desembargadora ROSANE PORTELLA WOLFF YAN CARVALHO DE FARIA JUNIORSecretário
Fonte: TJSC