Acidente de trânsito que causa engavetamento de veículos. Não há dever de indenizar danos se, em engavetamento, o único motivo do veículo colidir com o veículo a sua frente foi ter sido abalroado em sua traseira.
Processo: 0307936-09.2018.8.24.0008 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Carlos Roberto da Silva
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Sétima Câmara de Direito Civil
Julgado em: 23/11/2023
Classe: Apelação Citações – Art. 927, CPC: Súmulas STJ:537
Apelação Nº 0307936-09.2018.8.24.0008/SC
RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
APELANTE: AUTO MECANICA NASCAR LTDA (AUTOR) APELANTE: LOUISE ANNE JENSEN CORDEIRO (RÉU) APELADO: CELSO SCHULZ (RÉU) APELADO: ASSOCIACAO DE BENEFICIOS – LIDERANCA (RÉU) APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Louise Anne Jensen Cordeiro (primeira ré) e Auto Mecânica Nascar Ltda. (autora) interpuseram recurso de apelação e adesivo contra sentença (evento 78 do processo de origem) que, nos autos da ação de indenização decorrente de acidente de trânsito movida também em face de Celso Schulz (segundo réu) e Associação de Benefícios – Liderança (terceira ré), julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais.
Para melhor elucidação da matéria debatida nos autos, adota-se o relatório da sentença recorrida:
AUTO MECANICA NASCAR LTDA propôs a presente demanda em face de LOUISE ANNE JENSEN CORDEIRO, CELSO SCHULZ e ASSOCIAÇÃO DE BENEFÍCIOS LIDERANÇA, todos qualificados, objetivando a indenização por danos materiais decorrentes de acidente de trânsito.
Explanou que é proprietária do veículo VW/Saveiro, placas LYW 2385 e que, na data de 08.09.2017, enquanto este era conduzido pela Rua Doutor Pedro Zimmermann, neste município e comarca, sofreu uma colisão traseira pelos veículos dos réus.
Disse que a 1ª ré não percebeu que o fluxo de veículos havia sido interrompido e abalroou a traseira do veículo do 2º réu (veículo Siena) que, por sua vez, colidiu com o veículo do autor.
Afirmou que seu prejuízo resultou em R$ 1.360,00 referente ao serviço de “leva e traz” para o transporte das peças que eram necessárias para o seu trabalho e R$ 4.130,00 do conserto do veículo Saveiro.
Relatou que a 1ª ré disse possuir contrato de seguro com a 3ª ré, mas esta, notificada, não ressarciu os prejuízos da parte autora.
Pugnou pela condenação das rés ao ressarcimento dos danos materiais e pela gratuidade judiciária. Valorou a causa e juntou documentos.
Satisfeitas as custas (E10), os réus foram citados.
A requerida LOUISE ANNE JENSEN CORDEIRO apresentou contestação (E27), arguindo, em preliminar, sua ilegitimidade passiva e pugnando pela gratuidade judiciária.
No mérito, sustentou que não demonstrada sua culpa no evento danoso. Rebateu os orçamentos apresentados para comprovar os gastos com o conserto do veículo VW/Saveiro, ressaltando tratar-se de automóvel com mais de 30 anos de uso. Também, o montante de R$ 1.360,00 pagos a terceiro para realização de serviço de “leva e traz”, porque não comprovados.
Ressaltou que após o sinistro o veículo do autor deixou o local sem a ajuda de guincho, pois estava “rodando normalmente” e “sequer aguardou a chegada da polícia no local para realizar o registro da ocorrência” (E27.34.fl. 9).
Em arremate, afirmou que possui contrato de seguro com a 3ª ré, havendo previsão na apólice de cobertura para reparação de danos causados a terceiros até o limite de R$ 60.000,00. Pugnou pela improcedência do pedido. Subsidiariamente, que a condenação se limite aos prejuízos efetivamente comprovados e cobertos pela apólice de seguros.
Houve réplica (E34).
Sobreveio, então, decisão saneadora (E52), que afastou a ilegitimidade passiva alegada pela ré LOUISE ANNE JENSEN CORDEIRO e decretou a revelia dos réus CELSO SCHULZ e ASSOCIAÇÃO DE BENEFÍCIOS LIDERANÇA, porque, citados, deixaram fluir in albis o prazo para resposta.
Deferida a prova testemunhal, foi ouvida uma testemunha da parte autora, havendo desistência quanto as demais. Na sequência, as partes apresentaram alegações finais remissivas (E76). (Grifos no original).
Da parte dispositiva do decisum, extrai-se a síntese do julgamento de primeiro grau:
Diante do exposto:
(a) JULGO PROCEDENTE EM PARTE, o pedido formulado na presente ação por AUTO MECANICA NASCAR LTDA e condeno LOUISE ANNE JENSEN e ASSOCIAÇÃO DE BENEFÍCIOS LIDERANÇA CORDEIRO, ao pagamento solidário de R$ 4.130,00, corrigido a contar do desembolso (03.04.2018) e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar do evento danoso (08.09.2017).
Como houve sucumbência recíproca, arca o autor com 40% das despesas processuais e a ré com 60%. Cada parte responderá pelos honorários advocatícios da adversa, que fixo em 10% do valor da causa, observada a mesma proporção.
Defiro a gratuidade judiciária à ré LOUISE, haja vista a documentação acostada (E27.37)
JULGO IMPROCEDENTE, com fundamento no art. 487, I, do CPC, o pedido formulado da presente ação por AUTO MECANICA NASCAR LTDA em face de CORDEIRO, CELSO SCHULZ.
Deixo de fixar honorários, porque, revel, não constituiu patrono.
O feito é extinto com fundamento no art. 487, I, do CPC.
Publicada, registrada e intimados eletronicamente.
Após o trânsito, arquivem-se os autos. (Grifos no original).
Em suas razões recursais (evento 97 dos autos de origem), a ré Louise Anne Jensen Cordeiro asseverou que “a Magistrada entendeu que a Apelante foi a única culpada pelos danos causados ao veículo do Apelado. No entanto, não se pode concordar com o entendimento pois, conforme se observa dos autos, quem abalroou o veículo do Apelado foi o motorista do veículo Siena, pois não há nos autos provas de que esse guardava a distância necessária para evitar a colisão” (p. 3).
Aduziu que “das fotos colacionadas com a defesa (evento 27) o veículo da Apelada estava em péssimo estado de conservação, sequer é possível identificar qual dano efetivamente o acidente causou, pois que se observa que a carroceria estava corroída pela ferrugem e o veículo em péssimo estado de conservação” (p. 4).
Alegou que “na remota hipótese de procedência da demanda, deverá ser observado o caráter de seguro contratado, bem como afastada a obrigação solidária da Apelante” (p. 5).
Por fim, postulou a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos iniciais ou, subsidiariamente, condenar apenas a seguradora ao ressarcimento dos danos.
A parte autora, por sua vez, argumentou em suas razões de recurso adesivo (evento 106 dos autos de origem) que “parte da jurisprudência deste e. Tribunal de Justiça entende necessária a presença de todos os envolvidos nos “engavetamentos” em acidentes de trânsito, prevendo as suas responsabilidades. No caso em questão, a 1ª Requerida Louise estava seguindo pela Rua Dr. Pedro Zimmermann, quando ao se desatentar na condução do seu veículo, não notou que o fluxo havia parado e colidiu com a traseira do veículo Siena, conduzido pelo 2º Requerido, que por sua vez colidiu com a caminhoneta Saveiro GL de propriedade da Requerente” (p. 1)
Defendeu que “Conforme restou comprovado pela prova documental, corroborada pelo depoimento da testemunha da recorrente, em razão do acidente sofrido o veículo de sua propriedade, a Recorrente ficou impossibilitada buscar e levar peças dos seus fornecedores, tendo sido o obrigado a contratar os serviços de um motorista particular” (p. 5).
Ao final, pugnou a modificação do decisum objurgado para reconhecer a responsabilidade solidária do segundo réu e a condenação da parte ré ao pagamento de danos materiais relativos à contratação de terceiro para fretes.
Com as contrarrazões (evento 108 e 114 dos autos de origem), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
Este é o relatório.
VOTO
Trata-se de recursos de apelação e adesivo interpostos contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos inaugurais.
Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, conhecem-se dos reclamos.
Tem-se como fato incontroverso, porque reconhecido expressamente pelas partes, a ocorrência de acidente de trânsito em 8-9-2017, na Rua Doutor Pedro Zimmermann, n. 1821, em Blumenau, envolvendo o veículo Fiat/Uno, placas MLK7498, conduzido pela primeira ré Louise, a qual não se atentou ao trânsito parado na via e veio colidir com o veículo Fiat/Siena, placas ASP0752, de propriedade do segundo réu Celso Schulz, o qual, por sua vez, colidiu com o veículo a sua frente, de propriedade da empresa autora (VW/Saveiro, placas LYW2385).
Inconcusso ainda que a primeira ré Lousie mantinha contrato de seguro veicular com Associação de Benefícios – Liderança (terceira ré)
A controvérsia, portanto, cinge-se em verificar o (des)acerto da decisão no tocante à responsabilidade pelo acidente, aos danos materiais e à responsabilidade da seguradora.
Sobre tais pontos, então, debruçar-se-á a presente decisão.
Adianta-se, desde já, que o apelo da requerida não comporta acolhimento, enquanto o recurso adesivo da autora deve ser parcialmente provido.
I – Da insurgência comum dos apelantes:
A sentença combatida reconheceu a responsabilidade exclusiva da apelante Louise pelo acidente, pois foi quem deu causa as sucessivas batidas (engavetamento).
Por sua vez, a primeira requerida e a empresa autora defendem a existência de responsabilidade solidária do segundo réu Celso, condutor do veículo Fiat/Siena, o qual também não teria guardado a distância de segurança do veículo a sua frente, ocasionando a batida no automóvel da demandante.
Todavia, suas razões não merecem prosperar.
Porquanto adequados e suficientes ao deslinde da controvérsia em debate nesta instância, para evitar tautologia, adotam-se os fundamentos bem lançados pela Magistrada Jussara Schittler dos Santos Wandscheer por ocasião da prolação da sentença como razões de decidir (evento 78 dos autos de origem):
Dito isso, tenho que o pedido do autor merece guarida, mas não em relação a todos os réus.
De fato, os pressupostos para a responsabilidade civil estão previstos nos artigos 186 e 927, do Código Civil, que elencam os elementos necessários para a caracterização do dever de indenizar, quais sejam, ação ou omissão, culpa ou dolo, nexo de causalidade e dano ou prejuízo:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Colhe-se do BOAT (E1.5) que, após a colisão, a ré LOUISE ANNE JENSEN CORDEIRO compareceu ao órgão de trânsito. Veja-se:
Relata-nos a comunicante que a Condutora Louise estava seguindo pela Rua Dr Pedro Zimmermann, quando ao de desatentar não notou que a fila havia parado e colidiu com a traseira do veiculo Siena placa ASP0752 conduzido pelo motorista Celso Schulz que com o impacto colidiu com o caminhoneta Saveiro GL conduzida por Jonas Dias. Sem ferimentos aos condutores e passageiros, porem com danos materiais aos 3 veículos.
Assim, a ré admite que, por desatenção, colidiu na traseira do corréu CELSO SCHULZ, que conduzia um veículo Siena, o qual, por sua vez, foi projetado para a frente e colidiu com o veículo VW/Saveiro do autor.
Sobre o assunto, colhe-se de precedentes:
DIREITO CIVIL – REPONSABILIDADE CIVIL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – DANOS MATERIAIS – COLISÃO TRASEIRA QUE OCASINOU ALBAROAMENTO SUCESSIVO (ENGAVETAMENTO) – PROCEDÊNCIA – INCONFORMISMO – RECURSO DO RÉU – AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL – INACOLHIMENTO – COLISÃO ANTERIOR DO AUTOR EM TERCEIRO – INOCORRÊNCIA – BOLETIM DE OCORRÊNCIA COM PRESUNÇÃO DE VERACIDADE – AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA EM SENTIDO CONTRÁRIO – IMPRUDÊNCIA CARACTERIZADA – INDENIZATÓRIA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.
É imprudente motorista que não guarda distância legal do veículo que trafega à sua frente e o abalroa na traseira, ocasionando colisão sucessiva e importando na obrigação de indenizar os danos suportados pela vítima. (TJSC, Apelação Cível n. 0310869-12.2015.8.24.0023, da Capital, rel. Monteiro Rocha, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 17-09-2020).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS CAUSADO EM ACIDENTE DE TRÂNSITO PROPOSTA PELA SEGURADORA EM FACE DO CAUSADOR DO SINISTRO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. APELO INTERPOSTO PELA RÉ. COLISÃO TRASEIRA. ENGAVETAMENTO. ELEMENTOS DE PROVAS QUE EVIDENCIAM A CULPA DO DEMANDADO PELA OCORRÊNCIA DO INFORTÚNIO. CULPA DE TERCEIRO NÃO DEMONSTRADA. ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBE À REQUERIDA, A TEOR DO DISPOSTO NO ART. 373, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR MANTIDA. SENTENÇA INALTERADA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0803137-88.2013.8.24.0023, da Capital, rel. Stanley da Silva Braga, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 26-09-2017).
Sobre o acidente narrado, o art. 29, II, do Código de Trânsito Brasileiro estabelece que “o condutor deverá guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu e os demais veículos, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade e as condições do local da circulação, do veículo e as condições climáticas'”.
In casu, de se anotar que não restou minimamente demonstrada a culpa do réu CELSO SCHULZ, condutor do veículo Siena, no infortúnio. Seu veículo só colidiu com o veículo do autor após ter sido abalroado pelo veículo da ré LOUISE e, assim, ter sido projetado para a frente.
Não é demais lembrar que a decretação da revelia não acarreta, obrigatoriamente, a procedência dos pedidos, pois pertinente apure o magistrado as provas produzidas pela parte autora, amoldando o julgamento à legislação vigente, já que relativa a presunção de veracidade dos fatos narrados na inicial.
Desta feita, porque não demonstrado, em relação ao réu Celso, os pressupostos da responsabilidade civil, ainda que se trate de réu revel, carece de amparo o pleito autoral.
Dito isso, reconhecida a culpa exclusiva da ré Louise na causação do sinistro, resta perquirir o dano material reverberado. (Grifos no original).
Em arremate, destaca-se que não há controvérsia quanto à dinâmica descrita no boletim de ocorrência, de modo que se conclui que o veículo do segundo réu (Siena) foi arremessado à frente em razão do choque ocasionado pela primeira ré que, desatenta, não conseguiu frear o seu automóvel a tempo.
Anota-se, nesse ponto, que não há qualquer comprovação nos autos de que o réu Celso não estivesse guardando distância mínima de segurança em relação ao veículo a sua frente, tanto que realizou a frenagem e estava parado na fila de carros; entretanto, em razão da conduta imprudente e negligente da ré Louise ao não conduzir seu veículo de forma segura e em observância às regras de trânsito, foi arremessado em direção ao veículo à sua frente, colidindo com a Saveiro de propriedade da empresa autora.
Nesse sentido, já decidiu este relator:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA ASSOCIAÇÃO DEMANDADA. ABALROAMENTO ENTRE DOIS VEÍCULOS AUTOMOTORES E MOTOCICLETA. ARGUMENTO DE CULPA CONCORRENTE POR AUSÊNCIA DE DISTÂNCIA MÍNIMA DE SEGURANÇA ENTRE A MOTOCICLETA DA REQUERENTE E O VEÍCULO QUE O PRECEDIA. REJEIÇÃO. INCONTROVERSO NOS AUTOS QUE A AUTORA FOI ARREMESSADA AO VEÍCULO À FRENTE EM RAZÃO DE CONDUTA IMPRUDENTE E NEGLIGENTE DO CONDUTOR DO AUTOMÓVEL ASSOCIADO QUE NÃO CONSEGUIU REALIZAR A MANOBRA DE FRENAGEM. DINÂMICA DO ACIDENTE REGISTRADA EM BOLETIM DE OCORRÊNCIA DE ACIDENTE DE TRÂNSITO MEDIANTE CONFISSÃO DOS ENVOLVIDOS E CORROBORADA EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO POR TESTEMUNHA. CULPA CONCORRENTE NÃO EVIDENCIADA. PRESSUPOSTOS DO ART. 945 DO CÓDIGO CIVIL NÃO CARACTERIZADOS. SENTENÇA ESCORREITA. […] (TJSC, Apelação n. 0307763-82.2018.8.24.0008, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 15-12-2022).
Mantém-se, por conseguinte, a sentença que reconheceu a culpa exclusiva da ré Louise.
II – Das teses remanescentes do recurso da ré Louise (primeira demandada).
II.I – Dos danos materiais:
Insurge-se a recorrente contra o comando da sentença que determinou o ressarcimento do valor gasto pela demandante para o conserto do veículo, no valor de R$ 4.130,00. Defende que os orçamentos são incompatíveis com as avarias, conforme fotografias do acidente.
Razão não lhe assiste.
Verifica-se nos autos que a parte autora juntou orçamentos realizados em oficinas mecânicas diferentes e optou pelo de menor preço, colacionando a nota fiscal de prestação de serviço (evento 1, docs. 8-10 da origem).
Por sua vez, a apelante se limitou a impugnar genericamente os documentos, sem trazer elementos probatórios capazes de infirmar a idoneidade dos valores apresentados.
Convém anotar que, sendo de seu interesse a fixação de montante diverso, sobre si recai a obrigação de impugnar especificamente os valores trazidos pela parte adversa e provar que montante devido era outro – o que não o fez.
A propósito, colhe-se deste Sodalício:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – OBRIGAÇÕES – RESPONSABILIDADE CIVIL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – COLISÃO TRASEIRA ENTRE VEÍCULOS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS EMERGENTES E LUCROS CESSANTES – PROCEDÊNCIA EM 1º GRAU – RECURSO DA SEGURADORA E DA TRANSPORTADORA – ANÁLISE CONJUNTA […] 2. DANOS MATERIAIS – PREJUÍZOS DECORRENTES DA COLISÃO – COMPROVAÇÃO – NOTA FISCAL IDÔNEA – PLEITO NEGADO[…]2. Comprovados os danos materiais emergentes do ilícito praticado, condena-se o causador dos danos a repará-los integralmente.Extraindo-se do orçamento o necessário para quantificar o alegado dano, inacolhe-se impugnação genérica, equivalente à ausência de impugnação. […] (TJSC, Apelação n. 0000804-65.2010.8.24.0036, rel. Monteiro Rocha, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 27-07-2023).
Dessarte, considerando que a parte ré não logrou êxito em derruiu os valores apresentados pela autora, acertada a condenação imposta no comando objurgado.
II.II – Da responsabilidade da seguradora:
Por último, insurge-se a apelante contra a sua condenação de forma solidária junto com a seguradora Associação de Benefícios – Liderança para pagamentos das indenizações. Assevera que a seguradora é responsável pelo ressarcimento por força contratual, de modo que somente ela deve ser condenada nesta lide.
Contudo, suas razões não prosperam.
Como já fundamentado, foi reconhecida a culpa exclusiva da apelante pelo infortúnio narrado na inicial, de modo que é a responsável pelo dever de indenizar os prejuízos suportados pela empresa demandante.
Em verdade, por força contratual, a seguradora com quem a ré mantém contrato de seguro veicular possuiria apenas o dever de reembolso daqueles valores que a segurada despendeu/despenderá em favor do terceiro, nos limites da apólice contratada.
A possibilidade de condenação direta e solidária da seguradora é entendimento construído pela jurisprudência. Nesse sentido: “Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice” (Súmula 537, STJ).
Assim, descabida a condenação unicamente da seguradora, mantendo-se a responsabilidade desta e da segurada, de forma solidária, ao pagamento das indenizações.
III – Do argumento remanescente do apelo adesivo da empresa autora:
A demandante pretende a condenação da parte ré ao pagamento de danos materiais, ao argumento de que o veículo sinistrado era utilizado nas suas atividades comerciais e que no período em que ficou esperando o conserto precisou contratar terceiro para a realização de serviços de fretes de peças automotivas.
Com efeito, suas razões merecem acolhimento no ponto.
Isso porque o acidente ocorreu em 8-9-2017 e o conserto do veículo de propriedade da demandante somente foi realizado em abril/2018, conforme nota fiscal (evento 1, info. 8 da origem).
Nesse interregno, a empresa demandante necessitou contratar terceiro para realização de viagens de leva-traz de peças automotivas, como faz provas os recibos de pagamento (evento 1, doc. 11 da origem), bem como a prova oral coligida na audiência de instrução, em que o testigo Carlos relatou que foi contratado para fazer esses serviços em razão do veículo Saveiro estar batido (evento 81, vídeo 1, da origem).
Ademais, em que pese a parte ré defender que o veículo Saveiro estava em pleno funcionamento e sequer precisou de guincho para sair do local do acidente, verifica-se dos orçamentos e da nota fiscal apresentados que foi danificada a lanterna traseira do automóvel, de modo que não era possível à autora circular nessas condições.
Nesse cenário, tem-se que a empresa autora logrou êxito em comprovar os fatos constitutivos do seu direito, nos termos do art. 373, I, do CPC, razão por que a parte ré (primeira requerida e seguradora) deve ser condenada ao pagamento de danos materiais no valor dos recebidos apresentados (evento 1, doc. 11 da origem) correspondente a R$ 1.360,00.
O montante deverá ser acrescido de correção monetária pelo INPC e juros de mora de 1% ao mês a partir de cada desembolso.
Por corolário, considerando o parcial sucesso do recurso do autor para reformar a sentença no tocante ao ressarcimento de dano material relativo aos fretes, faz-se necessária a redistribuição dos ônus sucumbenciais, para que a primeira requerida e a seguradora arquem integralmente com as custas processuais e honorários advocatícios em favor dos patronos da parte autora, estes fixados em 15% sobre o valor da condenação, em atenção ao art. 85, § 2º, do CPC.
Entretanto, deve ser suspensa a exigibilidade da verba sucumbencial em relação à ré Louise, nos moldes do art. 98, § 3º, do CPC, uma vez que é beneficiária da justiça gratuita (evento 78, dos autos de origem).
Por derradeiro, apesar do desprovimento dos recursos em relação ao requerido Celso, inviável a majoração da verba honorária nesta instância, já que não foi arbitrada no primeiro grau por ser o réu revel e não ter constituído procurador nos autos.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso da primeira ré e negar-lhe provimento; e conhecer do recurso adesivo da empresa autora, dar-lhe parcial provimento para condenar a primeira ré e a seguradora ao pagamento de danos materiais relativos aos fretes e, em consequência, redistribuir os honorários de sucumbência, conforme fundamentação.
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Apelação Nº 0307936-09.2018.8.24.0008/SC
RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
APELANTE: AUTO MECANICA NASCAR LTDA (AUTOR) APELANTE: LOUISE ANNE JENSEN CORDEIRO (RÉU) APELADO: CELSO SCHULZ (RÉU) APELADO: ASSOCIACAO DE BENEFICIOS – LIDERANCA (RÉU) APELADO: OS MESMOS
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.
INSURGÊNCIAS COMUNS DA DEMANDANTE E DA PRIMEIRA RÉ.
ACIDENTE DE TRÂNSITO EM VIA URBANA. ENGAVETAMENTO DE TRÊS VEÍCULOS E ABALROAMENTO TRASEIRO.
ALEGAÇÃO DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO SEGUNDO RÉU. INOCORRÊNCIA. BOLETIM DE OCORRÊNCIA NÃO IMPUGNADO QUE ATESTA A CULPA DA PRIMEIRA RÉ QUE DESATENTA AO TRÂNSITO PARADO VEIO A COLIDIR COM O VEÍCULO DO SEGUNDO RÉU O QUAL FOI ARREMESSADO A FRENTE COLIDINDO NO VEÍCULO DE PROPRIEDADE DA AUTORA. CONDUTA IMPRUDENTE E NEGLIGENTE DA PRIMEIRA REQUERIDA CARACTERIZADA. TESE DE QUE O SEGUNDO RÉU NÃO GUARDAVA SEGURANÇA MÍNIMA COM O AUTOMÓVEL QUE O PRECEDIA NÃO DEMONSTRADA.
TESES REMANESCENTES DO RECURSO DA PRIMEIRA DEMANDADA.
PRETENSÃO DE AFASTAMENTO OU REDUÇÃO DO RESSARCIMENTO DE VALORES REFERENTES AO CONSERTO DO VEÍCULO. NÃO ACOLHIMENTO. ORÇAMENTOS APRESENTADOS JUNTO À INICIAL E NOTA FISCAL DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS RELATIVOS ÀQUELE ORÇAMENTO DE MENOR PREÇO. IMPUGNAÇÃO GENÉRICA. VALORES APONTADOS NOS DOCUMENTOS NÃO DERRUÍDOS.
PLEITO DE CONDENAÇÃO APENAS DA SEGURADORA AO PAGAMENTO DAS INDENIZAÇÕES. INSUBSISTÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR QUE INCUMBE AO CAUSADOR DO DANO. CONTRATO DE SEGURO VEICULAR QUE ESTABELECE O DEVER DA SEGURADORA AO REEMBOLSO DAQUILO QUE A SEGURADA DESPENDEU NOS LIMITES DO PACTO DE SEGURO. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA QUE DECORRE DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 537 DO STJ.
ARGUMENTO REMANESCENTE DO APELO ADESIVO DA AUTORA.
ALEGAÇÃO DE OCORRÊNCIA DE PREJUÍZO PATRIMONIAL EM RAZÃO DO PERÍODO EM QUE O AUTOMÓVEL FICOU PARADO PARA CONSERTO. ACOLHIMENTO. EMPRESA DEMANDANTE QUE EXERCE SERVIÇOS MECÂNICOS. VEÍCULO QUE ERA UTILIZADO PARA FRETES DE PEÇAS AUTOMOTIVAS. COMPROVAÇÃO DE CONTRATAÇÃO DE TERCEIRO POR MEIO DE RECIBOS E DA PROVA ORAL. RESSARCIMENTO DEVIDO.
RECURSO DA PRIMEIRA RÉ CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO ADESIVO DA AUTORA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 7ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso da primeira ré e negar-lhe provimento; e conhecer do recurso adesivo da empresa autora, dar-lhe parcial provimento para condenar a primeira ré e a seguradora ao pagamento de danos materiais relativos aos fretes e, em consequência, redistribuir os honorários de sucumbência, conforme fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 23 de novembro de 2023.
Documento eletrônico assinado por CARLOS ROBERTO DA SILVA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3971923v5 e do código CRC 5ff78e15.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CARLOS ROBERTO DA SILVAData e Hora: 14/12/2023, às 16:12:13
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 23/11/2023
Apelação Nº 0307936-09.2018.8.24.0008/SC
RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
PRESIDENTE: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR
PROCURADOR(A): JOAO FERNANDO QUAGLIARELLI BORRELLI
APELANTE: AUTO MECANICA NASCAR LTDA (AUTOR) ADVOGADO(A): Lucas Cerutti Ponssoni (OAB SC032684) APELANTE: LOUISE ANNE JENSEN CORDEIRO (RÉU) ADVOGADO(A): JOSIANE NOVAES (OAB SC038127) APELADO: CELSO SCHULZ (RÉU) APELADO: ASSOCIACAO DE BENEFICIOS – LIDERANCA (RÉU) APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 23/11/2023, na sequência 73, disponibilizada no DJe de 06/11/2023.
Certifico que a 7ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 7ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO DA PRIMEIRA RÉ E NEGAR-LHE PROVIMENTO; E CONHECER DO RECURSO ADESIVO DA EMPRESA AUTORA, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO PARA CONDENAR A PRIMEIRA RÉ E A SEGURADORA AO PAGAMENTO DE DANOS MATERIAIS RELATIVOS AOS FRETES E, EM CONSEQUÊNCIA, REDISTRIBUIR OS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA, CONFORME FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
Votante: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVAVotante: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIORVotante: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE
TIAGO PINHEIROSecretário
Fonte: TJSC
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